sexta-feira, 6 de agosto de 2010

ELEIÇÕES DEBATE EM SALA DE AULA

MPVN – MOVIMENTO PELO VOTO NULO

José Pardinho Souza

As eleições estão chegando e, com elas, a oportunidade de jovens brasileiros(as) interferirem nos rumos políticos do país. Neste artigo apresentaremos resultados do debate sobre eleições entre estudantes do Curso de História da UNIMEO/CETSOP de Assis Chateaubriand- Paraná, promovido no espaço das disciplinas de História Econômica, história da filosofia e Antropologia Cultural.
Segundo Alex Sandro Regmunt do curso história “Entramos em ano eleitoral e, mais do que nunca, a crise política nos leva a rever nosso papel como cidadãos(ãs). A situação é difícil diante de representantes que se sentem donos(as) dos mandatos que lhes atribuímos,barganham votos, trocam de partidos aleatoriamente, menosprezando o sentido da democracia. Mesmo os partidos não expressam e não maximalizam as diferentes identidades e os diferentes interesses políticos por trás do comum estatuto de cidadania. Votamos por mudanças no governo e, passados três anos e quatro meses, vemos o aperfeiçoamento e a exacerbação das mesmas políticas dos coronéis: nepotismo, cooptação de vereadores ,fragilidade do legislativo local, excessivos gastos de propagandas de pseudas realizações e ausência de mega projetos levariam o Município ao pleno desenvolvimento com geração de empregos e justa distribuição de renda. Estamos estarrecidos com os nossos representantes que desenvolvem a política de curar Câncer com Band - aind na distribuição de migalhas em forma de favores”. E o argumento é reforçado pelo acadêmico de história Amauri Cezar Mestriner::Luiz Gonzaga diz, numa de suas músicas, que “dar esmola a um homem são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão!” A esmola governamental (“bolsa-isso”, “bolsa-aquilo”, “vale-isso”, “vale-aquilo...”) não é apenas inadequada, insuficiente e mal gerida, é um erro conceitual
Conectando a exposição anterior o Padre José Maria Mendonça que nesse quadro, não surpreende que surja o protesto do voto nulo ou mesmo do não votar. Refutando a constatação do Padre e acadêmico de história a estudante Laurinda Barbosa acredita, porém, esse “Movimento pelo Voto Nulo” é mais grave do que a crise política em si. Não votar ou anular o voto poderá ser um render-se diante de dificuldades da democracia, uma espécie de aceitação implícita dos princípios deste capitalismo selvagem e excludente, em sua versão neoliberal, no qual o que importa é cada um(a) por si, deslegitimando a política e sua capacidade de nos transformar em sujeitos detentores de direitos comuns de cidadania. Em última análise, com o espraiamento da opção pelo voto nulo, colocamos em risco a democracia como projeto e estratégia Conclui Cleberson Garcia Leite. Concordando com o colega Dayane Lima de Souza acredita que o desinteresse pela política – que começa a crescer perigosamente entre nós – é o caminho mais curto para manter tudo como está. Mesmo reconhecendo que as eleições não são a panacéia geral, votar é preciso. Mas cada vez fica mais claro que a questão de fundo é a participação cidadã, em todos os espaços, de todas as formas. Professor Pardinho subscrevendo as afirmações dos acadêmicos: “Esta é a verdadeira questão. Para que direitos, no lugar de privilégios, sejam referência da vida em coletividade, para que a busca de eqüidade e justiça social sejam possíveis, para que o bem público se sobreponha ao interesse privado é fundamental a participação cidadã. No fundo, ação da cidadania, participação política e luta por direitos forjam os espaços públicos e a própria democracia. Mais do que uma questão de Estado, a democracia é um processo que tem na participação cidadã a sua força vital. Por isso, todas as formas de participação são indispensáveis. O voto foi uma conquista fundamental ”.
Tânia Raizer retoma a história e diz: “Nem precisamos ir muito longe para nos certificar a respeito. Nós mesmos lutamos por Diretas Já como símbolo da redemocratização na década de 1980. E a luta pelo direito de votar veio no bojo de enormes embates que gestaram uma vibrante sociedade civil, com muitos movimentos, organizações e sujeitos coletivos “ Para Patrick Wilian é a privatização da política e da coisa pública que engendram crises como as que estamos vivendo e discutindo.Encerrando o debate Veranice Spier afirma que o remédio está ao alcance de nossas mãos. Não virá da política instituída nos legislativos e nos governos. Virá de nosso esforço de transformar em questões públicas o que teima em se manter privado, de afirmar direitos contra privilégios, de produzir mais espaço público e democracia para as fragilidades da própria democracia. Enfim, para um Brasil justo, democrático, solidário e sustentável, o jeito é participar ainda mais.

Professor de Filosofia, histórica econômica e Antropologia

DA EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA À CULTURA E SOCIEDADE BRASILEIRA E EDUCAÇÃO PARA CIDADANIA


























"Há homens que lutam um dia, e são bons;Há outros que lutam um ano e são melhores;Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;Mas há aqueles que lutam toda a vida, e esses são os imprescindíveis"
- Bertolt Brecht, dramaturgo e poeta alemão































Organizado
POR
JOSÉ PARDINHO SOUZA


ENTRE O TEMOR
E A ESPERANÇA




SOUZA, P. José, Da Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política Brasileira e Estudos de Problemas Brasileiros à Cultura, Sociedade Brasileira e Educação Para Cidadania, Assis Chateaubriand, Ed.CPV, 2002

1. Cultura e Sociedade Brasileira, 2. Sociologia Brasileira , 3 Histórias das Idéias brasileiras, 4. Cidadania e Direitos Humanos, 5.História da Educação Brasileira
6. Ideologia Brasileira, 7 Política brasileira,
8. Brasil: Educação e Estado,9.Educação e Política,
10. Política: Influência na Educação











1.CIDADANIA E SOCIOLOGIA 302






INTRODUÇÃO



Este trabalho originou-se de observações assistemáticas de leitura em alguns documentos indicados pelo Ministério da Educação para serem adotados para orientar adoção das disciplinas de Cultura, Sociedade Brasileira e Ética e Cidadania.
Essas observações assistemáticas suscitaram algumas perguntas.
Existiria alguma relação entre as extintas disciplinas Estudos dos Problemas Brasileiros (EPB),Educação Moral e Cívica (EMC) ou mesmo Organização Social e Política do Brasil (OSPB) e as recentes Cultura, Sociedade Brasileira e Ética e Cidadania ? Esta pergunta é importante porque devemos estar sempre atentos às metamorfoses do poder político e das políticas educacionais que o seguem.
Há simples continuidade entre Ética e Cidadania e OSPB/EMC ou trata-se aí de ruptura? Se a alternativa é ruptura, a questão é: que grau de ruptura? Quero arriscar duas hipóteses. Em primeiro lugar, que a disciplina Cultura, Sociedade Brasileira e Ética e Cidadania traz nelas, simultaneamente, a continuidade e a ruptura com EPB e EMC e, em segundo lugar, que tanto a idéia de continuísmo como a de ruptura com os ideais das extintas disciplinas não poderão ser encontradas na simples nomenclatura do novo título, mas em decisões ético-políticas que antecedem a decisão de mudar o título e que acompanham a execução da disciplina.
Inicialmente, sabemos que há argumentos para as duas possibilidades. Quanto ao continuísmo, há, sem dúvida, uma expectativa de que Cultura, Sociedade Brasileira e Ética e Cidadania tenham os mesmos efeitos que OSPB e EMC, quer dizer, desmobilizar politicamente os que se ocupam dos assuntos (instituições, docentes e alunos), por meio de longas e complicadas discussões éticas (veremos mais à frente que o mais apropriado seria dizer discussões moralizantes). Quanto ao argumento da ruptura, é preciso render tributo às lutas empreendidas pelos movimentos políticos (de trabalhadores, sem terra, lideranças intelectuais e políticas, artistas, para citar alguns), pois as disciplinas Cultura, Sociedade Brasileira e Ética e Cidadania trazem as marcas de significativas conquistas ético-políticas e educacionais. Neste caso, a memória da pressão que essas manifestações e práticas exerceram e continuam a exercer sobre os poderes e as ideologias estabelecidos serviria para mostrar a ilusão daqueles que pensam que EC resulta de uma concessão espontânea ou é fruto de progressivas políticas educacionais dos “dominantes”.
Qualquer que seja a idéia – de continuísmo ou de ruptura –, a passagem das antigas OSPB/EMC às atuais Cultura, Sociedade Brasileira e Ética e Cidadania não são paralelas à passagem do regime ditatorial à chamada democracia atual no Brasil. Nada é cristalino aqui, visto que as disciplinas Cultura, Sociedade Brasileira e Ética e Cidadania assumiram várias “figuras”, podendo ser caracterizada de várias maneiras, pelo menos: (a) marca renovada e continuada de um projeto político-educacional antigo (b) emblema de uma luta e de uma conquista contra o continuísmo de projetos opressivos e ditatoriais da sociedade brasileira; (c) signo de uma “moral bem comportada” própria à economia e à política neoliberais; (d) símbolo de uma “modernização” das instituições educacionais que encontram na tecnologia, de um lado, e na ética, de outro, grandes trunfos de suas estratégias mercadológicas.
Sentiu-se, então, o desejo de explicitar, de maneira mais rigo­rosa e sistemática, a defasagem entre estes dois níveis: o imaginário (descrito pelos textos) e o real (vivido pelos acadêmicos).
O problema, portanto, desta pesquisa será tentar demonstrar, em primeiro lugar, que, na sociedade dividida, fundamentalmente, em duas classes sociais (a classe dominante - a que detém o poder econômico e político, e a classe dominada - a que é explorada), não há, absolutamente, preocupação com a grande maioria da popu­lação. Isso se reflete na estrutura educacional dessa mesma sociedade, que jamais adotará o Homem como seu objetivo central, no sentido de ajudá-lo a identificar as contradições sôcio-econômicas da formação social em que vive e a encontrar possibilidades de superação dessas contradições. O objetivo central da formação social capitalista será sempre, essencialmente, o lucro.
Em segundo lugar, pretende-se pôr em evidência a utilização da educação como instrumento mediante o qual se transmite a ideologia da classe dominante, que é introjetada inconscientemente pela classe dominada. As mensagens ideológicas, veiculadas por diferentes meios, entre os quais se destacam os livros didáticos, atividades acadêmicas transmitem valores que não correspondem às necessidades e aos interesses da classe traba­lhadora.
Neste trabalho tentaremos responder os seguintes questionamentos:
Como definir a disciplina: Cultura e Sociedade Brasileira para alguém que não sabe o que ela é ? Quais os principais aspectos da Cultura e Sociedade Brasileira a serem compreendidos? Quais são as vangens e desvantagens de estudar a realidade brasileira? O estudo da Cultura e Sociedade Brasileira necessário para vida acadêmica e profissional? Por quê?É fácil deixar de perceber toda a importância da cultura quando tentamos memorizar diversos aspectos secundários.
A verdadeira importância da cultura é que os seres humanos adquirem suas crenças por meio da interação. Nossas verdades, prin­cípios morais, valores e objetivos são, em grande medida, socialmen­te criados. Este é um insight importante, e de difícil compreensão. A razão disso é que toda organização social procura dar a entender que sua cultura é correta, que de fato é a única maneira como "gente de bem" deve pensar ou atuar. Os cientistas sociais geralmente denomi­nam essa tendência etnocentrismo, a idéia de que sua própria cultura (etno) é central (centrismo) para o universo e que todas as outras culturas devem ser julgadas dessa perspectiva, sendo muitas vezes consideradas inferiores.
Na verdade, assim que avaliamos o significado de cultura, torna-se difícil ser etnocêntrico, considerar nossas verdades em termos ab­solutos. Algumas delas podem de fato ser verdades absolutas, nossos valores e princípios morais podem ser absolutamente corretos, mas nunca podemos ter certeza disso. Tudo o que podemos saber com certeza é que, em grande medida, o que sabemos e acreditamos a respeito do universo foi resultado da interação. E cultural.
A realidade pode existir "lá fora", independentemente do modo como a vemos. Contudo, o modo como a vemos, o que pensamos sobre ela, o que valorizamos nela ou o que consideramos correto, originou-se do que Peter Berger e Thomas Luckmann (1966) denomi­naram "a construção social da realidade". E por meio de nossa vida social que passamos saber o que existe, que aprendemos o que é real, que nome dar a isso e como usá-lo. Entre a "realidade como ela é" e a "realidade como eu a vejo" existe uma organização social e sua cultura, as lentes sociais por meio das quais você olha.
Neste trabalho salientaremos que todas as organizações sociais de­senvolvem o padrão social que aqui denominamos cultura. A cultura é uma visão em comum da realidade, uma perspectiva partilhada, uma concordância geral quanto ao que é verdadeiro, correto e váli­do. A cultura, assim como a estrutura social, origina-se da interação, influencia o ator individual e ajuda a garantir a organização social.
A cultura é fundamental para o individuo e para a organização social. Primeiro, ela influencia o que fazemos. Adoramos Deus, vá­rios deuses ou deus nenhum em razão de nossas verdades, normas e valores em comum: nossa cultura. Os brasileiros podem ser materia­listas, mas isso não é inerente a sua natureza. Origina-se da cultura, que dá muito valor a bens materiais e nos leva a tomar decisões materialistas. Casamos, temos filhos, arranjamos emprego, compra­mos uma casa nova porque isso é o que nossa cultura nos leva a fazer. E se decidimos não casar, não ter filhos, não arranjar um em­prego permanente ou não comprar uma casa nova, isso também pode ser associado à cultura: a uma cultura que mudou nos últimos anos induzindo muito mais pessoas dentre nós a tomar tais decisões. Somos influenciados não apenas pela cultura nacional, mas também pelas culturas de nossa comunidade, organizações formais, grupos e díades.
Em segundo lugar, a cultura é importante para a organização social. Ela é um dos dois padrões de toda organização social (o outro é a estrutura). Permite que as pessoas em interação se entendam e compartilhem uma concepção de como é o mundo e como elas de­vem trabalhar juntas nele. Sabemos o que esperar uns dos outros graças à cultura em comum; nós nos acostumamos às ações e modos de pensar uns dos outros. Em conseqúência, somos capazes de coo­perar, de resolver problemas juntos, de encontrar soluções.
A maioria das pessoas não avalia o poder da cultura. Isso aconte­ce porque o mundo em que nos encontramos parece natural, apropria­do, certo, normal. Passa a ser um mundo que aceitamos sem questio­nar. As verdades de nossa cultura tornam-se nossas verdades. Fica difí­cil entender por que outras podem ser tão diferentes, lazer coisas que são estranhas, não querer as mesmas coisas que nós ou "pensar de um jeito esquisito". De fato, é fácil entender por que as organizações bene­ficiam-se ensinando que sua cultura é correta e que outros modos de fazer as coisas são errados, tolos, antinaturais ou pecaminosos.










PRIMEIRA CONVERSA __________________________________________________



E


STUDO PRELIMINAR






ORIGEM E JUSTIFICATIVA DO TRABALHO
FORMULAÇÃO DA HIPÓTESE
DELIMITAÇÃO DA PESQUISA
PROCEDIMENTOS
REFERENCIAL TEÓRICO
DISCRIMINAÇÃO DA SOCIEDADE CAPITALISTA
OS APARELHOS DO ESTADO
A IDEOLOGIA EM GERAL
A IDEOLOGIA DA CLASSE DOMINANTE
OS APARELHOS IDEOLÓGICOS
ESTRURA DA PESQUISA



















ESTUDO PRELIMINAR




ORIGEM E JUSTIFICATIVA DA PESQUISA


Esta pesquisa originou-se de observações assistemáticas de textos de leitura em alguns livros de educação moral e cívica, organização social e política brasileira e estudos de problemas brasileiros indicados pelo Ministério da Educação para serem adotados no ensino brasileiro no período de ditadura militar.
Essas observações assistemáticas suscitaram a constatação de que o conteúdo descrito em tais textos não correspondia ao real propósito dos direitos humanos.
Sentiu-se, então, o desejo de explicitar, de maneira mais rigo­rosa e sistemática, a defasagem entre estes dois níveis: o imaginário (descrito pelos textos) e o real (vivido pelas crianças, adolescentes e jovens).
O problema, portanto, desta pesquisa será tentar demonstrar, em primeiro lugar, que, na sociedade dividida, fundamentalmente, em duas classes sociais (a classe dominante - a que detém o poder econômico e político, e a classe dominada - a que é explorada), não há, absolutamente, preocupação com a grande maioria da popu­lação. Isso se reflete na estrutura educacional dessa mesma sociedade, que jamais adotará o Homem como seu objetivo central, no sentido de ajudá-lo a identificar as contradições sócio-econômicas da formação social em que vive e a encontrar possibilidades de superação dessas contradições. O objetivo central da formação social capitalista será sempre, essencialmente, o lucro.
Em segundo lugar, pretende-se pôr em evidência a utilização da educação como instrumento mediante o qual se transmite a ideologia da classe dominante, que é introjetada inconscientemente pela classe dominada. As mensagens ideológicas, veiculadas por diferentes meios, entre os quais se destacam os livros didáticos na área, transmitem valores que não correspondem às necessidades e aos interesses da classe traba­lhadora.
Escolheu-se como objetivo específico desta pesquisa a ideologia da classe dominante subjacente aos textos de leitura das quatro pri­meiras séries do primeiro grau. Tais textos, aparentemente neutros, estio totalmente impregnados de conteúdos ideológicos nos seus mí­nimos detalhes. No início desta pesquisa, tinha-se a mera percepção de que os textos de leitura continham algumas frase: isoladas com conteúdo ideológico mais carregado. No decorrer das análises é que se revelou a riqueza de detalhes de que são portadores os textos de lei­tura, como meios de transmissão e inculcação da ideologia domi­nante.
O problema da transmissão da ideologia dominante, por meio dos textos de leitura das quatro primeiras séries do primeiro grau, é grave e importante, levando-se em consideração a postura acrítico dos receptores dessas mensagens ideológicas que se encontram na faixa de 7-23 anos de idade, aproximadamente. Essa faixa etária torna-se particularmente relevante pelo fato de constituir um período de in­tenso
desenvolvimento psicológico (nos aspectos cognitivo e afetivo, bem como nas dimensões individual e social, isto é, interindividual).[1]
O embasamento psicológico desta afirmação consiste no fato de a educação, ao transmitir conteúdos ideológicos por meio dos textos de leitura, moldar a personalidade das crianças a partir dessa deter-minada postura ideológica dominante. Isto é possível, porque a perso­nalidade se desenvolve por sucessão e articulação de uma série de estruturas que se armam a partir da interação e comunicação entre o eu (conjunto de funções e potencialidades psíquicas) e o mundo (con­junto de pessoas e objetos) que o rodeia.[2] Como afirma Piaget: "A inteligência não principia, pois, pelo conhecimento do eu, nem pelo das coisas como tais, mas pelo da sua interação; e é orientando-se simultaneamente para os dois pólos dessa interação que a inteligência organiza o mundo, organizando-se a si mesma".[3] A personalidade, portanto, desenvolve-se pela interação entre o eu e as coisas, mediante dois procedimentos:
a) A assimilação, processo de incorporação da realidade, obje­tiva às estruturas mentais já vigentes; em outras palavras, visa"... incorporar as coisas e as pessoas à atividade própria do sujeito, isto é, “assimilar” o mundo exterior às estruturas já construídas".[4]
b) A acomodação, processo de modificação do comportamento provocado por novas experiências, isto é, um processo que visa "...reajustar estas últimas (as estruturas já construídas) em função das transformações ocorridas, ou seja, 'acomodá-las' aos objetos ex­ternos".[5]
Em outras palavras, à medida que o eu vai assimilando os objetos, processa-se a acomodação, isto é,o reajustamento das estru­turas mentais já existentes a cada variação exterior.
Pelo processo de interação entre o eu e o mundo, este último integrará a estruturação da personalidade: "...esse mundo (...) não se acha somente diante do eu, mas constitui o próprio conteúdo da vida psíquica personalizada".[6]
A ideologia dominante (como a maneira de conceber o mundo) não opera apenas enquanto maneira de as pessoas representarem o mundo, mas constitui elemento intrínseco às estruturas da persona­lidade das crianças, ao mesmo tempo que atua como elemento estruturador dessa personalidade, pelos processos de assimilação e acomo­dação. As crianças, os adolescentes e os jovens submetidas à maciça inculcação dessa ideologia, não iria apenas aprendê-la, mas teria toda a sua estrutura de pensa­mento impregnada por ela. E tudo isso se passa numa idade em que as crianças não possuem ainda discernimento para poderem adotar, ou não, qualquer ideologia, segundo suas opções pessoais, tendo assim seus valores, seus conceitos e sua visão de mundo determinados totalmente pela que domina.
Espera-se que esta pesquisa possa auxiliar os professores das disciplinas Cultura e Sociedade Brasileira e Educação Para cidadania numa análise crítica dos textos de leitura, instrumentos de trabalho básicos das suas aulas, na área de Estudos Sociais.[7]


FORMULAÇÃO DA HIPOTESE

Os textos de leitura dos livros Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política Brasileira e Estudos de Problemas brasileiros dos 1º,2º e 3º graus transmitem uma ideologia, formulada e im­posta pela classe dominante à classe dominada, como sendo a única e verdadeira visão do mundo.
O objetivo dessa ideologia subjacente aos textos de leitura seria a manutenção do éthos capitalista, que, por sua vez, justificaria as relações de produção da sociedade vigente, favorecendo a classe dominante e prejudicando a classe dominada.


DELIMITAÇÃO DA PESQUISA


Pretende-se, nesta pesquisa, analisar os textos de leitura con­tidos nos livros Educação e Moral e Cívica, OSPB e EPB adotados durante o regime militar de 1964 à 1985.
Foram delimitados textos da área de Educação Moral e Cívica excluindo-se as outras disciplinas desta e das demais áreas, porque esses são os mais significativos para o objetivo desta pesquisa, por serem, aparentemente, mais comprometidos com a ideologia da classe dominante como área de Estudos Sociais,por exemplo. Exige-se, portanto, um esforço maior, para explicitar-se a ideologia dominante neles subjacente. Este tipo de análise, porém, poderia ser aplicado a qualquer texto didático do período. Delimitaram-se aos três graus:
a) pelo seu destaque como nível de ensino oficialmente obri­gatório a todos;
b) pelo fato de a maioria das crianças, adolescentes e jovens terem, nesse nível de ensino , a primeira experiência escolar sistematizada, o que confere um significado muito importante a esse processo de trans­missão ideológica;
c) pela função essencial que tem o nível de ensino, no entendimento do papel do aparelho escolar como um todo em relação à sociedade global. O nível de ensino, apesar da imagem de escolarização obrigatória igual para todos, é onde, principalmente, se opera a dis­criminação entre os alunos, de modo irreversível, assegurando a distribuição dos indivíduos pelos dois pólos da sociedade capitalista;[8]
d) porque esse nível de ensino assegura, também, a função política e ideológica de inculcação da ideologia burguesa dominante;
e) pelo fato de o nível de escolarização abranger crian­cãs, adolescente e jovens cuja faixa etária é de 7 a 22 anos, aproximadamente, e possuir, portanto, clientela significativa de receptores acríticos das mensagens ideológicas transmitidas pelos textos de leitura.[9] Clientela essa que passa por intenso período de desenvolvimento psicológico, onde a ideologia constituirá elemento intrínseco às estruturas de sua perso­nalidade e estruturador da mesma pelos processos de assimilação e acomodação.


PROCEDIMENTOS

Para realizar o presente estudo, procedeu-se da seguinte ma­neira: a) determinou-se fazer a pesquisa das principais leis, decretos, atos institucionais que criaram a Educação e Moral e Cívica e a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira de 1996.b)[10] procurou-se os documentos oficiais do Ministério da Educação e Cultura, que contivesse t as escolas da informações sobre o assunto.c)[11] no intuito de levantar os títulos, autores e casas editoras dos livros didáticos adotados nas referidas escolas, elaborou-se uma ficha mimeografada, d)As casas editoras de tais livros se concentraram em São Paulo e Rio de Janeiro.[12]



REFERENCIAL TEÓRICO


Se a ideologia dominante tem a função de mistificar os objetivos reais de exploração e discriminação sociais, a fim de manter o ethos capitalista, que favorece a classe dominante, esta pesquisa tem o objetivo, inverso, de desmascarar os objetivos formais, apontando para os objetivos reais das mensagens ideológicas transmitidas às crianças, adolescentes e jovens por meio dos textos de leitura.
Esse processo de desmascaramento, evidentemente, se apóia e se justifica por um esquema teórico determinado, utilizado aqui para descrever, em linhas gerais, a sociedade capitalista, suas caracterís­ticas, seus mecanismos, seus objetivos e seus aparelhos fundamentais.
Esse esquema teórico foi utilizado como instrumento orientador para a leitura e interpretação dos textos de Educação Moral e Cívica, OSPB e EPB examinados. Este trabalho, portanto, não teve como objetivo o estudo de uma teoria da sociedade capitalista, mas, sim, a aplicação de uma determinada teoria a um aspecto dessa sociedade, isto é, a função dos textos de leitura das disciplinas dentro do obje­tivo geral e implícito do aparelho escolar, que é o de veicular a ideologia dominante. Assim mesmo, acreditou-se que seria necessário expor esse esquema teórico que serviu de instrumento interpretativo 'neste trabalho, a fim de que o leitor pudesse ter explícito, pelo menos nas suas linhas gerais, esse referencial.
A escolha do referencial teórico, evidentemente, não foi arbi­trária. Elaborado por vários cientistas sociais, ele se apresentou como o caminho mais fecundo para que o objetivo desta pesquisa fosse alcançado. Ainda, a Autor deste trabalho pode constatar, ao longo de todo o estudo, um processo dialético entre a utilização assistemá­tica do esquema teórico e a utilização mais rigorosa do mesmo. À me­dida que ia coletando observações assistemáticas sobre os textos de leitura, o esquema teórico ia se delineando cada vez mais nitidamente e se transformando no fio condutor que dirigiu uma análise ainda mais rigorosa e profunda sobre os referidos textos.



Descrição da Sociedade capitalista


A sociedade capitalista, em geral, é constituída de dois níveis:
1) o nível da infra-estrutura, que é a base econômica, onde se desenvolve o modo de produção dessa sociedade, com a inter-relação das forças produtivas (relação do homem com a natureza, promo­vendo a produção) e as relações sociais de produção (relações dos homens entre si, no processo produtivo);[13] 2) o nível da superestrutura, que é constituído pelas formas jurídico-políticas (organizações e instituições sociais) e ideológicas (ideologias religiosa, moral, jurídica, política etc.) e que são determinadas pela base econômica.[14]
A relação que existe entre a infra-estrutura e as formas superestruturais é, em última instancia, a de determinação da superestru­tura pela base econômica, bem como a de a superestrutura atuar sobre a base econômica - embora com autonomia relativa - produ­zindo condições necessárias para a reprodução do modo de produção de tal sociedade. [15]
A estrutura de classes da sociedade capitalista é o resultado dessas relações dos homens com a natureza e entre si, no processo de produção social. Nos termos de Agustin Cueva: "... as classes são efeitos da matriz econômica de certos modos de produção sobre os agentes sociais, constituindo-se precisamente em classes”.[16]
Nas relações de produção de uma sociedade de classes, as classes sociais são antagônicas, pois se op5em a partir do papel que desempenham no processo produtivo, gerando, conseqüentemente, relação de exploração e dominação. Aproveitando um texto de Lenin citado por Cueva: "As classes são grandes grupos de homens que se diferenciam entre si pela posição que ocupam em um sistema de produção historicamente determinado; pela relação em que se en­contram frente aos meios de produção (relações que as leis fixam e consagram); pelo papel que desempenham na organização social do trabalho e, por conseguinte, pelo modo e proporção em que recebem a parte da riqueza social de que dispõem. As classes sociais são grupos humanos, um dos quais pode apropriar-se do trabalho do outro por ocupar posição diferentes em um regime determinado de economia social". [17]
As classes sociais, numa formação capitalista, por isso, estio sempre em relação antagônica, a partir da exploração que uma das classes - a dominante - estabelece ao apropriar-se do trabalho da outra - a dominada e explorada.
Em suma, são duas as classes sociais fundamentais, a nível do modo de produção capitalista, as quais se opõem nesse processo de produção: a classe dominante - a burguesia não-trabalhadora, pro­prietária dos meios de produção, do excedente de trabalho - e a classe dominada - o proletariado, trabalhador, produtor, que man­tém uma relação direta com os meios de produção: "...o número das classes (...) é fundamentalmente dois para cada modo de produção no qual existe um mecanismo de exploração que, no plano das relação sociais de produção, organiza necessariamente oposições bipolares: amos-escravos;senhores-servos; burguesia-proletariado".[18]

Toda formação social, para sobreviver, precisa não só produzir como também reproduzir as condições de produção (reprodução dos meios de produção e da força de trabalho), para poder produzir e sobreviver: "A condição última da produção é, portanto, a repro­dução das condições da produção".[19]
O objetivo último da classe dominante, numa sociedade capi­talista, é, pois, a reprodução das relações de produção. o que significa reproduzir também "o mascaramento da exploração e dominação geradas pelas relações de produção, já que esse mascaramento é indispensável para prosseguir com certo tipo de produção. O mecanismo de mascaramento é acionado pela ideologia dessa “classe domi­nante[20]".
A reprodução das relações de produção implica, portanto, "uma reprodução da submissão desta (da força de trabalho) à ideo­logia dominante, para os operários, e uma reprodução da capacidade para manejar bem a ideologia dominante, para os agentes da explo­ração e da repressão, a fim de que possam assegurar também, 'pela palavra', a dominação da classe dominante"[21].



Os aparelhos do Estado


Para garantir a reprodução das relações de produção, o que fica garantir a existência das classes sociais com sua respectiva relação de dominação e subordinação econômica, política e ideoló­gica, a classe dominante utiliza-se do Estado, que nada mais é que um instrumento de repressão assegurador do seu domínio.
A função do Estado é a de manter a coesão de estrutura de uma formação social. Diz Poulantzas: "A prática política tem como resul­tado a manutenção da unidade de uma formação (...), isto é, a sua não-transformação visto que, (...)este equilíbrio (...) antes é mantido pelo Estado (neste caso, a prática política tem como objetivo o Estado enquanto fator de manutenção da coesão desta unidade)".[22]
O Estado nada mais é que o conjunto dos aparelhos de Estado. Ele tem como função permitir às classes dominantes assegurar a exploração da classe trabalhadora, que consiste da apropriação da mais-valia no sentido de acumulação privada de capital e do impedi­mento da oposição a essa exploração.
São dois os tipos de aparelhos que compõem o Estado:
1) o Aparelho Repressivo de Estado, que objetiva garantir a exploração pela violência, física ou "administrativa", do governo, das prisões, dos tribunais, do exército, da policia;
2) os Aparelhos Ideológicos de Estado, que objetivam a incul­cação da ideologia dominante pela família, pela escola, pelos sindi­catos, pelos partidos, pelos meios de comunicação cultural e outros.
Os dois tipos de aparelhos atuam de forma articulada: os apa­relhos repressivos - como a censura policial - auxiliam o funciona­mento dos aparelhos ideológicos - como os meios de comunicação cultural -, enquanto estes auxiliam àqueles, apresentando-os como legítimos.
O objetivo das lutas de classe é obter o poder de Estado, a fim de que a classe "vitoriosa", isto é, dominante numa determinada for­mação social, utilize o Estado, juntamente com todos os seus apa­relhos, para a imposição, defesa e reprodução das condições que ga­rantem os seus interesses de classe: "O papel desse ou daquele apa­relho ou ramo de Estado (escola, exército, partidos etc.) na coesão da formação social, da representação dos interesses de classe e da repro­dução das relações sociais não se prende à sua natureza intrínseca, mas depende do poder de Estado". [23]
Dentro do objetivo especifico deste trabalho, é necessário rea­lizar investigação mais detalhada a respeito do conceito de ideologia em geral e da ideologia da classe dominante nesta sociedade capi­talista.


A ideologia em geral


A necessidade de se realizar a abstração do conceito de ideolo­gia em geral surge, numa primeira instancia, a partir do fato de que se aplica o termo ideologia tanto para a da classe dominante, que orienta uma ação de dominação e exploração, como também para a da classe dominada, que orienta uma ação de libertação. Se é utili­zado o mesmo termo para dois posicionamentos antitéticos, deve haver, portanto, algo comum entre as duas posições, que é preciso explicitar.
O conceito de ideologia em geral é, naturalmente, puramente abstrato, isto é, uma distinção formal.[24] E tal abstração, porém, torna-se indispensável não só para que se possa realizar a abordagem exata sobre o conceito de ideologia da classe dominante do mundo capi­talista, mas, sobretudo, para a avaliação e utilização da ideologia como instrumento de ação libertadora do homem no mundo. Embora o conceito de ideologia em geral seja uma operação formal, sua abor­dagem faz-se necessária, para que não se transforme a ideologia num monopólio da classe dominante. Tal monopólio, teoricamente, se estabelece na medida em que se identifica o conceito de ideologia com a ideologia da classe dominante, afirmando-se que toda ideologia, por sua natureza, é falsa e mistificadora. Esta última posição impossi­bilitaria à classe dominada elaborar sua própria ideologia, desven­dando as contradições objetivas de dominação e exploração e susten­tando uma ação libertadora e revolucionária. E, ainda, a ideologia da classe dominada não conseguiria encontrar, nesse conceito, o seu lugar teoricamente definido.[25]
Pode-se definir, então, a ideologia em geral como um "sistema das idéias, das representações, que domina o espírito de um homem ou de um grupo social"[26].Tal ideologia tem por função sustentar e justificar teoricamente a ação. "Trata-se de princípios e normas que" orientam a ação (...) este segundo tipo de orientação será denomi­nado “ideologia”. (Ideologia é entendida, aqui, (...) como uma leitura que fazemos de uma situação histórica num conjunto de eventos, leitura orientada pelas exigências da ação a ser realizada)".[27]
A ação exige que sempre exista um suporte teórico (=ideologia) que a justifique, e este último não será a explicação mais exaustiva da realidade. Toda ideologia, que sustenta uma ação, tem como característica a parcialidade como uma exigência mesma da ação.
Pode-se afirmar, portanto, que a ideologia em geral jamais é exaustiva, isto é, no sentido de ser sempre parcial, fragmentária e superável: "...por isso a filosofia é sempre necessária e a ideologia será sempre parcial, fragmentária e superável".[28]
Essa afirmação, porém, não significa que a ideologia não possa ser objetiva na explicação que fornece sobre a realidade, porque o conceito de objetividade não decorre de sua exaustividade ou não, mas de seu engajamento com a dialética da realidade, ou seja, na medida em que expressa as contradições desta última. A ideologia, por conseguinte, será objetiva na medida em que acompanhar o movimento dialético da História.[29]
A partir destas afirmações, poder-se-ia dizer que a ideologia em geral é radicalmente ambivalente, isto é, ela poderá estar a serviço da dialética da História - explicitando as contradições - como poderá exercer uma função conservadora - camuflando as contradições objetivas. No primeiro caso, tem-se uma ideologia objetiva; no se­gundo, uma ideologia falsa e mistificadora.
Cabe, ainda, observar que o fato de o conceito de ideologia em geral ser ambivalente não significa que possa existir alguma ideologia neutra, porque toda ideologia, à proporção que é formulada, será sempre existencialmente engajada. A ideologia, enquanto definida como princípios e normas que orientam a ação, tanto poderá orientar uma ação libertadora (dialética e objetiva) da classe dominada, como, ao contrário, poderá orientar uma ação conservadora, de manutenção do status quo (antidialética e não-objetiva). Esta última trará em si, naturalmente, a conotação falsa e mistificadora da ideologia da classe dominante na sociedade capitalista.

IDEOLOGIA

Este é um estudo que deixa muita gente intrigada e confusa. Aliás, não entender o que é ideologia, já é profundamente ideológico.
Mas quem sabe, definindo a, possamos identificá-la melhor, dentro do nosso sistema social.
1) Etimologicamente, ideologia é o puro e simples estudo de idéias.
2) E o conjunto de idéias, valores, maneiras de pensar de pessoas ou grupos.
3) E o conjunto de idéias erradas, falsas, incompletas, distorcidas sobre fatos e realidades (jornal Mundo Jovem, PUCRS, abril, 1982).
Nestas definições sempre encontramos um elemento comum: o estudo das idéias. Isto é o que caracteriza basicamente a ideologia. Sabemos que uma das características fundamentais do indivíduo é a sua maneira de pensar. Nossa tarefa é identificar e justificar quais e quando as idéias estão certas ou erradas. Afinal, existem maneiras diferentes de ver as mesmas coisas e maneiras iguais de ver coisas diferentes. Com quem está a verdade?
Veremos mais adiante que há sistemas mais ou menos humanos e sistemas até profundamente desumanos. Claro que jamais a classe dominante vai reconhecer que o sistema que representa é desumano. Ela se faz valer de todos os aparelhos para mostrar que o sistema é bom. Ou então convence o povo de que as coisas não são melhores por fatalidade do destino. Para isso, manipula os dados, distorce os fatos, desvia a atenção do povo ou então apela para desculpas como secas, enchentes, geadas, petróleo e crise mundial para justificar a incompetência administrativa. E tudo isso é profundamente ideológico. São idéias bem trabalhadas pela classe dominante. São idéias certas? O que você acha? Então, qual a ideologia?
O indicador ou ponto de referência para o estudo de qualquer conjunto de idéias é sempre o bem comum. Na proporção em que nos afastamos dos direitos inalienáveis de todos, as idéias são distorcidas.
Como e por que as pessoas têm idéias erradas? Para responder esta questão, temos que considerar:
1) Quem nos diz e mostra as coisas que sabemos?
2) Como as coisas são ditas e mostradas?
3) Dizem a nós toda verdade, meias verdades ou só um jeito de ver as coisas?
4) Nas informações, notícias ou explicações, não há interesse em esconder alguma coisa, em aumentar ou diminuir partes da realidade? (jornal Mundo Jovem, PUCRS, abril, 1982).
Sabemos que somos largamente influenciados pelo que os outros pensam e dizem. Isto se torna perigoso quando passamos a pensar como os outros e agir como os outros, sem questionar-nos. Com isso, renunciamos a nossa identidade e passamos a viver uma dupla personalidade. Vejamos em alguns exemplos o quanto podemos ser influenciados pelas idéias jogadas sobre nós:
1) "E hora de levar vantagem em tudo, certo?"
2) "Quem trabalha mais e melhor, ganha mais".
3) "Quem estuda, triunfa".
Você já pensou na doutrinação, na catequização e na lavagem cerebral que se processa na criança que a toda hora ouve e vê a televisão repetir: minha filha, "é hora de levar vantagem em tudo, certo?" Esta é uma afirmação altamente ideológica. E o mesmo que dizer à criança: "Previna-se, quando crescer, a lei da vida é esta: dormiu, levou". E uma afirmação que não tem nada a ver com cigarros. Na verdade, é uma propaganda de cigarros.
"Rica é a pessoa que soube poupar". Será que o rico poupa? Quem, então, consome os supérfluos? Será que o rico é rico por que poupou? Todas as pessoas que poupam chegam a ser ricas?
O assalariado, por exemplo, pode apertar o cinto quanto quiser, poupar o quanto quiser e trabalhar 24 horas por dia, que jamais ficará rico. Será que a maioria dos ricos não enriquece com o trabalho dos outros? Segundo o ex-Ministro Murilo Macedo, 70% dos trabalhadores ganham até 2 salários mínimos. Na atual crise, é possível viver dignamente com 2 salários mínimos? Agora, é possível enriquecer com 2 salários mínimos? Será que não é mais lógico afirmar que uma pessoa enriquece com o trabalho dos outros, pelo menos no sistema capitalista? Enquanto isso, nossos trabalhadores, faceiros da vida, recolhem as suas moedas nas caixinhas ou cofrinhos mágicos, iludidos e tapeados pelas idéias falsas (ideologia) da classe dominante: "Quem poupa, enriquece". Assim, "com a poupança dos pequenos, os grandes enriquecem" (jornal Mundo Jovem, PUCRS, abril, 1982). Como se isto não bastasse, o pobre se convence que é pobre porque não trabalhou ou poupou o suficiente na vida.
Você, universitário, que já é bastante vivido, é verdade que: "quem estuda, triunfa" e "quem trabalha mais e melhor, ganha mais?"
Um outro fato para identificar bem a ideologia da nossa sociedade é procurar assistir às notícias em canais diferentes de televisão, ou, então, comparar as manchetes de jornais diferentes. Por que as informações são tão diferentes? Cada veículo defende uma ideologia. E preciso descobrir qual. Fazendo isso, descobriremos não apenas qual a ideologia mas também a quem ela serve. Assistindo a um programa de televisão, bebendo mais um refrigerante, lendo um jornal ou uma revista, correndo e trabalhando feito loucos, ou vivendo escorado nos outros ou não fazendo absolutamente nada... nós estamos assistindo, bebendo, lendo e assimilando uma ideologia que vem de fora, que vem de cima. São as meias verdades que quebram e estrangulam a nossa integridade.

Na conversa sobre "uma proposta humanizadora da disciplina cultura", falaremos da necessidade de "ensimesmar-se" (interiorizar-se). Para identificar melhor os aspectos ideológicos, acrescentamos que nesta interiorização é preciso perguntar-se: "Quem fez e faz a minha cabeça?" Ou: "Minhas idéias estão a serviço de quem?"
Assim como a fome, a marginalização, a doença, a subnutrição, a falta de moradia, etc., são formas de violação do bem comum, da mesma forma, as meias verdades incutidas no nosso povo são uma maneira de violar a dignidade humana.
Neste sentido, Cristo nos deu o exemplo: "Somente a verdade liberta". E a verdade liberta o indivíduo através da consciência crítica. Abafar a consciência do indivíduo é negar4he a racionalidade, é negar4he o direito de participação, é negar-lhe a condição de ser sujeito da sua história, é negar-lhe o direito de viver. Abafar a consciência é reprimir, dominar, alienar. Combater as falsas ideologias também é uma forma de libertação ou humanização.


A IDEOLOGIADOS MEIOSDE COMUNICAÇÃO SOCIAL

É indiscutível que a ciência e a tecnologia a serviço dos meios de comunicação social tornaram o mundo pequeno, pois, automaticamente, entramos em contato com todo o mundo e nos colocamos a par de tudo que se passa no mundo, como se este fosse uma aldeia e como se as coisas estivessem acontecendo na nossa casa, na nossa rua, na nossa comunidade. Os modernos veículos de comunicação encurtaram distâncias e aproximaram o mundo. Mas será que também aproximaram os homens?
É inegável também o valor cultural social deste crescimento vertiginoso, se verdadeiramente colocado a serviço como fator de personalização.
Os meios de comunicação social se tornaram tão poderosos e infiltrantes que até fazem prevalecer sua opinião e a sua palavra. São a boca que fala por nós e, quem sabe, a cabeça que pensa e decide por nós. E ai está o grande perigo do monopólio da comunicação que dita as normas. altera os hábitos, muda os costumes implanta a moda e estabelece o que é certo ou errado.
"A gente acha que eles querem o nosso bem. Na verdade, eles querem os nossos bens, isto é, eles querem faturar em cima de nós. Aqueles que pensam que os Meios de Comunica o são neutros são muito ingênuos. Principalmente a mentira, ou a”cantada”. Você não vê cinco minutos de cinema ou TV em que não aparece gente fumando, bebendo, etc. Você assiste a um filme e você vê um tipo diferente de casa, um tipo diferente de automóvel, de móveis, de decoração, mil objetos que a sociedade sofisticada criou e precisa de gente que compre, nem que seja para amanhã jogar fora. Isso é o que se chama de 'consumismo'.
E nós caímos na cilada. O pouco dinheiro que uma família ganha é muitas vezes gasto em futilidades e mesquinharias. Coisas que depois uma semana se jogam fora para comprar outras". ( jornal Mundo Jovem, PUCRS )

A televisão é o veículo que ocupa o lugar de honra em muitos lares brasileiros, onde, inclusive, as poltronas da sala já são colocadas em semicírculo para ninguém atrapalhar ninguém, na hora sagrada da novela, etc. Estudos feitos mostram brasileiro, de prato e garfo na mão, até janta na frente da televisão, para não perder tempo. Estes poderiam ser ainda alguns dos poucos momentos em que a família poderia encontrar-se. Em que os pais poderiam falar com os filhos, brincar com eles. Na prática, porém, ou se toca todo mundo para a cama ou então, calados, ficam num canto, para não interromper a cessão solene. Nos intervalos aproveitam para levar o prato à cozinha, dar uma volta ao banheiro, ou xingar uma criança que não portou direito.

Mas as coisas não param aí. Devemos dizer ainda que os meios de comunicação, principalmente a televisão, não são neutros ou inofensivos. Basta perguntarmos: Quem tem os meios de comunicação social na mão? E veremos que a mesma minoria que é dona do capital (fábricas e terras), também é dona deles, ou então, a serviço deles. Por isso, quem tem dinheiro, através da propaganda, paga o programa e exige o retorno, isto é, a divulgação das idéias e dos interesses dele. Vocês já viram, por exemplo, algum programa financiado pelas companhias de cigarros que fizesse campanha contra o cigarro?
O mesmo acontece em relação ao Estado que paga e usa os meios de comunicação para divulgar suas mensagens, mostrando que o sistema é bom, que as coisas devem continuar assim, que a inflação não baixou por causa das chuvas, da seca ou do petróleo, que a lei salarial mudou para beneficiar a nação, etc. Aqui está o fator ideológico dos meios de comunicação social que divulgam os interesses dos grupos econômicos, as idéias do Estado, para o povo não desconfiar das relações de dominação e exploração.
Por exemplo, por que às 19 horas, que é um horário nobre, a televisão apresenta novelas? Por que não se faz um debate amplo, com peritos de todas as áreas, sobre a dívida externa? Será que isto não interessaria ao povo? Será que o povo desligaria a TV? Por que, às 20 horas, também notícias? Para informar e mostrar a verdade aos brasileiros, ou para mostrar a versão (meias verdades) dos grupos dominantes?
Estudos feitos mostraram que a criança brasileira fica 4 horas na escola, em compensação assiste 5 horas de TV, em média, por dia. Quando esta criança brinca? Ou será que a TV é uma brincadeira, um passatempo? Quando esta criança lê, escreve, conversa com os pais?

E assim que o sistema "faz a cabeça das crianças desde cedo" para, quando adultas, serem boazinhas, obedientes, boas trabalhadoras, submissas, sem fazer "desordem", etc. E desta forma que o sistema se mantém e se legitima. E nós fazemos o papel de fantoches (palhaços):

"Se a TV diz “ri “ todos riem, se diz: “chora”, todos choram. Se diz: “canta”, todos cantam. Se diz: “compre, beba, coma, ande...', todos saem obedecendo. Esse é o novo ídolo, o novo deus opressor e escravizador que se instalou em grande parte dos lares. Sem uma constante e contínua vigilância dos pais, professores e líderes comunitários; sem um aprofundamento do espírito crítico sobre o que é apresentado nos meios de comunicação, não será possível manter a liberdade e a justiça nas famílias, nas comunidades, no país" (jornal Mundo Jovem, PUCRS )

A ideologia da classe dominante na sociedade capitalista


Após a exposição realizada anteriormente, procurar-se-á, agora, delinear a natureza e a função política da ideologia da classe domi­nante numa formação capitalista.
A sociedade capitalista, burguesa professa, como principio ex­presso, que os homens são iguais. A práxis sócio-econômica em tal formação, no entanto, discrimina os homens dentro de uma estrutura de classes.
A ideologia da classe dominante é utilizada para mascarar essa incoerência entre os princípios expressos e a práxis sócio-econômica, sustentando e justificando a práxis discriminadora. Neste sentido é que a ideologia adquire a sua conotação negativa de mistificação e falsidade. Poulantzas aponta para a contradição entre um discurso sobre a liberdade, igualdade, etc., da classe burguesa dominante, e sua práxis exploradora, dizendo: "...a forma dominante através da qual a classe burguesa viveu no inicio os seus protestos contra a ordem feudal, (...)e que impregnou o conjunto das formações capitalistas foi o discurso juridico-politico. Uberdade, igualdade, direitos e deveres, reino da lei, e Estado de Direito, Nação, individuos-pessoas, vontade geral, em suma, as palavras-de-ordem sob as quais a exploração bur­guesa de classe entrou e reinou na História".
Em resumo, a classe burguesa dominante expressa os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade universais, quando, na reali­dade, promove uma práxis antilibertadora, antiigualitária e antifra­terna. Para sustentar esse tipo de ação opressora, é preciso elaborar um discurso ideológico que mistifique tal contradição, e que poderia ser resumido da seguinte forma: os indivíduos que compõem a comu­nidade nacional são apresentados como tendo uma "igual e livre"participação na vida social, econômica e política, permanecendo, entretanto, "sob a égide das classes dominantes, que são conside­radas encarnadoras da “vontade popular".[30] Em outras palavras, os objetivos reais da sociedade capitalista devem ser mascarados mediante objetivos formais que estio em harmonia com os princípios de igualdade, fraternidade e liberdade já citados. Utilizam-se, novamente, as afirmações de Poulantzas, "a ideologia tem precisamente por função, ao contrário da ciência, ocultar as contradições reais, reconstituir, num plano imaginário, um discurso relativamente coerente, que serve de horizonte ao “vivido” dos agentes, moldando as suas representações nas relações reais e inserindo-as na unidade ais relações de uma formação".[31]
Há, evidentemente, uma relação fundamental entre a ideologia dominante e a classe política e economicamente hegemônica, nas formações sociais divididas em classes. O sentido dessa relação se encontra no fato de a ideologia ser elaborada como arma estratégica dentro da luta de classe. Poulantzas explica a correspondência que existe entre a ideologia dominante e a classe politicamente domi­nante, nestes termos: "A correspondência entre a ideologia domi­nante e a classe politicamente dominante (...) é devida (...) ao fato de que a constituição do ideológico - desta ou daquela ideologia-enquanto instância regional, tem lugar na unidade da estrutura que tem como efeito, no campo da luta de classe, esta ou aquela domi­nação de classe, a dominação desta ou daquela classe. A ideologia dominante, ao assegurar aqui a inserção prática dos agentes na estru­tura social, visa à manutenção - a coesão - desta estrutura, o que quer dizer, antes de mais, a exploração e a dominação de classe. E precisamente neste sentido que a ideologia é dominada,numa for­mação social, pelo conjunto de representações, valores, não, cren­ças, etc., por meio dos quais se perpetua a dominação de classe; ela é pois dominada por aquilo que se pode, por isso, designar como a ideologia da classe dominante".[32]
A função mistificadora da ideologia dominante, contudo, não se esgota ao justificar os interesses econômicos específicos da classe dominante, mas exerce também a função de silenciar completamente qualquer aceno que possa apontar para a dominação e a exploração de. classe, como Poulantzas o afirma: "...um dos caracteres parti­culares da ideologia burguesa dominante consiste no fato de escon­der, de uma maneira absolutamente especifica, exploração de clas­se, na medida em que qualquer traço da dominação de classe está sistematicamente ausente da sua linguagem própria".[33] Em suma, a ideologia mantém a coesão da estrutura, recompondo, num plano imaginário, a unidade social, que foi desintegrada, no plano objetivo, pelas relações de exploração.
Para alcançar esses objetivos mistificadores, a ideologia, eviden­temente, jamais poderá apresentar-se como tal; logo, deverá apresen­tar-se como ciência, a fim de provocar uma adesão, mais ou menos geral, das classes dominadas. A este respeito, pode-se, ainda, citar Poulantzas: "O que especifica as ideologias em questão, é que elas (...) apresentam-se explicitamente - e são recebidas (pela classe dominada) - como técnicas cientificas".[34]


O aparelho ideológico escolar

A classe social dominante, para garantir sua hegemonia na sociedade capitalista, utiliza-se dos aparelhos ideológicos do Estado, sendo que o escolar assume a posição preponderante no conjunto clas­ses aparelhos ideológicos, devido à sua eficácia na inculcação da ideo­logia dominante. O aparelho escolar, ao desempenhar sua função de inculcação da ideologia dominante, submete a clientela tanto da classe dominante como, também, e principalmente, da classe domi­nada, a uma visão de mundo em que a estruturação da sociedade em classes e a exploração de uma pela outra tornam-se naturais. Como diz Althusser: "...a Escola (mas também outras instituições do Es­tado, como a Igreja e outros aparelhos, como o Exército) ensinam “saberes práticos”, mas em moldes que asseguram a sujeição à ideo­logia dominante (...). Todos os agentes da produção, da exploração e da repressão devem estar (...) “penetrados” dessa ideologia, para desempenharem 'conscienciosamente' a sua tarefa - quer de explo­rados (os proletários), quer de exploradores (os capitalistas) (...). A reprodução da força de trabalho tem pois como condição sine qua non não só a reprodução da “qualificação”dessa força de trabalho, mas também a reprodução da sua sujeição à ideologia dominante".[35]
Como se afirmou anteriormente, a ideologia não pode apresen­tar-se como tal, e assume, portanto, a imagem de ciência neutra. A Escola, também, conseqüentemente, pretende representar o papel de instituição com objetivos culturais neutros, "...um meio neutro, desprovido de ideologia(...), em que os mestres, respeitosos da cons­ciências e da 'liberdade' das crianças que lhes são confiadas (com toda confiança) pelos ”pais" (os quais são igualmente livres, isto é, proprie­tários dos filhos) os fazem aceder à liberdade, à moralidade e à responsabilidade de adultos pelo seu próprio exemplo, pelos conhe­cimentos, pela literatura e pelas suas virtudes 'libertadoras".[36]
O aparelho escolar, ao cumprir sua função de instrumento de inculcação da ideologia da classe dominante à classe dominada, sendo a primeira objetivamente antitética à segunda, comete necessariamente um ato de violência, mesmo que simbólica, a fim de que esse ato de inculcação se realize. A violência simbólica reside no fato de se veicular, por meio do aparelho escolar e, principalmente, na rede de ensino de primeiro grau oficial, onde a maioria da clientela pertence à classe proletária, uma visão de mundo da classe dominante, como sendo a única verdadeira. Sugerindo, ainda, que outras visões de mundo são inferiores, anticulturais.
Mediante a imposição da visão de mundo da classe dominante à classe dominada, impede-se que esta última tenha a possibilidade de elaborar sua própria visão de mundo, a partir das suas condições de existência e de seus interesses: construir, enfim, uma ideologia pró­pria, antitética à da classe dominante. Autores como Baudelot e Esta­blet descrevem assim o que se passa na escola: "... isto que se passa na escola (...) tem qualquer coisa a ver com a luta das classes, com a exploração da classe trabalhadora pelos capitalistas, com a luta entre a ideologia burguesa e a ideologia proletária. (...), mas não se saberia reconhecer o lugar da escola na luta das classes sem admitir o essen­cial de que a escola tem nesta luta a missão de impedir: o desenvol­vimento da ideologia do proletariado, a luta revolucionária, (...) e a ditadura do proletariado".[37]
"Não é somente porque ela não permite a todos os filhos dos trabalhadores adquirirem a cultura burguesa e nela se esforça para impedir às crianças dos trabalhadores de adqui­rirem, de organizarem e de formularem a ideologia da qual o prole­tário tem necessidade.”[38]
A ação pedagógica desenvolvida na escola obriga os alunos a interiorizarem ensinamentos e princípios, de maneira continua e metódica, formando neles um habitus que permanece, mesmo quando cessa essa ação pedagógica. Tais ensinamentos e princípios, determinando esse habitus:, geram práticas e atitudes que favorecem o modelo sócio-econômico-politico defendido pela classe dominante.
Tenta-se abordar, por este trabalho, um dos principais ele­mentos da ação pedagógica (os textos didáticos de educação e moral e cívica), responsável pela formação desse habitus.
Dentro do aparelho escolar, a rede de escolarização que mais interessa analisar, segundo o objetivo desta pesquisa, é a do ensino do primeiro grau ao terceiro grau que constituíram área da ação ideológica. É, justamente, por esta área que a classe dominante alcança os seus objetivos, imbuindo de sua ideologia a quase totalidade do povo.


ESTRUTURAÇAO DA PESQUISA

Com o intuito de alcançar o objetivo desta pesquisa, estru­turou-se o trabalho em breves capítulos que, conforme se disse anteriormente, constituem os assuntos mais repisados pelos textos de leitura examinados das disciplinas de Educação Moral e Cívica, OSPB e EPB.
Os temas, que constituem os capítulos deste trabalho, passam a adquirir importância a partir das mensagens ideológicas sugeridas com maior ou menor insistência. Tentou-se, portanto, realizar uma análise dos conteúdos manifestos dos textos de leitura, como também explicitar os conteúdos ideológicos subjacentes aos primeiros. Esses conteúdos ideológicos formam uma boa parte do que se chamaria de "currículo oculto", pelo qual o estudante assimila determinados com­portamentos, valores, modos de conceber a realidade, etc.
Finalizando, observa-se que, para cada texto utilzado, foram feitos pequenos
comentários, que, dentro dos limites desta pesquisa, conseguem apenas apontar para as mensagens ideológicas subjacentes aos textos, não tendo a finalidade de esgotar a riqueza desses mesmos aspectos ideológicos.



BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR CONSULTADA


AGUIAR, Neuma:” Hierarquia em Classes: Uma Introdução ao Estudo da Estrati­ficação Social", em AGUIAR, Neuma (org.): Hierarquias em Classes, (Textos Básicos de Ciências Sociais) Zahar, Rio de Janeiro, 1974, pp. 13-50.
ALTHUSSER, Louis: Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado, (Biblioteca de Ciências Humanas), Presença, Lisboa, 1974, trad. de Joaquim José de Moura Ramos.
BERGER, Manfredo: Educaçdo e Dependência, Dilci, São Paulo, 1977 . cd.
CARDOSO, Mirlam Limoeiro: Ideologia do Desenvolvimento do Brasil: JK/JQ Coleção Estudos Brasileiros), Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1977
CUNHA, Luis Antonio: Educação e Desenvolvimento Social no Brasil, (Série Educação em Questão), Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1975.
_________O Milagre Brasileiro e a Política Educacional", Argumento, nº 2, nov. 1973, pp. 45-54.
_________Política Educacional no Brasil: A profissionalização no Ensino Médio(Coleção Meta), Eldorado Tijuca, Rio de Janeiro, 1973.
ENGELS, Friedrich: A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, (Coleção Síntese), Presença, Lisboa, s/d.
FERNÂNDES, Florestan: A Revolução Burguesa no Brasil: Ensaios de Interpretacão Sociológica, (Biblioteca de Ciências SocIais), Zahar, Rio de Janeiro, 1976 (2ª ed.).
FREIRE, Paulo: Conscientização, Ed. Moraes, São Paulo, 1980.
__________Uma Educação para a Liberdade, (Textos Marginais), José M. C. S.Ribeiro, Porto, 1973 (2ª. ed.), trad. de José Reis.
___________Pedagogia do Oprimido. (Série Ecumenismo e Humanismo), Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1974.
__________Extensão ou Comunicação?, (Série Ciência e Informação), Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1971, trad. de Rosisca Darcy de Oliveira.
__________Educação como Prática da Liberdade, (Série Ecumenismo e Humanismo), Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1974 (4ª ed.).
__________Ação Cultural para a Liberdade, (O Mundo H~e), Paz e Terra, Rio de Ja­neiro, 1976.
FREITAG, Bárbara: Escola, Estado e Sociedade, E4. Moraes, São Paulo, 1980.

FURTER,Pierre: Educação e Reflexão, Vozes, Petrópolis, 1966.
JAGUARIBE, Hélio: Desenvolvimento Econômico e Desenvolvimento Político, (Estudos sobre o Brasil e a América Latina), Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1972 (2a. cd.).
KOSIK, Karel: Dialética do Concreto, (Rumos da Cultura Moderna), Paz e Terra, Rio de Janeiro, .1976 (4a cd.), trad. Célia Neves.
LUKACS, Gyorg e SCIIAFF, Adam: Sobre o Conceito de Consciência de Classe, (Cadernos O Homem e a Sociedade), Escorpião, Porto, 1973.
NUTFIN, Joseph: A Estrutura da Personalidade, Duas Cidades, São Paulo, 1969,
PEREIRA, Luiz: Estudos sobre o Brasil Contemporâneo, (Biblioteca de Ciências Sociais), Pioneira, São Paulo, 1970
PEREIRA, Luiz C. Bresser: Desenvolvimento e Crise no Brasil, Brasiliense, São Paulo, 1977
PIAGET, Jean: Seis Estudos de Psicologia, Forense-Universitária, Rio de Janeiro, 1976
__________A Construção do Real na Criança, Zahar, Rio de Janeiro, 1975 (2ª. cd.), trad. de Álvaro Cabral.
POULANTZAS, Nicos: Poder Político e Classes Sociais, (2 vols.), Portucalense, Porto, 1971, trad. de Francisco Silva.
__________As Classes Sociais no Capitalismo de Hoje, (Biblioteca de Ciências Sociais), Zahar, Rio do Janeiro, 1975, trad. de Antonio R. N. Blundi.
RADICE, Lúcio Lombardi: Educação e Revolução, (Série Rumos da Cultura Moderna), Paz e Terra, Rio do Janeiro, 1968, trad. de Leandro Konder.
RIBEIRO, Darcy: Configurações Sociais dos Povos Americanos, Civilização Brasileira,Rio de Janeiro, 1975.
_________As Américas e a Civilização, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1970.
_________Teoria do Brasil, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1975.
_________O Processo Civilizatório, Civilização Brasileira, Rio dc Janeiro, 1975.
SAVIANI, Demerval: Educação Brasileira: Estrutura e Sistema, Saraiva, São Paulo, 1975(2ª ed.).
SCHWEBEL, Milton: Educação para Quem?, Cultrix, São Paulo, 1972,










SEGUNDA CONVERSA____________________________________________

C

ONTEXTO HISTÓRICO- A EDUCAÇÃO DURANTE A DITADURA MILITAR:
política educacional e educação política em anos de autoritarismo Brasil
Educação” pela Repressão: a política educacional de 1964 a 1975
Educação: o grande negócio
A fonte dos recursos: os acordos MEC-USAID
O sentido da reforma
A Exclusão pela Base: Lei 5.692/71
Uma tentativa fracassada: o ensino profissionalizante
O Ensino Supletivo
A institucionalização do MOBRAL: “pra inglês ver”
Reflexos do modelo nos debates atuais
A Educação Moral, Cívica e Física
A Lei de Reforma do Ensino Superior: Lei 5.540/68
Breve histórico da disciplina Sociologia no Brasil











A EDUCAÇÃO DURANTE A DITADURA MILITAR:
política educacional e educação política
em anos de autoritarismo no Brasil




1) “Educação” pela Repressão: a política educacional de 1964 a 1975

Atos institucionais, atos complementares contrários à Constituição (mesmo a elaborada pelo próprio regime), decretos, cassações de mandatos de parlamentares, desaparecimento de intelectuais e artistas, demissão de reitores, proibição de programas educacionais, contenção, suspensão ou intervenção em sistemas educativos (o PNA - Programa Nacional de Alfabetização, dirigido por Paulo Freire - , o MEB - Movimento de Educação de Base, desenvolvido pela Igreja Católica -, a Campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler, entre outros): a repressão do Governo Militar atingiu “a tudo e a todos considerados de práticas ou mesmo idéias subversivas.” (p.36)
Na educação os primeiros reflexos do período após o golpe de 1964 foram observados na proibição de funcionamento da UNE (União Nacional dos Estudantes) e a permissão apenas de funcionamento do DA (Diretório Acadêmico) restrito a cada curso e o DCE (Diretório Central do Estudantes) para cada universidade.
Os dirigentes de entidades educacionais que lutavam pelo ensino público e gratuito foram sendo substituídos pelos que defendiam o subsídio estatal para a escola particular. No Conselho Federal de Educação, permaneceram apenas os que concordavam com a submissão da educação brasileira aos interesses internacionais.
Exemplo mais expressivo da repressão política e ideológica à universidade brasileira, o decreto-lei 477, de 1969, obrigou alunos e professores, além de outras imposições, a não se envolverem em movimentos não autorizados pelo regime, ou seja, qualquer movimento ou manifestação de caráter político.
“Desespero e apatia foram os componentes do efeito da repressão nas escolas e universidades.” (p.40)
Não é o que pensa o ex-senador João Calmon, autor do livro A Educação e o Milagre Brasileiro. Uma verdadeira apologia da “Revolução”, este livro, elaborado no período do governo Médici, pretende reunir informações sobre a Educação no Brasil.

O autor afirma que as realizações governamentais entre 1964 e 1974 (datas da “Revolução” e da publicação da obra, respectivamente) são inegáveis: “Em dez anos de Revolução, o Brasil desenvolveu-se em todos os sentidos” (p. xiii). O autor critica apenas a definição das prioridades: não considera que tenham sido investidos em Educação recursos suficientes. “O dinheiro ainda é escasso para a Educação nos seus três níveis, mas a mobilização do governo e do povo irá obter recursos suficientes nos próximos anos (...) Apesar disso, o progresso foi visível, incontestável e se reflete em numerosas estatísticas” (p. .xiv).
“Entendo que o Brasil ainda não emergiu da etapa do subdesenvolvimento, decorrente em grande parte de sua deplorável situação no setor educacional, por falta de uma firme, inarredável e irreversível decisão de todos nós, povo e governo” (p.6).
Afirma o autor que nenhum dos governos brasileiros se comprometeu com a solução daquele que considera o único problema desse país: a educação. Sem a solução dos problemas educacionais, “será frustrado o nosso desenvolvimento, e democracia e justiça social jamais passarão do terreno dos ideais inatingíveis” (p.7).
“Ao longo destas páginas, destaca-se a filosofia universalmente aceita de que a educação gera o desenvolvimento” (p.162).
“A Revolução de Março de 1964, que está completando dez anos, tem dado a maior ênfase à educação como instrumento inexcedível para que seja alcançada melhor distribuição da renda nacional – uma das suas metas prioritárias” (p.172).
João Calmon afirma que o povo deve se sentir partícipe e responsável e que o governo deve confiar na capacidade empreendedora da iniciativa privada, também no setor educacional.
A solução, para ele, está na “Década da Educação”, plano decenal de sua autoria que pretendia sensibilizar governantes federais, estaduais e municipais e mobilizar voluntários entre os jovens e recursos das classes empresariais para a Educação.
Sem dúvida, esse livro expressa a ideologia que dominou o cenário de discussões em torno da educação em nosso país durante os anos de ditadura. E, ao que parece, João Calmon foi um de seus mais convictos defensores. Para o autor, a educação seria a saída para o desenvolvimento e sua única “crítica” ao regime referia-se ao pouco investimento realizado na área. A visão deste autor é inteiramente contrária ao outro livro analisado a seguir, constituindo, os dois livros, em exemplos claros de dois paradigmas, duas visões contraditórias que têm como fundamento epistemológico: a educação como autônoma em relação ao sistema, podendo, ao contrário, produzir o desenvolvimento, no caso do texto de João Calmon; e a educação como reprodutora do sistema e instrumento de dominação política, no caso do texto de Cunha & Góes.
Entretanto, a visão do ex-senador da república, João Calmon, é extremamente equivocada ante a realidade objetiva. E para compreendermos bem o que ocorreu com a educação durante os anos de autoritarismo político da história recente, devemos analisar o contexto político e socioeconômico internacional no qual está inserido o Brasil, especialmente no período.
Nos primeiros anos da década de 60 as possibilidades de substituição fácil de importações estava esgotado. Os bens de consumo duráveis e não duráveis podiam agora, antes importados, ser encontrados na produção doméstica.
Desse modo, tornou-se necessário reformas estruturais para permitir a inclusão das massas populares ao padrão de consumo. Política que parecia ser a do Estado populista mas, quando a burguesia sentiu que uma aliança com as classes populares poderia ameaçar o seu controle do processo, outro caminho foi encontrado para garantir a sobrevivência do sistema capitalista.
Este caminho foi a criação de uma demanda adicional através da reorganização da estrutura de consumo interno e o aproveitamento das possibilidades do mercado externo. Assim, gerou-se um perfil interno de consumo baseado na extrema concentração de renda e na criação de uma faixa de consumidores de alto poder aquisitivo. Neste período o país decuplicou o valor das exportações.
A aristocratização do consumo e a expansão das exportações passou a ser assegurada pelo capital estrangeiro, representado pelas transnacionais. Empresas que adotam tecnologia excludente (poupadora de mão-de-obra) o que acabou gerando uma crescente concentração de renda e formação de um mercado consumidor altamente elitista.
Foi criado estímulo ao consumo que obedeciam às orientações do mercado internacional, reforçando a tendência para a industrialização em padrões internacionais. Desta forma, a burguesia nacional divorcia-se de seus aliados da véspera e alia-se, como sócio menor ao capital monopolista internacional.
A reorganização da produção industrial com novas técnicas de produção torna-se fundamental. Para aumentar a produtividade era preciso introduzir nova tecnologia desenvolvida nas metrópoles. A produtividade pôde ser alcançada também graças à força de trabalho excedente que permite manter os salários extremamente baixos.
Mas, havia a necessidade de garantir o crescimento do poder de compras dos consumidores. Isso se choca com o congelamento dos salários do trabalhador que torna a produção no país atraente paras as multinacionais, o que assegura uma taxa de lucro maior que em seu país.
Assim, surge a necessidade de uma política salarial e de distribuição de renda e que ao mesmo tempo congele os salários da massa trabalhadora, criando uma classe intermediária de alta renda apta a consumir os produtos produzidos. Também é preciso controlar os movimentos operários que procuram obter uma participação maior do produto, através de maiores salários. Políticas de controle dos sindicatos, por meio de alterações nas legislações, e o recurso a uma estratégia dupla, de manipulação ideológica e repressão violenta – a política do “pão e do porrete” – foram amplamente usadas. O Estado que antes se mostrava como porta-voz das classes subalternas e da classe média se vê forçado a ceder à nova tendência da “internacionalização do mercado interno”. Nestas condições “as forças armadas, como corporação tecnoburocrática, ocupam o Estado para servir a interesses que crêem ser o da nação”.
Essa reestruturação corresponde uma reorganização da própria estrutura de classes. A burguesia nacional se incorpora em uma posição subordinada à burguesia internacional para defender seus interesses de classe. Os intelectuais e tecnocratas são cooptados para garantir a manutenção do novo modelo. As classes subalternas são privadas dos mecanismos democráticos como: voto, greve, movimentos etc.
A política educacional através da “reordenação das formas de controle social e político” passa a ser instrumento para assegurar o controle. A educação fica, desse modo, a serviço dos interesses econômicos.
No início do Governo Castelo Branco, em meados de 64, a política de educação fixada visava restabelecer a ordem e a tranqüilidade entre estudantes, operários e militares. Com a legislação do governo militar, o objetivo era criar um instrumento de controle e de disciplina entre estudantes e operários. É na política educacional que fica claro a posição do Estado como mediador dos interesses da classe hegemônica.
A constituição de 1967 antecipou alguns aspectos que nortearam a lei de reforma, tanto do ensino superior como o de 1º e 2º grau, de 1968 e 1971. Reforça a Constituição em seu Art. 168, parágrafo 2, o que a LDB de 1961 havia estabelecido: fortalecer o ensino particular assegurando-lhe explicitamente “ajuda técnica e financeira do governo, inclusive bolsas de estudo”. Como também o prolongamento da obrigatoriedade do ensino primário de 4 a 8 anos. Este seria gratuito e ministrado integralmente pela rede oficial de ensino.
A rede de ensino particular, extremamente forte até meados de 60 no setor chamado médio (de 1º e 2º ciclos), estaria prejudicada com a penetração do ensino primário gratuito. O ensino particular precisava de novas áreas de atuação. Sendo assim, a rede particular irá se expandir em três áreas de ensino: no ensino propedêutico para as universidades (os famosos cursinhos pré-vestibulares), no ensino supletivo e no ensino superior de graduação e pós-graduação.
A extensão do ensino gratuito para toda a população em idade escolar até a 8ª série é uma meta fixada para 1980 e já sabiam que não podia ser alcançada, pois era preciso criar a base para depois ampliá-la. Na verdade o ensino particular foi fortalecido e tornou-se uma barreira legalizada e sancionada para as classes desfavorecidas.

2) Educação: o grande negócio

O governo golpista de 64 defendia o privatismo na educação. Verbas públicas foram transferidas para escolas particulares, através de bolsas de estudos nos diversos níveis de educação, inclusive a superior e a especial (educação de excepcionais). “Só onde a iniciativa particular não tivesse interesse em abrir escolas é que a escola pública seria bem vinda.”(p.42)
A história do salário-educação é um exemplo característico desse movimento de privatização. “Salário-educação” foi o nome que teve, no Brasil, a forma de contribuição das empresas para com a escolarização de seus empregados e os filhos destes, prática, aliás, utilizada em muitos países. Em 1955, 23 dos 55 países participantes da Conferência Internacional de Instrução Pública, em Genebra, adotavam formas de participação das empresas no financiamento do ensino proporcional ao montante dos investimentos das empresas ou dos salários pagos por elas aos seus empregados” (p.43). O salário-educação surgiu no Brasil na Constituição de 1934, mas foi revogado no Golpe de 1937; a idéia foi retomada na Constituição de 1946, estipulando que as empresas industriais, comerciais e agrícolas, onde trabalhassem mais de 100 pessoas, contribuíssem para manter o ensino primário gratuito de seus empregados e filhos.
A lei 4440, de outubro de 1964 regulamentou esse dispositivo da Constituição. “(...) Se uma dada empresa oferecesse ensino primário aos seus empregados e aos filhos destes, estaria de acordo com a Constituição. Mas, considerando que a maioria esmagadora das empresas não teria condições ou mesmo interesse em montar uma escola para este propósito, a lei estabelecia que as empresas transferissem recursos financeiros para o Estado, que, então, ofereceria o ensino a que elas estavam obrigadas.”(p.44). A mesma lei isentava do salário-educação as empresas que mantivessem convênio com escolas particulares em sistema de bolsa de estudos. Após o golpe, as secretarias e os conselhos estaduais de educação passaram a ser ocupados por pessoas interessadas no privatismo, inclusive donos de escolas particulares; estes aprovavam de modo indiscriminado os convênios das empresas com as escolas particulares: os recursos do salário-educação não financiavam de fato as bolsas de estudo, mas serviam para a acumulação de capital das escolas particulares. Era, então, um subsídio disfarçado à rede privada de ensino.

3) A fonte dos recursos: os acordos MEC-USAID

Pela expressão MEC-USAID ficaram conhecidos diversos acordos sigilosos, que só vieram a se tornar público em novembro de 1966, e que visavam a reforma educacional. São acordos entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID), pelos quais o Brasil passou a receber assistência técnica e cooperação financeira para a implantação de uma reforma no setor da educação. O treinamento de nossos técnicos tinha em vista a adaptação do ensino à concepção taylorista, típica da mentalidade empresarial tecnocrática. Daí o planejamento e organização racional do trabalho pedagógico, a operacionalização dos objetivos, o parcelamento do trabalho com a especialização das funções e a burocratização, sempre visando maior eficiência e produtividade.
A seguir, serão colocados em ordem cronológica os acordos assinados pelo MEC-USAID (aqui não estão listados os acordo com os Estados):

1- 26 de Junho de 1964- Acordo MEC-USAID para Aperfeiçoamento do Ensino Primário. Visava ao contrato, por 2 anos . de 6 assessores americanos;
2- 31 de Março de 1965- Acordo MEC-CONTAP-USAID (CONTAP- Conselho de Cooperação Técnica da Aliança para o Progresso) assinado para melhoria do ensino médio. Envolvia assessoria técnica americana para o planejamento do ensino, e o treinamento de técnicos brasileiros nos Estados Unidos;

3- 29 de Dezembro de 1965- Acordo MEC-USAID assinado para dar continuidade e suplementar com recursos e pessoal o primeiro acordo para o Ensino Primário;

4- 5 de Maio de 1966- Acordo do Ministério da Agricultura- CONTAP-USAID, para treinamento de técnicos rurais;

5- 24 de Junho de 1966- Acordo MEC-CONTAP-USAID de assessoria para a Expansão e Aperfeiçoamento do Quadro de Professores de Ensino Médio no Brasil. Envolvia assessoria americana, treinamento de técnicos brasileiros nos Estados Unidos e proposta de reformulação das Faculdades de Filosofia do Brasil.

6- 30 de Junho de 1966- Acordo MEC-USAID de Assessoria para a Modernização da Administração Universitária. Em vista da reação geral, esse acordo foi revisto 10 meses depois.

7- 30 de Dezembro de 1966- Acordo MEC-INEP-CONTAP-USAID, sob a forma de termo aditivo dos acordos para aperfeiçoamento do Ensino Primário. Nesse acordo aparece, pela primeira vez, entre seus objetivos, o de "elaborar planos específicos para melhor entrosamento da educação primária com a secundária e a superior". Envolve igualmente, assessoria americana e treinamento de brasileiros.

8- 30 de Dezembro de 1966- Acordo MEC-SUDENE-CONTAP-USAID, para criação do Centro de Treinamento Educacional de Pernambuco.

9- 6 de Janeiro de 1967- Acordo MEC-SNEL-USAID de Cooperação para Publicações Técnicas Científicas e Educacionais. Por esse acordo seriam colocados, no prazo de 3 anos, a contar de 1967, 51 milhões de livros nas escolas. Ao MEC e o SNEL incumbiriam apenas responsabilidades de execução, mas, os técnicos da USAID, todo o controle, desde detalhes técnicos de fabricação do livro, até os detalhes de maior importância como: elaboração, ilustração, editoração e distribuição de livros, além da orientação das editoras brasileiras no processo de compra de direitos autorais de editores não-brasileiros (americanos).

10- Acordo MEC-USAID de reformulação do primeiro acordo de assessoria à modernização das universidades, então substituídos por Assessoria do Planejamento de Ensino Superior, vigente até 30 de Junho de 1969. Nesse acordo, a tática da justificativa foi mudada e houve determinação de uma ação mais ativa do MEC nos programas, o que, na realidade, não aconteceu. A estrutura do antigo acordo permanecia no entanto.

11- 27 de Novembro de 1967- Acordo MEC-CONTAP-USAID de Cooperação para a continuidade do primeiro acordo relativo à orientação vocacional e treinamento de técnicos rurais.

12- 17 de Janeiro de 1968- Acordo MEC-USAID para dar continuidade e complementar o primeiro acordo para desenvolvimento do ensino Médio (Planejamento do Ensino Secundário e Serviços Consultivos). Envolvia e ampliava a mesmo cooperação assinalada nos acordos anteriores e reafirmava a necessidade de "melhor coordenação entre os sistemas estaduais de educação elementar e média".



4) O sentido da reforma

Podemos afirmar, em síntese, que a reforma educacional estava embasada em três pilares:

a) Educação e desenvolvimento- visando a formação de profissionais que atendessem às necessidades urgentes do país quanto a mão-de-obra especializada para um mercado em expansão.
b) Educação e segurança- visando a formação do cidadão consciente. Daí a introdução de disciplinas sobre civismo e problemas brasileiros (Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política do Brasil e Estudos de Problemas Brasileiros).
c) Educação e comunidade- visando estabelecer a relação entre escola e comunidade, com a criação de conselhos de empresários e mestres.
O sistema educacional foi marcado por dois momentos nitidamente definidos em sua evolução, a partir de 1964:
1) O primeiro correspondente àquele em que se implantou o regime e se traçou a política da recuperação econômica. Ao lado da contenção e da repressão, que bem caracterizaram essa fase, constatou-se uma aceleração do ritmo do crescimento da demanda social da educação, o que provocou, consequentemente, um agravamento da crise do sistema educacional. Esta crise acabou por servir de justificativa para a assinatura de uma série de convênios entre o MEC e seus órgãos e a Agency for International Development (AID)- para assistência técnica e cooperação financeira dessa Agência à organização do sistema educacional brasileiro. Este é, então, o período das chamados "acordos MEC-USAID".
2) O segundo momento começou com as medidas práticas, a curto prazo, tomadas pela Governo, para enfrentar a crise, momento que se consubstanciou, depois no delineamento da uma política de educação que já não via apenas na urgência de se resolverem problemas imediatos, ditados pela crise, o motivo único para reformar o sistema educacional. Mais do que isso, o regime percebeu, daqui para a frente, entre outros motivos, por influência da assistência técnica dada pela USAID, a necessidade de se adotarem, em definitivo, as medidas para adequar o sistema educacional ao modelo do desenvolvimento econômico que então se intensificava no Brasil, baseado na economia internacionalizada.
Devido a demanda pelo ensino gerada pelo processo de modernização da economia brasileira, vários problemas surgiram , onde a questão dos excedentes (alunos que foram aprovados para universidade mas não puderam ingressar por falta de vagas) foi a mais grava, foi então criado pelo governo a Comissão Meira Matos, que tinha como objetivo encontrar soluções para os problemas educacionais.
Com o agravamento da crise educacional por causa dos protestos, a Comissão Meira Matos acabou tendo outras funções:
a) Atuar como interventora nos focos de agitação estudantil;
b) Estudar a crise em si, para propor medidas de reforma.
Porém a Comissão ao apresentar seu relatório não mostrou nenhuma inovação e só fez reforçar as propostas surgidas como os Acordos MEC-USAID.
A questão é que a intervenção das agências internacionais nos países periféricos tem mais o objetivo de modificar os hábitos de consumo e a ação dos pensamentos desses países para que os mesmos assimilem novas necessidades de consumo, do que propriamente ajudar o desenvolvimento desses países.
A atuação do AID, são caracterizados através de sua estratégia de ação no ensino:
1- Estabelecer uma relação de eficácia entre recursos aplicados e produtividade do sistema escolar;
2- Atuar sobre o processo escolar em nível do microssistema, no sentido de se "melhorarem" conteúdos, métodos e técnicas de ensino;
3- Atuar diretamente sobre as instituições escolares, no sentido de conseguir delas uma "função mais eficaz" para o desenvolvimento;
4- Modernizar os meios de comunicação de massas, com vistas à melhoria da "informação nos domínios da educação extra-escolar";
5- Reforçar o ensino superior, "com vista ao desenvolvimento nacional".
Quanto a relação de treinamento dos docentes e do corpo técnico, o programa de reforma propõe:
1- Inovação, quanto à flexibilidade estrutural e diversificação docente, dentro de um critério de máxima integração e economia;
2- Satisfação, com os produtos da Universidades, das reais necessidades da sociedade;
3- Novas atividades acadêmicas e científicas;
4- Melhora da qualidade e ampliação da quantidade;
5- Criação de cursos básicos de estudos fundamentais gerais;
6- Criação dos Departamentos e eliminação da cátedra;
7- Implantação de tempo integral dos professores;
8- Ampliação e diversificação dos cursos profissionais;
9- Criação de unidades de estudos básicos, chamados Centros Universitários de Estudos Gerais;
10- Criação de um Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, manipulador de mecanismos de controle interno das Universidades e independentes do Poder Executivo, conselho esse que seria "o lugar mais lógico para empreender, no nível mais alto, e a longo prazo, pesquisas metapedagógicas e o planejamento integral do ensino superior, em todo o referente à sua administração, estrutura e seu conteúdo acadêmico-científico".

5) A Exclusão pela Base: Lei 5.692/71

O modelo econômico adotado pelo regime militar acentuava a desigualdade social no Brasil: dados sobre a distribuição de renda demonstravam uma minoria cada vez mais rica sobre a imensa maioria cada vez mais pobre. Os defensores da política econômica da ditadura buscavam a explicação disso no sistema educacional: “as diferenças de escolaridade é que determinavam as diferenças de rendimento entre as pessoas.(...) No período da maior repressão policial de nossa história, a ditadura usou e abusou dos meios de comunicação de massa, principalmente da televisão, para infundir nas massas essa crença no papel milagroso da educação.” (p.56) A educação como uma panacéia era uma idéia conveniente para mascarar a injustiça social promovida por um sistema que tem em sua lógica de funcionamento a pauperização crescente da população.
Foi neste período também que o país saltou de quatro para oito anos de escolaridade obrigatória. “O Brasil deixava assim de ter uma das mais baixas exigências de escolaridade obrigatória, para ter uma das mais altas do mundo” (p. 56). De fato, a LDB do ensino de 1º. e 2º. graus, Lei 5.692 de 11 de agosto de 1971, promoveu diversas mudanças na organização do nosso sistema de ensino. Porém, isso não modificou a realidade. A taxa de escolaridade das crianças brasileiras continuou a cair. A escola continuou a ser um instrumento de exclusão social, apesar de todas as tentativas de mascaramento do quadro, promovidas pelo governo dos militares.
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases de 1961, o ensino profissionalizante estava sendo utilizado pelas classes “menos favorecidas” como um meio de ascensão que permitia adquirir o diploma formal necessário para as inscrições ao vestibular. A conseqüência era a pressão sobre as universidades.
Para solucionar esta crise, uma política que vacilava entre contenção e liberalização das vagas do ensino superior precisava influenciar os níveis anteriores: o ensino de 1º e 2º graus.
A Lei 5.692/71, é uma decorrência necessária da reformulação do ensino superior, a fim de ajustar ideológica, estrutural e funcionalmente os três níveis de ensino. A inovações introduzidas em relação à legislação anterior podem ser resumidas:
1. Extensão definitiva do ensino primário obrigatório de 4 a 8 anos, gratuito em escolas públicas e conseqüente redução do ensino médio de 7 para 3 a 4 anos.
2. Profissionalização do ensino médio garantindo, ao mesmo tempo, continuidade e terminalidade dos estudos.
3. Reestruturação do funcionamento do ensino no modelo da escola integrada, definindo-se um núcleo comum de matérias obrigatórias e uma multiplicidade de matérias optativas de escolha do aluno.
Estas mudanças estão explícitas no artigo primeiro da Lei:
"Art. 1º- O ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de autorealização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania".

6) Uma tentativa fracassada: o ensino profissionalizante

“A política educacional da ditadura teve no ‘ensino profissionalizante’ uma das suas ‘realizações’ mais ambiciosas” (p. 62). O ensino de 1º. grau era concebido como “orientado para o trabalho” e o de 2º. grau como “profissionalizante”. Ensinavam-se artes industriais, artes comerciais, técnicas agrícolas ou educação para o lar. Esse movimento tomou ares de moderno durante o período da ditadura e foi encampado pela política educacional da época. A Lei 5.692/71 generalizou no Brasil o ensino profissionalizante de 2º. grau dentro do mesmo quadro ideológico. “A idéia de acabar com os cursos clássico e científico, que só preparavam para vestibulares, tornando todo o colégio (o 2º. ciclo do 2º. grau) profissionalizante, nasceu da preocupação de conter a procura de vagas nos cursos superiores” (p. 65).
Assim nasceu o modelo da Escola Técnica Federal, o melhor que o regime ofereceu em termos de educação profissionalizante. Eram em pequeno número, apenas algumas dezenas em todo o território nacional, mas tinham um enorme prestígio, pois seus ex-alunos conseguiam bons empregos ou faziam bons cursos superiores. Mas nas escolas de 2º. grau em geral os cursos profissionalizantes ofereciam uma formação medíocre. A profissionalização compulsória de nível médio atendia também a uma necessidade de mercado, devido as características do desenvolvimento econômico no período e a organização da produção que se tinha.
Aspectos da profissionalização na Lei 5.692/71:
1. Mudar o curso de uma das tendências da Educação Brasileira, fazendo com que a qualificação para o trabalho se tornasse a meta não apenas de um ramo de escolaridade, como acontecia anteriormente, e sim de todo um grau de ensino que deveria adquirir sentido nítido de terminalidade.
2. Beneficiar a economia nacional, dotando-a de um fluxo contínuo de profissionais qualificados, a fim de corrigir as distorções crônicas que há muito afetam o mercado de trabalho, preparando em número suficiente e em espécie necessária o quadro de recursos humanos de nível intermediário de que o país precisa.
Assim, o 1º objetivo vem preencher a função de reprodução das classes sociais, pois a hierarquização da educação formal estaria assim mais fundamentada. A profissionalização com terminalidade significa que estudantes do ensino médio podem e devem sair da escola e ingressar diretamente no mercado de trabalho, assumindo ocupações técnicas.
O ensino profissionalizante viria, deste modo, complementar as intenções da lei de reforma do ensino superior. O ensino médio teria que ser um filtro eficaz que desviasse potenciais pretendentes ao ensino superior.
Assegurada a contenção, estaria assegurada a reprodução das relações de classe. Abandonariam a escola somente aqueles que não teriam mais condições para estudar, vendo-se forçados a ingressar no mercado de trabalho. Continuariam estudando aqueles cujos pais pudessem financiar os estudos.
O segundo objetivo, “beneficiar a economia nacional”, corresponde à necessidade crescente do sistema de ensino – em todos os três níveis – de cumprir sua função de reprodutor da força de trabalho.
A Lei 5.692 pretendeu fornecer os técnicos de nível médio que presumivelmente são necessitados no mercado de trabalho. Mas nem a rede de ensino oficial, nem a particular têm condições financeiras de fornecer as instalações e os recursos humanos qualificados para o ensino profissionalizante.
Com a Lei 7.044/82, “a qualificação para o trabalho, antes visada pela lei 5.692/71, foi substituída pela preparação para o trabalho, um termo impreciso que mantém, na letra, a imagem do ensino profissionalizante, mas permite qualquer coisa. A lei da reforma da reforma retirou, de uma vez por todas, a obrigatoriedade da habilitação profissional no 2º. grau, mesmo a tal habilitação básica. Agora, o ensino de 2º. grau poderá ensejar habilitação profissional” (p. 71).
A profissionalização compulsória foi sendo paulatinamente retirada dos currículos escolares e em seu lugar nada foi colocado. A preparação para o trabalho que, de certo modo, foi sempre um engodo, pois tem se resumido em atividades que difundem uma visão abstrata do trabalho sem nenhuma formação técnica e profissional efetiva, obteve resultados pedagógicos muito ruins. Atualmente a nova LDB, Lei 9394/96, e os Parâmetros Curriculares Nacionais retomam a afirmação da preparação básica para o trabalho e para o exercício da cidadania. Ao que parece, a idéia do ensino voltado para o trabalho ainda persiste e a ideologia do desenvolvimento continua como pano de fundo para a elaboração das políticas educacionais.
“Fracassada, então, a política de profissionalização universal e compulsória no ensino de 2º. Grau, a função contenedora que a ditadura dela esperava não chegou a ser desempenhada. Assim, as esperanças de conter os candidatos ao ensino superior teve de ser providenciada neste grau mesmo, pela elevação das barreiras dos exames vestibulares. Ao mesmo tempo, procurou-se incentivar os cursos superiores de curta duração, em especial os da área tecnológica (...), mas apartando os cursos e os estudantes das universidades, confinando-os nas escolas técnicas federais” (p. 72). Ora, o ensino profissionalizante de 2º. grau fracassou e a escola pública brasileira não foi capaz, nem de oferecer um ensino realmente profissionalizante, nem uma formação geral. O que houve foi a total desorganização do ensino de nível médio, até hoje sem identidade e função.
A terceira inovação introduzida com a Lei 5.692 é o ensino integrado:
a) reunião de pequenos estabelecimentos em unidades mais amplas;
b) a entrosagem e a intercomplementariedade dos estabelecimentos de ensino entre si ou com outras instituições sociais, a fim de aproveitar a capacidade ociosa de uns para suprir deficiências de outras;
c) a organização de centros interescolares que reunam serviços e disciplinas ou áreas de estudo comum a vários estabelecimentos.
Na verdade, esta flexibilidade do ensino da escola integrada deveria ser alcançada às custas do aluno que era forçado a percorrer longas distâncias entre estabelecimentos de ensino. Essa aparente racionalização nada mais é que uma forma de reduzir os custos das entidades mantenedoras dos estabelecimentos de ensino que se reverte em desperdício de dinheiro (condução) e tempo para o aluno. É ele que carrega o ônus da dispersão do ensino por vários locais. O aluno que por sua origem de classe é forçado a trabalhar, muitas vezes não pode cursar um curso médio deste tipo, pela dispersão das matérias por todo o dia, e se vê remetido ao ensino supletivo.

7) O Ensino Supletivo

O ensino supletivo foi previsto na lei de reforma do ensino de 1º e 2º grau com duas finalidades:
a) suprir a escolarização regular para os adolescentes e adultos que não a tenham seguido ou concluído na idade própria;
b) proporcionar, mediante repetida volta à escola estudos de aperfeiçoamento ou atualização para os que tenham seguido o ensino regular no todo ou em parte.
Existiam quatro modalidades de ensino: aprendizagem, qualificação, suplência e suprimento.
Aprendizagem compreendida como a formação metódica para o trabalho a exemplo dos cursos de treinamento do SENAI e SENAC. Qualificação se refere a cursos especiais de profissionalização, a exemplo do Programa Intensivo de Preparação da Mão-de-obra (PIPMO). O aspecto de transmissão de conhecimentos em cultura geral é secundário. Suplência é a própria alfabetização e escolarização a jovens e adultos como a praticada pelo Mobral. E, suprimento inclui cursos de reciclagem e aperfeiçoamento em qualquer nível.
Há, também nesta modalidade, a concepção de ensino integrado e a recomendação para adotar um sistema aberto de escola. Aparece aí um duplo conceito de racionalidade: a interna, exigindo a economia e eficácia dos meios disponíveis para a realização dos objetivos fixados, e a externa que é a contribuição para o desenvolvimento econômico, esperada pelo novo tipo de ensino.
Com a lei, ao Estado coube somente o direito de aplicar os exames finais e expedir os diplomas. Assim, estava aberto o caminho para que as empresas privadas explorassem as aspirações educacionais das classes “menos favorecidas”.

8) A institucionalização do MOBRAL: “pra inglês ver”

Uma das tentativas de mascaramento do fracasso – ou seria uma vitória previamente planejada? – dos programas e políticas educacionais dos governos dos generais foi o Mobral. Um enorme fracasso da política educacional da ditadura militar. Enquanto diversos programas e campanhas de alfabetização foram canceladas pelo governo militar, criou-se o Movimento Brasileiro de Alfabetização.
A legislação que regulamenta e institucionaliza o Movimento Brasileiro de Alfabetização pode ser considerado uma medida de cooptação e contenção do operário. Em 1969 foi criada a Fundação Mobral, entidade mantenedora que assegura o programa de alfabetização já previsto em lei um ano antes. Trata-se da lei 5.379, de 14/12/1967, que propunha a alfabetização funcional a jovens e adultos.
Na verdade o Mobral só começou a funcionar quando, em 1970, se encontrou uma forma real de financiamento. Esta consistia em desviar 6,75% da receita líquida da loteria esportiva e deduções voluntárias de 1% do imposto de renda devido pelas pessoas jurídicas para o programa de alfabetização. “De acordo com as prioridades estabelecidas, o atendimento do Mobral incidiu, inicialmente, sobre a população urbana analfabeta e na faixa etária de 15 a 35 anos”.
O Mobral, também, se caracteriza por refletir a ideologia da educação como investimento combinado à ideologização ao nível político de “moral e cívica”. Assim, um dos manuais do professor apresenta a fórmula: “alfabetização + educação continuada = melhor nível de vida, melhores salários, maior produtividade = promoção do desenvolvimento do país. Esta alfabetização, pela primeira vez assume caráter evidentemente ideológico e visa de forma explícita inculcar no operariado os valores do capitalismo autoritário.
“O entusiasmo por mais esse movimento de alfabetização vinha, também, dos pedagogos da ditadura e dos economistas e militares travestidos em educadores que ignoravam que o analfabetismo só foi superado, historicamente, por dois caminhos: 1) pela expansão das oportunidades de ensino público e gratuito, acompanhada ou precedida por significativas melhorias do padrão de vida das classes populares; ou, então, 2) de campanhas maciças de educação popular durante ou logo após uma revolução, como na União Soviética, na China, em Cuba, no Vietnam e, mais recentemente, na Nicarágua. Nenhuma dessas condições estavam presentes no brasil dos anos 70. O ensino público e gratuito se expandia lentamente e, para complicar ainda mais as coisas, tinha sua qualidade deteriorada” (p. 58-59). Ora, dinheiro para o Mobral não faltou. Entretanto, havia um interesse político mais ou menos explícito nesse programa: a formação de eleitores (alfabetizados, portanto) para legitimarem o governo golpista. E é justamente aí que se verifica o primeiro fracasso da campanha. “Mesmo tendo alardeado a alfabetização de 6,3 milhões de pessoas de 15 a 35 anos de idade, em apenas quatro anos de funcionamento, os militares viram que o Mobral, se estava preparando eleitores, era para o MDB” (p.59). Nas eleições de 1974, as oposições ao regime militar abandonaram a opção pelo voto nulo e se uniram em torno do Movimento Democrático Brasileiro, o MDB, derrotando a Aliança Renovadora Nacional, Arena. Além disso, pesquisas indicam que, na realidade, o Mobral estava alfabetizando muito pouca gente, pois os dados estatísticos escondiam as evasões. “As contas do Censo de 1980 não deram outra... Se a taxa de analfabetismo de 1970 era de 33,6% para a população de 15 anos e mais, dez anos depois tinha baixado para 25,4%, ou seja, uma diferença de apenas 8,2%. Para uma barulhenta cruzada alfabetizadora, que esperava uma ‘taxa residual’ de analfabetos em 1980 inferior a 10%, era o fracasso proclamado aos quatros ventos” (p. 59-60). Ao contrário, nestes mesmos dez anos o país assistiu a um aumento em 540 mil o número de iletrados. Países como o Chile, a Argentina e o Uruguai conseguiram reduzir sua taxa de analfabetismo para níveis muito inferiores ao do brasil apenas com uma escola melhor organizada e com investimentos mais bem alocados.
Outra medida absurda tomada pelo governo dos militares foi a promoção direta dos alunos. Mesmo para aqueles que não tinham condições mínimas para ir de uma série à outra, mais adiantada, era dado o “privilégio” da promoção. Esta foi uma política amplamente usada pela ditadura militar, mais uma vez, para mascarar o quadro real de nossa educação. Assim, estatisticamente fabricaríamos dados que constatariam a elevação do nível geral de escolaridade do povo brasileiro, sem que isso correspondesse ao nível de aprendizagem e educação real deste povo. Era uma política “pra inglês ver”. Ofereciam-se mais oportunidades físicas de escolarização sem o correspondente crescimento das oportunidades pedagógicas de escolarização. E é esta mesma política que vemos ser retomada novamente nos dias de hoje, quando até mesmo os alunos “sabem que não existe mais reprovação”.
Ora, o que foi dito acima comprova suficientemente que a escola serviu como um eficiente recurso dos governos militares para a manipulação e deterioração cultural do povo brasileiro, às custas de um processo de degradação das condições de ensino e de sucateamento das escolas, curiosamente o mesmo processo que tristemente assistimos nos dias atuais.

9) Reflexos do modelo nos debates atuais

Interessante notarmos os reflexos, continuidades e rupturas deste debate na reforma proposta atualmente pelo governo federal. Mesmo após a redemocratização do país e quase vinte anos após a ditadura militar ainda parecemos estar longe de conseguirmos uma educação pública de qualidade em nossa sociedade.
Por meio da Resolução n.º 3/98, o Ministério da Educação posiciona-se com relação ao ensino médio. A partir de agora essa etapa da educação básica passa a ter um “sentido”, considerando a indefinição que sempre marcou as propostas e a organização pedagógica e curricular oferecidas pelo Estado.
As mudanças propostas pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) de 1996 e pelos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) implicam um profundo reordenamento político e educacional e a construção e implantação de um projeto pedagógico (organização curricular, orientação metodológica, organização administrativa, recursos etc.) que se paute efetivamente pelos seguintes princípios: Flexibilidade, Autonomia, Identidade, Diversidade, Interdisciplinaridade e Contextualização. Fundamentado nestes princípios, o objetivo do Ensino Médio está expresso no vínculo dessa etapa da educação escolar “com o mundo do trabalho e a prática social” e nos alerta para orientarmos nossos programas, atividades, projetos e currículos para a “preparação básica para o trabalho” e para o “exercício da cidadania”, dois grandes eixos norteadores que definem o novo sentido para o antigo 2º grau. Além deles, a Lei 9394/96, em seu artigo 35º, define ainda como finalidade dessa etapa da Educação Básica: a consolidação e aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental; o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo aí sua formação ética; o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; e a compreensão dos processos e princípios científicos-tecnológicos de nossa sociedade.
É importante ressaltar a profunda mudança que marca esse reordenamento promovido pelas Diretrizes Curriculares Nacionais do ensino médio, consubstanciadas nos PCN. Essa mudança corresponde à convicção crescente da sociedade quanto ao fracasso do “ensino profissionalizante” de 2º grau, ao reconhecimento da baixa qualidade oferecida por parte da rede pública e da rede privada de ensino e à conscientização da farsa de um ensino voltado unicamente para a “preparação para o vestibular”, contradizendo valores, objetivos e ideais mais amplos da educação e permitindo a proliferação de uma concorrência acirrada dos “cursinhos pré-vestibulares”, visando tão somente o lucro e sem nenhum compromisso com uma educação voltada para a construção da pessoa humana e da cidadania em nosso país. De um lado, permitiu-se e promoveu-se a degradação da educação pública, que simplesmente ignora os legítimos anseios sociais de uma escola de qualidade, laica e socializante dos bens culturais de nossa sociedade; de outro lado, vê-se o predomínio da ética capitalista, voltada exclusivamente para o lucro e a reprodução do sistema, sobre uma instituição fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, como é a escola.
As profundas mudanças no capitalismo ao nível mundial, geradas pela crise cuja origem remonta ao final da década de 1970 e com uma intensidade e gravidade que apenas pode ser comparada à crise de 1929, vem reconfigurando o modelo de organização da produção e provocando uma profunda reforma do Estado – com o esfacelamento do Estado do Bem Estar Social –, o que implica em novas formas de organização do trabalho e qualificação exigida. Ao meu ver, os PCN atualizam a concepção do ensino médio como uma preparação para o trabalho. Neste sentido, não apresentam uma visão propriamente nova. Pensar o ensino médio como preparação para o trabalho é uma concepção antiga no país, como bem vimos antes; porém, há uma diferença fundamental a ser considerada hoje: a questão agora é definir que tipo de preparação, ou melhor dizendo, que tipo de qualificação o mercado está exigindo.
E, para além do problema efetivo da qualificação profissional e da preparação básica para o trabalho, impõem-se, atualmente, o problema da cidadania. Sem dúvida, o momento atual da sociedade brasileira é de consolidação de um novo modelo político e econômico, herança de um difícil processo de transição para a democracia. É imprescindível a escola assumir seu papel neste processo, preparando as crianças e os jovens para o exercício consciente e responsável da vida democrática e minorando os efeitos sociais de toda uma geração educada para a passividade e o embotamento do pensamento crítico e comprometido.
Atualmente, o objetivo do ensino médio está expresso no vínculo dessa etapa da educação escolar “com o mundo do trabalho e a prática social”. Isso nos alerta para orientarmos nossos programas, atividades, projetos e currículos para a “preparação básica para o trabalho” e para o “exercício da cidadania”, dois grandes eixos norteadores que definem o novo sentido para o antigo 2º grau. Além deles, a Lei 9394/96, em seu artigo 35º, define ainda como finalidade dessa etapa da Educação Básica: a consolidação e aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental; o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo aí sua formação ética; desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; e a compreensão dos processos e princípios científicos-tecnológicos de nossa sociedade. Mas o tipo de qualificação que se espera está voltada mais para competências e habilidades, especialmente as sintetizadas no “aprender a aprender” ou, nos termos dos PCN, no “aprender a conhecer”, do que voltada para o tipo ou o quantum de informação que se adquire na escola. Uma qualificação adequada às novas exigências de um mercado cada vez mais internacionalizado, que faz uso intenso de tecnologias diversas e processos de automação e que tem seu centro nervoso, por assim dizer, na informação
Como afirma Peter Drucker, caminhamos para uma “sociedade do conhecimento” ou para o “capitalismo da informação”, mas não qualquer tipo de conhecimento ou informação. Caminhamos para uma sociedade que exige uma velocidade de adaptação cada vez mais crescente por parte dos indivíduos, expressa na palavra flexibilidade, presente em quase todos os setores de atividade humana atualmente. Aliás, a noção de “flexibilidade” na atualidade mereceria uma discussão à parte. A exigência de uma “flexibilidade”, hoje, dá-se tanto no processo produtivo - com o regime de “acumulação flexível”; quanto na organização do trabalho - com a “flexibilização” dos contratos, direitos sociais e leis trabalhistas, reflexos da substituição do paradigma taylorista e fordista pelo da integração e flexibilidade na organização do trabalho; quanto na economia em nível macro - abertura aos investimentos externos, crítica à reserva de mercado, “flexibilização” da taxa de câmbio etc.; quanto na organização dos currículos escolares e suas propostas pedagógicas. Seu vínculo com a ideologia neoliberal e com a tecnologização da vida cotidiana é inegável. De fato, essa é uma noção por ser ainda compreendida e sua abrangência e impacto na vida social precisa ser melhor investigada.

10) A Educação Moral, Cívica e Física

Segundo os autores, regimes ditatoriais caracterizam-se por “substituir as instituições livres da sociedade para, na escola, imporem ao povo a educação moral e cívica que servisse para consolidar o seu poder” (p.73). No Brasil, a Educação Moral e Cívica como disciplina curricular já havia estado presente nos programas escolares à época da ditadura Vargas. Em 1946, a nova Constituição elaborada após a derrubada do Estado Novo, aboliu a Educação Moral e Cívica, refletindo “princípios liberais que reservaram às famílias, às organizações religiosas, às entidades culturais, aos sindicatos e aos partidos políticos a competência para tal educação” (p.73).
Dentre os adeptos do movimento golpista de 1964 havia os que não concordavam com a re-introdução da Educação Moral e Cívica nos currículos escolares; setores mais extremados, porém, “achavam que as instituições sociais não eram capazes de educar o povo segundo padrões morais e cívicos e, pior ainda, na sua omissão, abriam as portas para a entrada de ‘ideologias exóticas’, principalmente o tão temido comunismo. Para evitar isso, só mesmo a Educação Moral e Cívica nas escolas, com professor, programa, chamada, prova e nota!” (p. 73). Durante o governo Castelo Branco, o Gal. Costa e Silva , ministro da guerra tenta várias vezes que o Conselho Federal de Educação incluísse a Educação Moral e Cívica nos currículos. Há resistência de diversos educadores, como Anísio Teixeira e Durmeval Trigueiro. Costa e Silva expõe seus motivos ao presidente – argumentos positivistas, baseados em Teixeira Mendes; o general considerava uma deficiência na família em relação à competência para educar moral e civicamente. Enfim, em março de 1966, Castelo Branco assina um decreto determinando que o Ministério da Educação estimulasse a educação cívica em todo o país.
A nova disciplina viria, para os dirigentes da ditadura, preencher o “vácuo ideológico” na mente do povo, principalmente dos jovens, para que não se corresse o risco de que as pessoas se envolvessem com idéias “materialistas e esquerdistas”. Ao contrário da proposta dos positivistas fundadores da República, a Educação Moral e Cívica não seria uma disciplina curricular, mas uma prática educativa visando “formar nos educandos e no povo em geral o sentimento de apreço à Pátria, de respeito às instituições, de fortalecimento da família, de obediência à Lei, de fidelidade ao trabalho e de integração na comunidade, de tal forma que todos se tornem, em clima de liberdade e responsabilidade, de cooperação e solidariedade humanas, cidadãos sinceros, convictos e fiéis no cumprimento de seus deveres”.(p. 74).
No início de 1969, as maiores resistências às idéias educacionais ditatoriais foram vencidas: Anísio Teixeira e Durmeval Trigueiro – conselheiros democratas – foram afastados do Conselho Federal de Educação; reflexos do AI – 5, que permitiu a aposentadoria compulsória dos dois professores. Em setembro do mesmo ano, a Presidência da República, pelo Decreto-lei 869, elaborado por um grupo de trabalho da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra, determina que a disciplina Educação Moral e Cívica deveria, obrigatoriamente, integrar os currículos escolares de todos os graus – do curso primário (Educação Moral e Cívica) ao superior, inclusive na pós-graduação (Estudo de Problemas Brasileiros) - e modalidades do sistema de ensino do país.
Em toda disputa política, como no caso da ditadura militar, é preciso que se vença também a disputa ideológica, nos dizeres de Gramsci. A emc nada mais foi que um movimento neste jogo pelo domínio ideológico. A política não prescinde deste tipo de luta... E como haviam muitos grupos em conflito, cremos que as percepções eram distintas também, com exceção, é claro, da maioria do povo que não tinha uma visão crítica sobre as determinações do governo, como até hoje, aliás...
Com o lema “Deus, Pátria e Família” – inspirado no integralismo fascista e positivista dos anos 30 – e conteúdos forjados pela ideologia moral e política conservadora dos militares, a Educação Moral e Cívica era vista como uma forma de suprir uma deficiência da educação familiar. “Acontecia de tudo em nome da moral e do civismo. Desde a esperada propaganda acintosa da ditadura, até o cometimento de violências psicológicas contra as crianças, como em um caso, noticiado pela imprensa, de um menino de 11 anos que saiu chorando da aula de moral e cívica. A pergunta da prova era – “pode um ateu ser um bom pai?”. A resposta considerada correta pela professora era não, mas o menino não se conformava, pois, filho de ateus, insistia em responder que tinha um bom pai” (p. 80).
Conforme o Decreto-lei 869, eram finalidades da Educação Moral e Cívica:
“a) a defesa do princípio democrático, através da preservação do espírito religioso, da dignidade da pessoa humana e do amor à liberdade com responsabilidade, sob a inspiração de Deus;
b) a preservação, o fortalecimento e a projeção dos valores espirituais e éticos da nacionalidade;
c) o fortalecimento da unidade nacional e do sentimento de solidariedade humana;
d) o culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições, e os grandes vultos de sua história;
e) o aprimoramento do caráter, com apoio na moral, à dedicação à família e à comunidade;
f) a compreensão dos direitos e deveres dos brasileiros e o conhecimento da organização sócio-político-econômica do País;
g) o preparo do cidadão para o exercício das atividades cívicas, com fundamento na moral, no patriotismo e na ação construtiva visando ao bem comum;
h) o culto da obediência à lei, da fidelidade ao trabalho e da integração na comunidade” (p. 75).
Como se pode perceber com a descrição acima, as finalidades da educação moral e cívica representavam uma sólida fusão do pensamento político reacionário, do catolicismo conservador e da doutrina de segurança nacional e, sem sombras de dúvida, foi um instrumento eficaz na guerra ideológica empreendida pelos militares durante os anos de chumbo.

11) A Lei de Reforma do Ensino Superior: Lei 5.540/68

A necessidade de reformulação do ensino superior já havia sido anunciada logo depois da tomado do poder pelos militares em 1964. Para o ministro da Educação, Suplicy de Lacerda, a urgência resultava da necessidade de disciplinar o estudante: “os estudantes devem estudar e os professores ensinar”, o que significa dizer, não fazer política.
Uma comissão para elaborar um estudo sobre a universidade brasileira foi formada em 1965, através de um convênio entre o MEC e USAID, compunha-se de cinco americanos e dois brasileiros. As recomendações desta comissão não foram divulgadas. Um grupo de trabalho criado por um decreto em julho de 1968, pelo presidente Costa e Silva, apresentou um projeto de lei que foi imediatamente aprovado pela Câmara e pelo Senado, lei que refletia as recomendações da comissão.
Deveriam ser propostas sob medida para a solução da crise universitária. Crise esta devido aos mecanismos altamente seletivos do vestibular, o que refletia em descontentamento dos alunos que viam o sistema como forma de atuação dos grupos no poder com vistas a perpetuar a estrutura de desigualdade na sociedade brasileira.
Assim, estava previsto: “a racionalização das estruturas e dos recursos e a “democratização” do ensino. O objetivo era diminuir a pressão sobre a universidade, absorvendo o máximo dos candidatos ao vestibular (democratização) e discipliná-los posteriormente, alegando medidas de racionalização dos recursos.
A lei, baseada no modelo universitário americano, estruturava o ensino em básico e profissional com dois níveis de pós-graduação - mestrado e doutorado; adota o sistema de créditos, ou seja, matrícula por matéria e propõe a avaliação por menções em vez de notas - medidas já adotadas na Universidade de Brasília - dissolução da cátedra e departamentalização, implementação de cursos de pequena duração.
Para os professores é adotado o regime de tempo integral e de dedicação exclusiva. Assegura-se aos estudantes participação nos grêmios universitários e a constituição de diretórios estudantis. Cria-se a instituição do monitor etc.
Alem das mudanças citadas, a reforma no ensino superior introduz diversas modificações na LDB. Extingue a cátedra, faz a unificação do vestibular e aglutina as faculdades em universidades para melhor concentração de recursos materiais e humanos, tendo em vista maior eficácia e produtividade. Institui também o curso básico para suprir as deficiências do 2º Grau e, no ciclo profissional, estabelece cursos de curta e longa duração. Desenvolve também o programa de pós-graduação.
É feita uma reestruturação completa da administração, visando racionalizar e modernizar o modelo, com a integração de cursos, áreas e disciplinas. Uma nova composição curricular permite a matricula por disciplina, instituindo-se o sistema de créditos. Para a nomeação de reitores e diretores de unidade não há exigência de que sejam pessoas necessariamente ligadas ao corpo docente universitário, desde que possuam "alto tirocínio da vida pública ou empresarial"
Além da perda da autonomia da universidade, resultante do controle externo de várias decisões como a seleção e nomeação de pessoa, a divisão em departamentos fragmentou a antiga unidade. Da mesma forma, se até então os alunos eram agrupados por turma, o novo sistema de matrícula por disciplina desfaz grupos relativamente estáveis. Essa técnica desarticula a interação entre pessoas e tem evidente intenção despolitizante.
Enquanto na Europa os debates, as críticas e as reformulações, em torno da reforma, eram assunto de todos (associações estudantis) grupos de professores, pessoal técnico-administrativo, sindicatos, partidos, igreja, jornal, rádio, televisão, no Brasil a reforma foi assunto de gabinete.
Estudantes e professores praticamente não participaram. Enquanto na Europa se levou entre 2 e 4 anos para elaborar a lei da reforma aqui a solução foi encontrada em menos de 60 dias.
A “crise da universidade” torna-se explícita com a urgência de uma nova legislação. As aspirações educacionais, despertadas devida a ideologia democratizante às quais não correspondia uma estrutura de ensino verdadeiramente aberta e democrática, levaram a um congestionamento na entrada às universidades.
A partir de 64, com as dificuldades de ascensão da classe média via poupança, investimento e reprodução de capital, através da instalação de pequenas empresas e de exercício de profissão liberal, a demanda de ensino superior aumentou. O número de alunos inscritos para o vestibular em relação ao número de vagas na universidade cresceu de 212% entre 1964 e 1968.
Isso significava uma ameaça para a “segurança nacional” já que o descontentamento estudantil se canalizava em atividades políticas sobre os quais o Estado estava perdendo o controle.
O estudante se engajava em movimentos políticos devido a sua insegurança de classe, já que não via possibilidade de êxito e participação na estrutura de classe vigente, este se torna porta-voz ideológico de uma luta de classes a favor dos oprimidos. Por isso a nova legislação tinha que operar em duas dimensões aparentemente contrárias: procurar conter o enorme afluxo às universidades, para isto era necessário uma nova lei de ensino de 1º e 2º graus; a profissionalização de nível médio, introduzida com a Lei 5.692, vai cumprir essa função; retendo o aluno antes de chegar à universidade e encaminhando-o logo para o mercado de trabalho. Por outro, era preciso criar novos mecanismos de seleção para a expulsão do aluno de dentro da universidade. O vestibular foi liberalizado ao introduzir o sistema classificatório que admite o número de candidatos correspondente ao número de vagas independente do nível de conhecimentos. O preço do aumento substancial de alunos seria a degradação da qualidade do ensino. Portanto, era necessário introduzir medidas de contenção e expulsão do aluno durante o percurso universitário. E, assim, foi criado o “jubilamento”, um verdadeiro “vestibular interno” que dá direito às universidades de eliminarem os alunos que durante o básico não atingiram uma certa média fixada por cada universidade.
Para evitar protestos estudantil foi promulgado o Decreto-Lei 477, que atribui às autoridades universitárias e educacionais (ME) o poder de desligar e suspender estudantes envolvidos em atividades que fossem considerados subversivas, isto é, perigosas para a segurança nacional.
Previa, também, a demissão de funcionários e professores surpreendidos na mesmas atividades, impedido-os de trabalharem no ensino superior brasileiro durante cinco anos”.
Na verdade a política educacional atua de maneira autoritária para implantar uma lei aparentemente democratizante. A política de contenção se realiza introduzindo o ensino profissionalizante antes e o jubilamento depois do vestibular.
Na Lei de Reforma Universitária de 68 se encontram contradições devido à formação social do momento. A modernização tecnológica exigia uma reestruturação que implicava numa reorganização do AIE educacional. Era preciso reproduzir tanto a nova ideologia, como a nova estrutura de poder: adaptar o sistema educacional à função de reprodução da força de trabalho e garantir a manutenção da estrutura de classes.
Para formar realmente essa força de trabalho, a universidade deveria abdicar de seu critério de seleção - origem de classe - e procurar recrutar os mais capazes dentro de um universo bem maior, entre todas as classes. Mas por enquanto a universidade prefere satisfazer as aspirações das classes no poder e ao mesmo tempo disciplinar as classes parcial ou diretamente rejeitadas pelo sistema.
Estas medidas disciplinárias pode ser ilustrada com o Decreto-Lei 869, de 1969, que introduz a educação moral e cívica nos três níveis de ensino: “através da preservação do espírito religioso, da dignidade da pessoa humana e do amor à liberdade com responsabilidade, sob inspiração de Deus, o princípio democrático. Ressalta ainda a necessidade de preservar os valores da nacionalidade e da força da unidade nacional, o aperfeiçoamento do caráter, a dedicação à família e à comunidade e o “culto da obediência à Lei”, artigo 2.
Em 1971, as condições para o ingresso na universidade foram fixadas pelo Decreto n.º 68.908, de 13 de julho de 1971, que disp6os sobre o concurso Vestibular. Este decreto, depois regulamentado por portarias ministeriais, previa o vestibular classificatório, que eliminava, de uma vez por todas, o problema jurídico dos excedentes e determinava que a sua execução fosse realizada ao mesmo tempo em todo o território nacional ou, pelo menos, para diferentes regiões. Com este instrumento, o governo golpista dos generais dava mais um passo em seu projeto de reforma educacional e estabelecia mais uma barreira para a ascensão às universidades pelas classes desfavorecidas e dominadas.
Em resumo, as principais característica desse decreto são:
a) Integração de cursos, áreas, disciplinas;
b) Composição curricular, que teoricamente atende a interesses individuais dos alunos pela presença de disciplinas obrigatórias e optativas e pela matrícula por disciplina;
c) Centralização da coordenação administrativa, didática e de pesquisa;
d) Cursos de vários níveis e de duração diferente;
e) Incentivo formal à pesquisa;
f) Extinção da cátedra;
g) Ampliação da representação nos órgãos de direção às várias categorias docentes;
h) Controle da expansão e orientação da escolha da demanda pelo planejamento da distribuição das vagas;
i) Dinamização da extensão universitária.

12) Breve histórico da disciplina Sociologia no Brasil

Considerando o fato de disciplinas como Filosofia e Sociologia foram as que mais sofreram com o golpe militar de 64, e mais imediatamente, faremos, a seguir, uma breve reconstituição histórica da sociologia enquanto disciplina dos currículos brasileiros.
“As preocupações em torno da implantação da Sociologia como disciplina obrigatória nos currículos das escolas brasileiras vêm de longa data. Já em 1890, Benjamin Constant, com forte influência nas tomadas de decisão do então Ministério da Instrução Pública e dos Correios e Telégrafos, propôs uma reforma de ensino na qual a Sociologia era introduzida como disciplina obrigatória não só nos cursos superiores, como também no secundário. No entanto, devido à sua morte na época da implantação desses novos currículos, a questão do ensino de Sociologia foi posta de lado. Em 1925, com a reforma Rocha Vaz, a disciplina foi introduzida na prática em escolas secundárias do Brasil. No curso de 2º grau, Habilitação para o Magistério (antigo curso normal), a Sociologia passa a ser ministrada a partir de 1928.
Ratificando a permanência da disciplina, a reforma Francisco Campos (1931) fez com que ela fosse ministrada ininterruptamente até 1942, quando a chamada Reforma Capanema (Leis Orgânicas de Ensino) retira a obrigatoriedade do ensino da Sociologia na escola secundária. A partir daí, e principalmente com os acontecimentos políticos ocorridos no país pós-64, a Sociologia foi sendo posta de lado: nesse período foi ministrada apenas nos cursos de Habilitação para o Magistério.
É só com a recente promulgação da Lei nº. 7.044/82 que a Sociologia lentamente começa a ser reabilitada pelos programas curriculares. Isto porque a tônica dada à profissionalização pela Lei anterior (nº. 5.692/71) cede lugar a uma concepção de educação mais abrangente, permitindo pensarmos uma escola de 2º. Grau voltada para a contribuição à construção do direito à cidadania – uma das fontes de revitalização da importância da Sociologia.” (“Breve história da disciplina”, in Sociologia, Paulo Meksenas, Cortez, 1994).
Com a nova LDB, Lei nº. 9.394/96, a situação da disciplina fica ainda mais clara pois, agora, a sociologia é definitivamente incluída como um dos conteúdos a serem aprendidos pelo educando durante o Ensino Médio. Mesmo considerando que a nova LDB e os PCNs propõem um novo conceito, substituindo o de “disciplina” pelos de “interdisciplinaridade” e “áreas de conhecimento”, ainda que a sociologia seja incluída ao lado de outras ciências – como o direito, a psicologia e a economia – como conteúdos que devem ser distribuídos por somente 25% da carga horária anual obrigatória para o Ensino Médio e mesmo que a sociologia não faça parte da Base Nacional Comum (que compõem os outros 75% do currículo), esta sim, obrigatória, ainda assim, pode-se considerar um avanço para o desenvolvimento de uma educação realmente voltada para a construção da cidadania.
Após termos visto a sociologia ser proscrita deste país pelo governo militar golpista como se fosse uma ameaça à estabilidade da ordem imposta pelos generais, o valor dado às ciências sociais em geral pelos novos PCNs é, sem dúvida alguma, um indicador da revalorização deste conhecimento por parte da sociedade brasileira, uma ciência comprometida, desde sua fundação, com uma estética, uma ética e uma política como expressões de momentos sócio-históricos determinados. A crítica que devemos fazer neste momento é que a implantação da reforma do ensino público em todos os Estados da federação tem sistematicamente excluído a sociologia por esta não fazer parte da Base Nacional Comum, demonstrando uma atitude equivocada perante a proposta original e, ao mesmo tempo, a intenção de impedir que as reflexões suscitadas pela sociologia conquistem maiores espaços na formação dos brasileiros. Assim, os denominados conteúdos diversificados acabam recebendo um tratamento diferenciado e discriminatório – contrariando o espírito da legislação que afirma a importância desses conteúdos – e, não sendo pensados seriamente, ficam dependentes do projeto pedagógico de cada instituição escolar. Curiosamente a história se inverte, pois agora, ao que parece, não é mais a rede pública de ensino que lidera as inovações no plano educacional. Então, resta-nos uma pergunta: como construir a cidadania no Brasil sem o desenvolvimento de uma educação voltada para o conhecimento profundo das sociedades em geral e da sociedade brasileira em particular, para o qual a sociologia muito poderia contribuir?







Obras consultadas

CALMON, João. A Educação e o Milagre Brasileiro. Rio de Janeiro, Ed. José Olympio, 1974.
CUNHA, Luiz Antônio e GÓES, Moacyr de. O Golpe na Educação. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1985.
TEDESCO, Juan Carlos. O novo pacto educativo. São Paulo, Ática, 1998, série Educação em Ação.
TEDESCO, Juan Carlos. Sociologia da Educação. São Paulo, Editora Autores Associados, 1995.
CÉSAR COLL, JUAN IGNACIO POZO, BERNABÉ SARABIA & ENRIC VALLS. As conteúdos na reforma. Porto Alegre, Artmed, 1992.
Constituição da República Federativa do Brasil.
Diretrizes Curriculares Nacionais – Parecer n.º 15/98 e Resolução n.º 3/98 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação.
Parâmetros Curriculares Nacionais, volume 1.
Parâmetros Curriculares Nacionais, Ensino Médio, volume 4.
















TERCEIRA CONVERSA________________________________________



E



DUCAÇÃO – SUBMISSÃO E RESISTÊNCIA – VISÃO DOS DIRIGENTES DO REGIME MILITAR

Reforma Educacional
Relação Estado e Sociedade
O problema da Educação da Época Militar
As novas Tarefas da Escola
Educação para o Desenvolvimento
Educação e Mobilidade Social
Educação e Enovação Tecnológica
Funções do Projeto Educacional
Programa Mínimo






















EDUCAÇÃO-SUBMISSÃO E RESISTÊNCIA



O presente trabalho apresenta os resultados de um estudo elabo­rado em duas etapas, que ficarão esclarecidas no que se segue.
O estudo inicial constitui uma tentativa de evidenciar os determinantes da gênese da disciplina Cultura,Sociedade Brasileira e Educação para Cidadaniae sua ligação ou continuidade da antiga Educação e Moral e Cívica que foi adotada durante o regime militar de 1964 , com vistas a dar condições para a obtenção de um compor­tamento coletivo que constitui a expectativa dos que planejam e executam as tarefas formativas da educação. Analisamos os compo­nentes envolvidos,com a finalidade de identificar as diferentes categorias da disciplina, com base em seus indicadores, dentro do processo educativo, tendo em vista seus agentes mais próximos: o aluno, sua família e a escola como organização, sob o prisma da Constituição Federal de 1988 e seus complementos como LDB e PCNs.
É em termos de ação prática, intencional, que mais facilmente observamos os fatos da educação. Um pai, como pessoa, influi sobre a formação de seu filho, educando-o. Assim também o faz cada mestre em relação a cada um de seus discípulos. Desse modo, o que se pode chamar de perspectiva individual vem a preva­lecer nas noções mais comuns sobre a matéria.
Na realidade, porém, o pai, o mestre, ou outras pessoas que busquem educar não operam no vazio. Os educadores, como os educandos, estão imersos num ambiente de relações humanas, bem mais extenso e complexo, ou seja, num meio social. Dessas relações é que os procedimentos práticos tomam impulso, como por elas é que recebem sentido e direção. Não se poderá negar a presença de um processo educacional, expressão com que tudo isso se designa.
A concorrência dos dois aspectos ou dessas duas perspectivas de análise, muitas vezes oferece aos que se iniciam nos estudos escolar uma fonte de ilusórias antíteses e antinomias. É a educação uma realidade individual ou social?... Eis o que o prin­cipiante desde logo quer saber.
A disjuntiva não tem razão de ser. Não se trata de disto ou aquilo, mas de uma e outra coisa. Quando examinamos certos procedimentos práticos, tecnicamente limitados, a perspectiva é individual. Quando estendemos a escala de observação, passamos a perceber a ação de grupos, instituições, partes da vida social, e toda ela, em conjunto: as ideologias em conflito.
O Brasil é um país onde as ideologias estão presentes e desempenhando, com notável sucesso, a sua função de mas­carar a realidade, de racionalizar os interesses dos grupos sociais, de sustentar os poderes constituídos e de perpetuar-se na medida em que reproduz a ideologia dominante.


A Reforma Educacional

Não se pode julgar como de importância secundária ou apenas acessória a necessidade de vincular a Reforma Edu­cacional no Brasil, empreendida no final da década de 60 e início da década de 70, ao amplo quadro das reformas dos aparelhos políticos, administrativos e ideológicos do Estado Brasileiro promovidas no mesmo período. Isto significa que, é necessário compreender tais reformas no âmbito próprio das iniciativas de reorganização do aparelho do Estado emer­gente com o movimento políticomilitar de 1964.
As reformulações então empreendidas objetivavam realizar um necessário ajustamento entre os vários organismos respon­sáveis pela ação do Estado tendo em vista a diversidade de sua intervenção cada vez mais acentuada nos diferentes cam­pos da atividade econômica e social. Tais intervenções não resultam de, mas postulam um reordenamento dos aparelhos políticos, econômicos, culturais, jurídicos, administrativos, etc.

As reformulações então empreendidas buscavam alte­rar a estrutura administrativa dos diversos órgãos através da modernização, objetivando aumentar ou melhorar a sua pro­dutividade e racionalidade. Mais do que isso, tais reformas tinham um claro sentido de produzir um ajustamento orgâ­nico entre os aparelhos do Estado e a direção que o Estado, através de tais aparelhos, deveria imprimir ao todo social. Se conseguirmos detectar, com a maior clareza possível, os objetivos perseguidos na nova organização dos aparelhos do Estado e delinear os rumos imprimidos à sua ação, isso nos possibilitaria compreender, no caso específico da política edu­cacional, o lugar a ela destinado no todo do processo.

Estado e Sociedade

Há um determinado nível de adesão nacional à ação dos agentes dos aparelhos de Estado no Brasil após 64, de que ao Estado compete a responsabilidade da iniciativa e a con­dução do processo global de desenvolvimento econômico e social. Tal consciência, de certo modo, concorre para le­gitimar a centralização das decisões, bem como para afastar outros órgãos e instituições da sociedade civil do âmbito das decisões político­ administrativas. Essa centralização recebe ainda o reforço da crença na eficácia da técnica e da ciência administrativa (aqui a infalibilidade da ciência e a elitização do saber concorrem para amalgamar inicialmente o processo) tal como difundida no Brasil pela educação tradicional.
Isto significa que ao Estado (através de seus aparelhos), cabe determinar o lugar e a função a serem desempenhados pela totalidade das instituições da sociedade, bem como pe­los próprios indivíduos, grupos sociais, etc. Essa determi­nação tem uma finalidade objetiva: garantir a execução do projeto de desenvolvimento econômico e social cujas caracte­rísticas, definição, instrumentos, etapas e responsabilidades, cabe ao Estado definir, já que ele se constitui como ente da razão superior na sociedade. Esta nova dimensão do Estado brasileiro que denominamos de O Novo Estado Brasileiro, foi construída de modo radical a partir do movimento polí­tico­militar de 1964..
É importante notar que 64 não representa um instante de absoluta ruptura na história brasileira. Mas podemos nos convencer de que 64 representa um momento de ruptura po­lítica que produziu uma completa reorganização dos apare­lhos políticos do Estado, em função dos objetivos que ele deveria realizar para atender aos interesses que determinariam seu modo de ser. A busca dessa linha de continuidade e de compreensão das diversas rupturas,exige o estabeleci­mento de algumas relações com a recente história nacional, até pelo menos a revolução de 30, para que sejam identifi­cados no período que antecede a 1964, as diversas mudanças que se operaram no tecido da sociedade brasileira.
Pode-se acentuar, assim, o processo de desenvolvimento e de avanço do modo capitalista de produção no Brasil pós 30; o esforço para o desenvolvimento industrial; o nível de participação do Estado na concretização do modelo de desen­volvimento industrial; as mudanças de direção no desenvol­vimento após a ascensão do governo J . K.; a organização dos movimentos operários; a ruptura do proletariado urbano com a burguesia nacionalista; a reconstrução institucional pós 46, com a tentativa de criação de um Estado Liberal; as contradições produzidas e radicalizadas no início da década de 60; a compreensão dos riscos e a necessidade imperiosa de rompimento com o Estado Liberal para a reorganização do Estado em outras bases, suficientes e necessárias para ga­rantir a execução de um projeto de desenvolvimento capaz de assegurar a manutenção do Estado como fiador principal do projeto; as exigências de ordem interna, segurança social, eliminação de tensões, ordem no trabalho, etc. Creio que não precisamos aqui nos estender nesses aspectos já longa­mente estudados e analisados por vários autores.
Apenas para não quebrarmos o raciocínio convém acen­tuar resumidamente que este novo Estado, aliado às novas classes controladoras dos aparelhos do Estado, define os ru­mos e o destino da sociedade. Há clara consciência de seu papel de mantenedor da ordem econômica e das condições necessárias para cimentar os avanços do moderno capitalismo industrial e monopolista no Brasil bem como para garantir a sua expansão. Nesse sentido, a totalidade de suas iniciativas visam a assegurar a centralização das decisões que afetem a ordem econômica em primeiro lugar, procurando transfor­mar todas as instituições da sociedade em parceiros da con­cretização do projeto. Assim, é a ordem econômica que cabe em primeiro lugar garantir, concentrando-se nela os esforços de todos os setores. Como conseqüência, reduz-se a um plano secundário e subalterno outras funções dos diversos aparelhos do Estado, como por exemplo, o da reprodução ideológica. Ocorre mesmo um total esvaziamento dos aparelhos ideológicos, para que na medida do possível cumpram também em primeiro lugar, uma função na ordem econômica. Aqueles que não conseguem cumprir uma função econômica são alie­nados de suas tarefas fundamentais (exemplo: os aparelhos jurídicos e os partidos políticos); os que podem interferir na ordem política e econômica, como poder paralelo ao Estado são desativados (associações de classe, sindicatos); os que representam interesses opostos ou são produtores potenciais de contra-ideologias são vigiados (imprensa, rádio, TV, tea­tro, etc.), e outros aparelhos que exercem tradicionalmente nas sociedades capitalisas uma função principal no campo da formação das consciências (campo de ideologia), são trans-formados para atuarem preferencialmente no campo da pro­dução econômica e desta forma ganham um novo tipo de va­lorização: este é o caso típico da Escola. Reformada, ela poderia aumentar a sua eficácia. Não na direção tradicional, mas em outra. Mudou-se sua função. De instrumento de formação de cabeças, ela passa a instrumento prioritário de preparação de mãos. De instrumento da cultura, a instru­mento da produção.

É portanto, essa nova direção e função a serem desem­penhadas pela Escola, como projetadas nas reformas do en­sino no Brasil, empreendidas por esse Estado Racional, que procuraremos de certa maneira delinear, bem como as con­tradições daí emergentes.


O Problema da Educação Hoje

Para analisar o problema educacional brasileiro ho­je, julgamos de importância primordial tentar detectar a função que a Educação deve desempenhar no conjunto da sociedade. Esta função não é a determinada por qualquer filosofia da educação universal, nem mesmo a que decorre de uma possível análise da história da educação brasileira, mas a que resulta da compreensão do papel que a ela cabe desempenhar dentro das fronteiras que lhe são estabelecidas pelo Estado autoritário. As crises, as críticas, as insuficiên­cias, os desvios, em tais rumos, podem ser analisados sob dois enfoques principais: do ponto de vista dos detentores do poder, que as analisa como insuficiências ou erros de planejamento e do ponto de vista dos agentes educacionais, vistas como resistência e como contradição. De qualquer modo, o ponto de referência se encontra no quadro geral de ação do Estado brasileiro.
Pode parecer um não-senso ou uma descabida pretensão tentar ver esse outro lado do papel da educação, nos quadros dos aparelhos do Estado. Isto parece uma revisão do que nos ensina Althusser2 pois segundo Althusser dois são os aparelhos de ação do Estado: os ideológicos e os repressivos. A uns cabem a cimentação da coesão das consciências, via adesão, a outros a garantia da ordem e estabilidade nos momentos de instabilidade ou de contestação.
A delimitação dos aparelhos de Estado, nessas duas ca­tegorias, restritos em suas funções, não responde totalmente pela forma de atuação do Estado no Brasil. Tal delimitação, enquanto válida para um Estado Liberal e de economia ca­pitalista desenvolvida, não responde pelos limites impostos num Estado autoritário que concentra poderes variados com a finalidade de impulsionar a economia nos rumos do cresci­mento capitalista. Quer dizer, numa economia atrelada à economia capitalista mundial, submissa e dependente e que procura assegurar o crescimento dessa economia segundo os modelos dos países mais desenvolvidos, a ação desse Estado pode diversificar a função dos seus aparelhos e criar novos com novas funções.
Se estamos diante de um Estado que interfere direta-mente na produção, no sistema de trocas, na circulação, na distribuição e na renda, na formação de consumidores, na produção cultural, etc., este Estado não se limita pelas fun­ções clássicas de seus aparelhos. Estes se multiplicam e di­versificam suas funções com o objetivo de cumprir os dita­mes que lhe são determinados. Por isso julgamos que deli­mitar a análise dos aparelhos por funções definidas em sua conceituação, impede-nos de ver um pouco mais para além deles.
Exemplifiquemos aqui com o caso extremo da Política de Segurança. Definida como segurança do Estado, tanto em sua formulação tradicional como em sua nova formulação a partir das doutrinas da geopolítica, a política de Segurança se revela em nosso caso, como a necessidade de garantir a Segurança do Estado e do projeto do Estado, logo, a necessi­dade de garantir a segurança das condições necessárias ao sucesso do projeto de desenvolvimento econômico desenhado pelo Estado. Por isto a Razão de Estado se instaura como soberana diante das razões do cidadão, e por segurança po­de-se compreender desde a segurança militar até as diretrizes da política de previdência social e de Educação.
O mesmo ocorre com os aparelhos ideológicos, do qual a Escola é um clássico exemplo. Poderíamos abordar igual-mente outros, como o Parlamento, os partidos políticos, os sindicatos, etc. Dos partidos foram retiradas, a partir do A. I.2, a possibilidade de representação e formação de consciência de segmentos da sociedade. Do parlamento foi retirada sua capacidade de interferência na ordem econômica, tanto pela proibição de legislar em matéria financeira, como na de alterar a proposta orçamentária formulada pelos setores de Planejamento do poder executivo. Desta forma, a ini­ciativa e a possibilidade de interferência na ordem econômica, ficam restritas a um segmento do poder do Estado: o poder executivo. Ele é, portanto, a fonte, a inspiração e o suporte por onde correm os trilhos do processo econômico. Como o Estado se torna, no âmbito do projeto de desenvolvimento, o principal instrumento da consecução da política econô­mica, retirando do Parlamento a possibilidade de intervenção nessa área, ao mesmo tempo em que este é afastado de lugar de formação da consciência através de sua organização par­tidária, evidencia-se o esforço de alijar de qualquer interfe­rência na ordem econômica, social e cultural, de um dos aparelhos de Estado. Ele não é mais nem aparelho político, nem ideológico, nem administrativo: é apenas um anexo do poder executivo. De certa forma, poderíamos enxergar por ai também a redução de poder de negociação de salários por parte dos sindicatos. Retirada essa função primordial, por onde o sindicato interfere na ordem econômica, fica re­duzida à função formal de legitimação de decisões tomadas à margem dele, já que não lhe resta qualquer função significativa do ponto de vista econômico e social.
E aqui está a direção de nosso esforço e fracasso; mos­trar que o mesmo não ocorre em relação à Escola. Esta foi esvaziada de suas funções no campo da ideologia, e ganhou funções renovadas no campo da economia. Atribuem-se-lhes papéis delineados na garantia do sucesso do projeto de de­senvolvimento econômico.


As Novas Tarefas da Escola

Dissemos que, na reorganização dos aparelhos do Esta­do, cuidou o poder executivo (agora poder máximo no novo Estado) de dirigir os novos aparelhos para o exercício de funções ajustadas às necessidades "reais" diagnosticadas no Projeto mais global do desenvolvimento planejado. Neste sentido, torna-se indispensável evitar que ocorram desvios nos rumos traçados por interferências inadequadas (qualquer interferência por exemplo não ajustada às diretrizes econô­micas). Isto exige que se retirem todas as possibilidades de influência de organismos não diretamente atrelados aos se­tores técnicos do Planejamento econômico. Reforçam-se se­tores que possam acelerar a execução dos Planos e criam-se mecanismos de agilização, controle e sistematização das decisões econômicas.
As reformas implantadas nos setores ligados à economia são exemplos clássicos dessas iniciativas. Igualmente, as re­formas empreendidas em organismos que através de coorde­nada ação política interfiram na ordem econômica, são outros tantos exemplos citados. Como radicalização dos exemplos, podemos apontar a reforma da política salarial (da política operária, segundo Ianni, (in Estado e Planejamento no Bra­sil), e da Reforma Educacional.


a.Primeiro exemplo: a política salarial

Desde o início da instalação dos governos pós 64, desce sobre os sindicatos e a política salarial uma das mais cerradas críticas por parte do discurso oficial. Critica-se o paternalismo sindical, o irrealismo da política salarial, o estímulo aos conflitos capital trabalho, etc. Propõe o governo da revolução, a restaurar o sindicato para uma função ajus­tada à realidade nacional, estimulando sua independência e integrando os trabalhadores na ordem social em construção. Para tanto, alteram-se radicalmente os rumos da política sa­larial. Esta se transforma em questão igualmente técnica a ser resolvida nos conselhos ligados aos órgãos de planeja­mento (Conselho Nacional de Política Salarial, Conselho Na­cional de Economia e Conselho Monetário Nacional). Sendo os salários agora corrigidos em função de índices de inflação e de produtividade geral, isso representa exigências técnicas as quais os trabalhadores não têm acesso. Logo, a questão salarial não é mais questão para sindicatos e sim para órgãos técnicos.
Como a política salarial produziu graves distorções que acentuaram a possibilidade de conflitos sociais, o governo igualmente lança mão de um esforço de superação dos con­
flitos através de um programa de integração social, para o qual cooperam "Governo, empresários e empregados para instaurar uma sociedade integrada na qual seja a justiça so­cial, uma realidade e não um mito". E no congresso dos trabalhadores reunidos em Brasília (IV Congresso), em 1970, o então presidente Médici pode anunciar através da política de ação social do governo, que haveria recursos e meios para se proporcionar aos sindicatos uma sede condigna, com escola, ambulatório, clube esportivo e centro de reuniões para o associado e sua família".
Vê-se desta forma, que, retira-se do sindicato sua função precípua de instrumento de luta dos trabalhadores por me­lhores salários para transformá-lo num clube social e de assistência.

b.Segundo exemplo: a política educacional

Outro setor que recebe desde o início um discurso e uma prática central é o da Educação. Esse discurso é sempre acompanhado de enfoques sobre a necessidade de dinamização da escola, de universalização do ensino, de democratização das oportunidades, de aperfeiçoamento dos processos educacionais, de integração da escola no esforço de desenvolvimento nacio­nal, de superação das gargantas do sistema educacional, etc.
Mas a ênfase fundamental é aquela que se coloca sobre o papel que a Escola deve desempenhar no âmbito do projeto de desenvolvimento nacional. A Escola é necessária e funda­mental, mas não qualquer escola, e sim aquela que puder responder de maneira efetiva ao esforço geral para produzir o desenvolvimento econômico e por extensão o desenvolvi­mento social.
Fica de todo evidente, pela leitura dos documentos ofi­ciais e pela leitura do pensamento educacional dos novos dirigentes da política de ensino que a função primordial a ser desempenhada pelo sistema educacional, em todos os níveis, seria a de fornecer as condições para o pleno desen­volvimento econômico e social planejado. Em termos mais diretos, é o que explicita Jayme Abreu, quando afirma que, após terem sido criadas as condições plenas para a oferta de capital físico e capital social por parte do Estado, era ne­cessário agora garantir a plena oferta de capital humano. Quer dizer, para o pleno desenvolvimento do capital, deve haver uma perfeita integração entre os vários tipos de "ca­pitais": o social, o físico e o humano. O capital humano, significa Recursos Humanos plenamente ajustados às necessi­dades do capital físico e social. Logo, Recursos Humanos agora representam também parcela do Capital. Dissolve-se com isto qualquer possibilidade de luta capital/trabalho pelo desaparecimento de uma das partes da luta, que é o trabalho, já que ele é analisado e assumido como capital, tanto a nível do trabalhador que deve agora ver sua força de trabalho como capital (que deve também ser acrescentado de poupança é acumulado através do aperfeiçoamento e da especialização), quanto do ponto de vista do capital finan­ceiro que vê na força de trabalho efetiva na empresa um componente de seu capital, que igualmente pode ser acres­centado através de investimento (cursos, treinamento, di­plomas, etc.).
Este é portanto o enfoque central: a Educação escolar será agora analisada e assumida no quadro geral da política de desenvolvimento, concorrendo desta forma, para o desen­volvimento econômico geral, e para o desenvolvimento social, tanto em termos do conjunto da sociedade, quanto em re­lação ao próprio trabalhador. Sua vinculação fundamental está delineada. Como cumprirá tal tarefa?

A Educação para o Desenvolvimento

A vinculação da Educação na política geral de desenvol­vimento parte de algumas posições adstritas à totalidade da política de desenvolvimento e planejamento em curso no pais. Simonsen adverte em vários momentos sobre os obstáculos ao desenvolvimento como resultantes por exemplo de insta-bilidade política e social, pois as sociedades em rápido pro­cesso de modernização ficam vulneráveis quando:
a. O ritmo de mobilização popular é superior ao ritmo de desenvolvimento econômico, induzindo à frustração social;
b. quando essa frustração social se transforma em exi­gência política ativista não apenas das elites e das classes médias, mas também das massas;
c. quando as instituições políticas e os partidos não têm condições de absorver, moderar, coordenar e satisfazer tais aspirações ou criar símbolos substitutivos reduzindo as frustrações sociais a níveis toleráveis (Ver Simonsen, o Mo­delo Brasileiro de Desenvolvimento). Conclui Simonsen que o problema, não apenas brasileiro, mas de toda a América Latina, não é o de organizar o Desenvolvimento, mas sim o de preservar um nível razoável de estabilidade política. Para que tal pudesse ser atingido, no Brasil, implantou-se o Pla­nejamento, quando então tornou-se possível, junto com a cen­tralização e fortalecimento do poder central, realizar:
a. a eliminação de unidades autônomas que estabele­ciam metas regionais e prioridades não ajustadas ao Planeja­mento global;
b. a eliminação dos partidos políticos facciosos e personalistas, que incentivavam a indisciplina;
c. a geração de um alto nível de estabilidade política, capaz de garantir o Planejamento e sua execução.
O grupo dirigente nacional, tem, pois, consciência da necessidade de assegurar o controle social e dos ricos que representa uma sociedade em que as pressões sociais podem ficar mais ou menos livres. Ainda que não totalmente coor­denadas, elas devem ser evitadas. Como nos adverte Lênin:

"a opressão capitalista determina uma série de reações de rebeliões e de oposições, não todas certamente na mesma direção, algumas podem ser reacionárias, cor­porativistas. Mas, objetivamente, porque nascem de uma situação de opressão provocada pelo capitalis­mo, essa reivindicações são anti-capitalistas, ainda que seus promotores não tenham consciência de tal caráter. Cabe portanto ao proletariado unificar esse processo, conquistar4he a direção, levar as massas a consciência do conteúdo real anti-capitalista de suas próprias reivindicações. Trata-se de aglutinar o des­contentamento, as posições negativas, com o obje­tivo de transformá-las em política positiva... "quem espera uma revolução social pura não a verá jamais....”

Vê-se, desta forma, na aglutinação dos descontentamen­tos e das lutas reivindicatórias, uma concreta ameaça a todo o sistema capitalista. Era necessário, pois, garantir a cimen­tação do modo de produção. E a Escola poderia concorrer para tal processo. Desenvolvimento, significa, em primeiro lugar, garantir o avanço do modo de produção capitalista em todos os setores da economia. O Estado centraliza as decisões para garantir o processo. E a Escola não vai ficar ausente em sua tarefa. O que ela deverá fazer?

São três as áreas que a Educação deverá cobrir:

1º) ao nível dos indivíduos, deverá possibilitar a cria­ção de um mecanismo institucional, que garanta a mobilidade social através do aumento da renda individual. Isto será su­ficiente para provar aos indivíduos a justeza do modo de produção, já que este garante, sem lutas, mas baseado no esforço e na capacidade de cada um, o progresso individual e o sucesso social. Aqui, assegura-se a reprodução ideoló­gica dos valores de sucesso, progresso, prêmio à capacidade, hierarquia, mobilidade social, etc., no próprio âmbito da formação para o trabalho. Logo, o sistema de produção não exige a separação da formação da consciência do exercício da produção;
2º) no âmbito próprio da produção, a educação es­colar deverá formar trabalhadores mais aptos e capazes ne­cessários à melhoria do rendimento da produção. Preparar, qualificar, treinar os trabalhadores para aumentar sua eficiên­cia produtiva, é função da Escola. Por isso, ela deverá melhorar tanto o nível mental dos trabalhadores (formação básica e cultura geral), bem como habilitar para o manuseio de instrumentos de trabalho (formação especifica desde o final do ensino de 1º grau);

3º) no âmbito da expansão do capital e da acumu­lação, o processo educacional deve garantir o aumento da produtividade (gerando excedentes cada vez maiores), de um lado pelo aumento da produtividade do trabalhador, e de outro lado, pela pesquisa e desenvolvimento de tecnologias alternativas de administração, controle de produção, redu­zindo custos, diversificando produtos, melhorando a dura­bilidade e conservação (indústria de alimentos, por exem­plo), etc.
Isto deixa em evidência que o processo a ser desenca­deado na Escola, visa torná-la fator fundamental na produção econômica. Interferindo na ordem econômica, ela deverá estar submissa à política geral econômica planejada. Logo, é aos Setores de Planejamento que ela se refere em primeiro lugar. Aqui talvez possamos compreender os ditames do próprio decreto 62.937 de 2/7/68 que instituiu o grupo para a Reforma Universitária, quando deixa claro duas coisas:
1º) a comissão nomeada para oferecer um projeto pa­ra a Reforma Universitária, deverá levar em conta as dire­trizes já indicadas para a Educação no Programa Estratégico de Desenvolvimento, elaborado pelo Ministério do Planeja­mento como programa do governo;

2º) a elaboração final do projeto será submetida a uma coordenação final a ser realizada em conjunto pelos Ministérios da Educação e Cultura, Fazenda, Justiça e Pla­nejamento.
Parece-nos ficar claro aqui que a questão educacional faz parte da estratégia geral do governo, devendo ficar aí estabelecidos os seus limites e funções. Orientada a Reforma segundo os ditames do Programa Estratégico de Desenvolvi­mento, e coordenado o projeto segundo as diretrizes do Ministério do Planejamento, as disponibilidades do Ministério da Fazenda, e a vigilância do Ministério da Justiça, pode-se pelo menos desconfiar da direção geral a ser imprimida de agora em diante às questões da Educação. Vejamos agora rapidamente, a justificativa de como atuará o processo edu­cacional na economia.


Educação e Mobilidade Social

A Educação é analisada pela "inteligência" incrustrada no poder como fator de desenvolvimento econômico e, co­mo conseqüência, do desenvolvimento social. Ela possibilita a melhor formação dos trabalhadores; esta formação aprimora a produção; aumenta-se o rendimento do trabalho, viabi­lizando a distribuição de renda. Esta ocorre tanto pelo aumento da acumulação e logo, da possibilidade de distribui­ção, quanto pelo acesso direto dos trabalhadores a melhores níveis funcionais, fazendo crescer o seu salário enquanto galgam postos cada vez mais elevados na estrutura da pro­dução. Langoni chega a demonstrar que a rentabilidade ou taxa de retorno do investimento em educação chega à média de 28% no Brasil, enquanto que a do investimento em ca­pital físico não ultrapassa a 14%. Logo, como promoção humana, é fundamental se investir em educação. Diz Lan­goni que em 1969, obteve-se o seguinte nível de retorno em
Educação:

primário completo 31,9%
ginásio completo 19,4%
colegial completo 21,2%
superior completo 12,1%

E que, para o crescimento do Produto real entre 1960 e 1970, enquanto a contribuição do capital foi de 32,01%, a contribuição da Educação foi de 30,44%, no mesmo período em que a contribuição do crescimento da força bruta de trabalho atingiu o índice de 9,7%. Logo, a contribuição do fator educação foi superior a três vezes a contribuição pelo simples agregamento. de mão­de-obra bruta. Isto 6 julgado suficiente para justificar a necessidade de implementar pro­gramas cada vez mais universais de educação. Ao mesmo tempo, justifica-se o fato de que, através de tais programas educacionais, pode o trabalhador encontrar o caminho da ascensão social, eliminando outras formas como a reivindi­cação salarial.

Educação e Qualificação da Mão-de-Obra

O objetivo central da educação é garantir o crescimento da taxa de produtividade. Segundo Roberto Campos não é possível garantir a continuidade do desenvolvimento econô­mico, sem a injeção do crescimento da produtividade. E para o crescimento da produtividade o fator qualificação da mão­de-obra, tarefa para a qual a Escola cumpre função funda­mental (ensinar a ler e escrever, contar, socializar, treinar mentalmente para tarefas complexas, disciplinar, etc.), É in­dispensável. Para o crescimento da produção de maneira intensiva, não é suficiente aumentar a inversão de capital, e sim melhorar a produção, quantitativa e qualitativamente. À medida que, através da Escola se consegue injetar tais bene­fícios à produção, assegura-se o fator fundamental de repro­dução do capital.

Educação e Inovação Tecnológica

Tem igualmente o projeto educacional a tarefa de ofe­recer alternativas tecnológicas capazes de racionalizar a pio­dução, diminuindo os custos e aumentando a lucratividade. Aqui, parece-nos que estamos diante das questões mais complexas, e destinadas especificamente à dimensão do Ensino Superior e a programas de pós graduação. Mas, alguns pro­blemas acabaram por interferir nesse plano de trabalho da Escola. Em primeiro lugar, em alguns setores de adminis­tração, pode a Escola contribuir decisivamente para a racio­nalização.
Aí está diante de nós o crescimento e diversificação dos cursos de Administração, Economia, Ciências Contábeis, En­genharia de Produção, Tecnólogos da administração, etc. Entretanto, na linha da invenção técnica o Brasil se tornou importador de pacotes tecnológicos acabados. Diante disso, aumentou a dependência tecnológica, ficando os cursos de tecnologia no Brasil e de formação de trabalhadores especia­lizados com a tarefa nada lisonjeira de formar apenas os "desembrulhadores" de pacotes tecnológicos. Isto talvez ex­plique a multiplicação dos chamados cursos de técnicos de nível médio, e a deficiência de programas efetivos de cursos aprofundados de pesquisa e desenvolvimento de tecnologia.
Agora, diante de todo esse quadro, fica evidente, que o projeto educacional tem uma direção de mão­única: possibi­litar o máximo rendimento dos setores produtivos, benefician­do diretamente as empresas consideradas dinâmicas na pro­moção do chamado desenvolvimento integral, que significa em primeiro lugar, desenvolvimento econômico e como con­seqüência desenvolvimento social.

Funções Dissimuladas no Projeto Educacional

Há no entanto, algumas funções não clarificadas nem no discurso nem nas análises da importância do setor educacio­nal na promoção do chamado desenvolvimento econômico. Vamos apenas nos referir rapidamente a eles no momento.

1º) Deve-se acentuar a importância que o processo educacional, tal como delineado, tem para a acumulação do capital. Pode-se alegar, como se tem alegado, que a Escola não qualifica de maneira suficiente e adequada os trabalhadores para as funções necessárias a serem desempenhadas na fábrica. Gostaria de discordar de certo modo desta afir­mação, pois, se é verdade que a qualificação final se dá no próprio trabalho, entretanto, a empresa produtiva já pega um trabalhador com uma série de qualidades desenvolvidas pela escola, fato este que reduz significativamente o custo na preparação final do trabalhador. Logo, por um lado, a Escola possibilita uma "economia" de custos para a empresa. E por outro lado, a multiplicação da oferta de trabalhadores "formalmente" qualificados concorre para uma redução subs­tancial dos salários dos trabalhadores não qualificados. Cum­pre assim, a Escola uma função inversa ao anunciado: ao invés de fator de distribuição de renda, converte-se em fator de concentração da renda.

2º) A educação formal legitima a hierarquização da força de trabalho, e possibilita uma diversificação salarial e um acréscimo de controle sobre os trabalhadores. Como essa diversificação não obedece a critérios de competência fun­cional, os trabalhadores se sentem inseguros sobre a sua real necessidade na empresa. Essa diversificação funcional com reflexos na escala de valores para o trabalho,permite igualmente a empresa maximizar a taxa de exploração da mão­de-obra na produção. Vê-se desta maneira que, a Escola, mesmo que não
qualifique, ou ainda que não aprimore a capacidade de tra­balho do trabalhador, cumpre uma função central no processo de acumulação, já que permite ao capital um novo instru­mento de exploração do valor do trabalho.

Cumpre, desta forma, perfeitamente, o papel que a ela é atribuído: produzir benefícios diretos aos detentores do poder econômico. Os problemas que hoje transparecem não resultam de erros ou de falhas no planejamento, apesar de aos olhos dos agentes do poder do Estado, serem vistos co­mo falhas que podem ser corrigidas. Entretanto devemos notar que:
a) o aumento da eficiência produtiva e logo da produ­tividade, bem como o desenvolvimento e implementação de inovações tecnológicas, concorrem para a redução da relação qualificação/força de trabalho/expansão do mercado de tra­balho. Logo, novas absorções só seriam possíveis com ex­pansão acelerada da economia. Em momentos de redução de investimentos, de recessão, a situação tende a se agravar;
b) quanto mais a escola prepara e qualifica a força de trabalho, menos mão-de-obra qualificada é exigida no mer­cado de trabalho. Logo, quanto mais eficiente for a escola, menos necessária ela se torna e logo, mais concorre para fazer crescer a tensão social fruto do crescimento de reivindicações agora agregadas por parte de trabalhadores qualificados, a quem foi anunciado o caminho para o progresso individual, e que se vêm cada vez mais reduzidos em suas possibilidades de ascensão social.
Diante disso devemos perguntar: O que podemos fazer?


Um Programa Mínimo de Ação

Creio que pudemos verificar que a ação da escola (mes­mo a que oferece uma educação formal, burguesa) não é linear, nem se afirma apenas como instrumento de repro­dução cultural, ideológica ou de relações sociais. Isto por­que a Escola é, assim como todas as outras instituições da sociedade capitalista, perpassada pelas contradições que o modo de produção capitalista engendra. Nesse sentido, não é necessário para garantir o processo de transformação so­cial e a ampliação da consciência, que o aparelho escolar seja destruído, ou que o Estado seja tomado pelas forças da re­sistência histórica.
Parece-nos que as classes trabalhadoras vêm na Escola um instrumento de ação contra a estrutura de opressão da Sociedade Capitalista. Isto posto, compete-nos lutar para que a Escola seja a ela e a seus filhos oferecida, de maneira uni­versal e democrática. E que seja a melhor Escola possível,com o melhor ensino possível, dentro das melhores condições materiais e didáticas possíveis. De um lado, esta luta possi­bilita oferecer às classes trabalhadoras um poderoso instru­mento de organização de suas consciências. E de outro, isto força o Estado a investir na Educação de todos, possibilitando a minimização da taxa de exploração do trabalho, pois obriga o Estado a investir não apenas no desenvolvimento e am­pliação das empresas capitalistas, mas também a investir em interesses diretos dos trabalhadores.
Recolocando a questão nessa direção temos colocado dian­te de nós um campo fértil de meditação e de ação. Se, de um lado, qualquer escola será nesse sentido melhor do que nenhuma escola, de outro lado, é necessário pensar como deveria ser a melhor escola possível para as mudanças sociais que se fazem necessárias


Entre outras, podemos citar as seguintes reformas realizadas após o movimento militar de 1964: centralização administrativa e política, reforma política, extinção e reorganização dos Par­tidos, reforma cambial, reforma tributária, reforma fiscal, Po­lítica de investimento e poupança, reforma da Lei salarial, for­talecimento dos aparelhos de segurança, reforma educacional, etc.


BIBLIOGRAFIA
AZEVEDO, Fernando de. Sociologia Educacional: introdução ao estudo dos fenômenos educacionais e de suas relações com outros fenômenos sociais. 4. ed. São Paulo : Melhoramentos, 1957. Obras Completas, V. X.
LUZURIAGA, Lorenzo. Pedagogia. 3, ed. rev. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1960.
MORAES, Amaury C. Uma crítica da Razão Pedagógica. São Paulo, USP, Faculdade de Educação, 1997, Tese de Doutorado, p. 132.
NADAI, Elza. A Educação como Apostolado: história e reminiscência (São Paulo 1930-1970). São Paulo, USP, Faculdade de Educação, Tese de Livre Docência em Educação, 1991.
NÓVOA, António. História da Educação: percursos de uma disciplina. Texto apresentado pelo autor no Seminário Formação de Professores , Universidade de São Paulo, FEUSP, dezembro, 1996, mimeo, p. 3-4.
______. História da Educação. Universidade de Lisboa, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, Lisboa, 1994, mimeo, p. 28.
ROMANELLI, Otaíza. História da Educação no Brasil (1930-1973). 17. ed. Rio de Janeiro: Vozes, p. 45-46.
SCHAEFFER, Maria Lúcia. Anísio Teixeira: formação e primeiras realizações. São Paulo, USP, Faculdade de Educação, 1975, Dissertação de Mestrado.





























QUARTA CONVERSA ___________________________________________




E



DUCAÇÃO MORAL E CÍVICA E SUA FILOSOFIA

FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA
DA EDUCAÇÃO FORMAL À EDUCAÇÃO DE CONTEÚDO
EDUCAÇÃO MORAL E RELIGIÃO
EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA DISCIPLINA OU PRÁTICA?
PERFIL DO PROFESSOR DA EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA
NORMAS PARA O ENSINO DA EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA
ANTERIORIDADE DA DISCIPLINA
















EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA




Moral e Civismo, conjugados nos supremos interesses da Pátria, somente adquiriu destaque e imponência nos tempos modernos, No alvo­recer da vida coexistiam autônomos.
Era natural que tal acontecesse porque a humanidade sujeita às leis naturais, pelas quais ela tem que conservar e perpetuar a sua espécie, vivia em total dependência da natureza e em constantes lutas para utili­zá-la amoldada as suas necessidades e conveniências.[39]
Contudo, face às precárias condições do meio agreste onde tudo era escasso e difícil - viu-se o homem, forçado a estabelecer atividades sob mútua dependência, a fim de sobreviver.
Essa iniciativa não só proporcionou maiores possibilidades a cada um e a todos - mas, também, contribuiu para a formação da sociedade.
E, logo que a vida social passou a processar-se por normas racionais, formou-se um ambiente de entendimentos para possibilitar o nascimento da civilização que se tornou influente nas operações da interdependência social, no fortalecimento de um condicional direito de posse, nas garan­tias da propriedade privada para normalizar a produção e combater as carências, no controle das ações segundo as conveniências da paz e da ordem e, por último, nos métodos de trocas de coisas por coisas ou de coisas por valores institucionais.
Como se vê, foi ao influxo da civilização que a sociedade entrou na senda do progresso.
Analisando-se essa sociedade nascente, verifica-se que a maioria dos homens vivia empenhado de corpo e alma nas lutas pela vida, mas não obtinha mais que pequenas vitórias insuficientes. As vitórias ideais eram obtidas por uma minoria que, por essa razão, dispunha de meios abundantes para atender às necessidades do presente e às previsões do futuro. As operações de trocas de todo gênero eram por isso, realizadas por intermédio da minoria possuidora dos meios, das utilidades, dos valores; minoria essa que, em breve, se arvorou em chefes, mandatários, senhores de baraço e cutelo e, por fim, em nobres, príncipes, reis.
Tais acontecimentos, em verdade, nada tinham de anormal. Resul­tavam das variações morfofisiológicas dos homens naturalmente dotados de possibilidades diferentes.
Mas, não há de negar que esses acontecimentos se transformaram nas sementes das desarmonias que medraram na sociedade antiga e que, na sociedade medieval, foram frondosas árvores em cujas sombras se abrigava a maioria inconformada por não possuir a propriedade necessá­ria à produção que lhe permitisse combater as carências e os monopólios das trocas que fortalecia a minoria vitoriosa.
As desarmonias dessa época que ocasionavam contínuas discórdias entre a maioria em carências e a minoria ocasionalmente em fartura -produziam, contudo, efeitos benéficos porque concorreram para o desenvolvimento da civilização.
Destacam-se entre esses benefícios, por serem os mais duradouros:
normalização da cooperação social; operação de trocas reguladas pela lei da oferta e da procura instituição de valores justos para as trocas; normas para as ações morais de acordo com preceitos consuctudinários, ditames sobre a disciplina, animação da política e do civismo nascentes que inspiravam um sentimento de Pátria mais acentuado.
Observando-se, porém, o desenvolvimento da civilização sob tais be­nefícios, verifica-se que a sociedade era progressista,mas não pacífica, porque a maioria inconformada por não possuir propriedade privada, não o permitia. Assim a humanidade viveu durante séculos.
A conseqüência desse inconformismo histórico, por fim, foi a fun­dação do Regime Feudal, onde as terras possuídas por um chefe (o suserano) eram divididas por pessoas (vassalos) que se obrigavam como os seus dependentes (vilões e plebeus) a prestar serviços das armas quando necessário.
Mas, também, nesse regime, não houve paz social. É que cada feudo era um teatro aberto de lutas pela disseminação da propriedade privada porque, pelo próprio sentido dos contratos de enfeudação, os preceitos da moral, as ações de civismo e o processo político eram dirigidos por mercenários.
Daí o enfraquecimento desse regime ao ponto de ser destruído pela realeza fortalecida pelos legistas, com a restauração do Direito Romano.
Como se vê, foi pela ausência da Moral do Civismo conjugados na política que se enfraqueceu até a morte, o regime feudal. E que pela elevação a alto nível da Moral e do Civismo, as monarquias absolutas foram transformadas em constitucionais.
O regime constitucional, em verdade, foi uma grande vitória da civilização porque as nações politicamente organizadas se consolidaram com os progressos da renascença que estabeleceram novos rumos sociais, e nova ordem econômica - financeira para firmar as relações interna­cionais.
Foi, entretanto, no início da era moderna que o desenvolvimento técnico e as pesquisas científicas possibilitaram os grandes inventos que, não só proporcionaram maior entendimento entre os povos, mas também, libertaram a Moral e o Civismo dos preceitos regionalistas antiquados para lançá-los num idealismo comum a todos os povos.
A democracia que a Revolução Francesa formalizou para novos rumos políticos, bem como o fascismo, o comunismo e os totalitarismos oriundos de outras nações para os mesmos objetivos, são os resultados dessa internacionalização da Moral e do Civismo na dinâmica dos idea­lismos.
Analisando esses acontecimentos, tendo-se em vista a humanidade integrada na sua civilização imponente, onde a propriedade como pro­dução tomou a forma de riqueza possuída somente por uma minoria de pessoas naturais ou jurídicas ou pelos Estados quando totalitários, para circular como capital - bem se vê a impossibilidade atual de um idea­lismo moral e cívico comum a todos os povos.
Mas, logo que se complete a deterioração, já iniciada dos regimes totalitários, pelos quais o Estado é dono de tudo como instituto de prepotência contra a liberdade para os artifícios de uma igualdade im­possível - Moral e Civismo subirão à consciência dos homens livres de onde poderão nortear a ordem e a paz definitivas.
E, quando tal acontecer, a Democracia será o regime ideal para todos os povos. Moral e Civismo, então, plenamente orientados os institutos da liberdade, igualdade e fraternidade - poderão humanizar o
capital para maior difusão da propriedade privada pelos padrões do tra­balho, a fim de possibilitar a reforma nas estruturas das empresas dentro de uma perspectiva comunitária que não seja nem capitalista nem esta­tista.
Como diz a "Mater et Magistra": deve-se pender para que a empresa se torne uma comunidade de pessoas.

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Parecer número 94 do Conselho Federal de Educação que aprovou os currículos e programas de Educação Moral e Cívica. (Aprovado em 4/2/71).


FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO MORAL

Ao fim de seus anos, um dos espíritos mais nobres e mais luminosos do nosso século, Henri Bergson, dizia de si mesmo: "Quando um homem passou toda sua vida a procurar a Verdade, ele se pergunta se não teria feito melhor em empregar sua existência a praticar o Bem”.
A perplexidade do grande filósofo é rica de ensinamentos.
Ela nos lembra em primeiro lugar, que o Bem nos leva ainda mais perto da Realidade Suprema, que é Deus, do que a própria Verdade.
Em segundo lugar, Bergson nos recorda, obliquamente, que a essên­cia do Homem é a de um ser moral. No universo que nos é conhecido, ele é a única criatura portadora, dentro de si mesmo, de uma fonte original, de um "começo radical, donde nascem decisões e atitudes: a Liberdade.
É esta liberdade que está no centro da educação moral. E que faz da educação moral o ponto mais grave, mais alto e mais importante de todo trabalho educacional.
Ser moral, o homem abre os olhos ao Bem. E no alto desta desco­berta, percebe que seu coração já era, previamente, cúmplice de seu obje­tivo.
Sócrates nos disse de si mesmo: - Chamado a escolher entre "praticar uma injustiça" ou "sofrer uma injustiça" eu preferiria nem uma coisa nem outra. Se, entretanto, fosse absolutamente necessário optar por uma das pontas do dilema, eu preferiria "sofrer uma injustiça" a "pra­ticá-la (Platão, Diálogo "Georgias")[40]


EDUCAÇÃO CIVICA

O homem, sujeito e objeto da Educação Moral vive na "Civitas". Sua condição de cidadão é a fonte de um relacionamento especial entre ele, seus concidadãos e sua Pátria.
O homem é por sua natureza um "ser-no-mundo". Esta situação lhe é essencial. Assim, ao mesmo tempo em que ele se descobre, descobre a História que o conduz, e da qual ele também é autor.
E na medida em que toma consciência de si mesmo e da sociedade de que faz parte, o homem desenvolve sua consciência crítica. Essa consciência ele a exercerá e a desenvolverá participando do desenrolar da própria História, cujo vir-a-ser é encarado em busca de sua plenitude.
O chão do mundo de cada homem é sua Pátria. E uma Pátria é, em última análise, uma personalidade moral.
Ela tem um corpo e uma alma. Ela é um território, um povo, uma língua (ou mais de uma), uma religião (ou mais de uma), uma tradição espiritual portada pela História.
A "Caritas patri soli" dos latinos é, justamente, o amor da Pátria, este amor que é um laço entre os homens filhos da mesma Nação.
O amor e a lealdade do cidadão para com sua Pátria se situam dentro da perspectiva universal da Comunidade Humana.
Cícero chamou de "Conscientia hominum" esta abertura de cada pessoa para com toda a espécie humana. Ela é este amor sem fronteiras que brota da compreensão da fraternidade que deve haver entre todos os homens. Desta forma, é dentro da visão de uma Humanidade total que se devem buscar os contornos espirituais de uma Pátria.
O homem, cidadão do mundo é, entretanto, filho de um país. Sua Nação é esta espécie de "família amplificada", a que ele deverá primeiro, seu amor, sua lealdade, sua vida[JPS1] [JPS2] .
A Pátria de cada homem, todavia, não é um conceito enregelado que cada geração recebe e transmite, como quem passa de mão a mão uma antiguidade preciosa. A Pátria é a construção quotidiana de uma Nação, de uma fraternidade de homens fundamentalmente iguais, vivendo em discórdia e liberdade.
Assim como o fundamento último da Moral é Deus, o fundamento próximo da Pátria é a pessoa humana, consciente, livre, responsável.
Ora, quem diz pessoa, diz comunhão.
O homem, ser aberto à comunidade dos outros homens, é essencial-mente um ser social. E sua tarefa primeira e fundamental será a constru­ção de uma sociedade humana, alicerçada moralmente na justiça e no amor. Sociedade onde todos tenham, de fato, a oportunidade de uma vida humana, digna e fraterna. Sociedade donde sejam banidas a violência e a injustiça, e onde estruturas sociais desumanas a peremptas cedam lugar a novas formas de organização e de conveniência baseadas na igual­dade democrática.
Formando assim a criança e o adolescente, a Educação Cívica estará preparando o futuro adulto participante, capaz de discernir e de optar, mediante o amadurecimento de uma consciência crítica, e desejoso de cons­truir e de transmitir aos seus filhos uma Pátria ainda mais merecedora de amor e respeito.
A Educação Cívica visa, desta forma, basicamente à formação ~a criança, de adolescente e do jovem para a Democracia. Entendendo-se a Democracia, à luz da Constituição do Brasil, como aquela forma de convivência social cuja essência é evangélica (no dizer de Bergson), pois tem como fundamento a igualdade de homens livres e como espírito o amor fraterno.
Esta formação cívica não deverá ser abstrata e teórica. Mas deverá ter os pés na terra e enraizar-se na realidade.
O civismo brasileiro no momento,é comprometer-se com a fase histórica, o desenvolvimento do país e trabalhar na construção de uma Pátria engrandecida. Uma Pátria em que haja um lugar ao sol para todos, e que seja, cada dia mais, uma Democracia de homens livres, responsá­veis e solidários.


DA EDUCAÇÃO FORMAL À EDUCAÇÃO DE CONTEÚDO

Umas das tentações da Educação Moral e Cívica, na sua história internacional, foi a da neutralidade. Ao professor caberia, apenas, apre­sentar aos alunos as várias possibilidades de opção. Diante de múltiplas alternativas, o aluno escolheria, por si mesmo e com alheias influências, a estrada de seus passos.
Esta vertigem de um culto hiperbólico e distorcido à liberdade a que alguns países pagaram seu tributo, encontra-se hoje ultrapassado.
O equivoco se fundava, como vamos ver, numa concepção inadequa­da de liberdade e de educação.
De um lado, não é preciso considerar que a liberdade de nenhum adolescente ou jovem é total. Toda liberdade, de resto, é condicionada por mil circunstâncias, por múltiplos fatores internos e externos. Esta flama tênue, acesa dentro de nós, num chão de deterninismo, precisa, sobretudo, na fase imatura da vida, de ser estimulada em sua escolha, amparada nas decisões da alma apenas desabrochando para a existência.
E, sobretudo, importa não confundir liberdade com independência O homem ao mesmo tempo em que é um ser livre, é um ser essencialmente dependente. Dependente para com Deus, para a Pátria, para com os
outros homens, para com os valores morais que o solicitam e que se lhe impõem como um imperativo.
Desta forma, sua liberdade será freqüentemente a aceitação cons­ciente desta dependência e a submissão voluntária a ela.
Por outro lado, na tarefa educacional, nenhuma Nação pode renun­ciar a pretender formar as novas gerações na linha de suas aspirações, suas idéias e seus ideais.
A Educação Moral e Cívica, será, assim, uma educação que tem o rumo; uma educação engajada, uma educação comprometida. Com quê? Com quê?
Nós tocamos aqui, no ponto mais delicado do problema. E devemos encarar a questão de frente.
Se reconhecemos ao Estado o direito de propor um padrão de Educação Moral e Cívica à população estudantil brasileira, não reconhe­cemos ao Estado o direito de se propor a si mesmo como o fim desta educação.
"O fim do indivíduo é o Estado, mas o fim do Estado é a pessoa" (Jacques Maritam). Nesta admirável síntese do sábio cristão francês, encontramos o âmago da Democracia. Se, de uma parte, os membros da sociedade devem submeter-se à lei e às normas que regem o Estado, pois somente esta articulação fetiva permitirá o desenvolvimento, a ordem e a harmonia, por outra parte é preciso afirmar-se claramente que a pessoa humana está acima do Estado, e que este não tem outra razão de ser nem outra finalidade, senão a de pôr-se a serviço da pessoa, do homem, de sua realização, de sua felicidade.
A Educação Moral e Cívica no Brasil, portanto, inspirada nas gran­des linhas da Constituição Nacional, terá como objetivo a formação de cidadãos conscientes, solidários, responsáveis e livres, chamados a parti­cipar no imenso esforço do desenvolvimento integral que nossa Pátria empreende atualmente, para construção de uma sociedade democrática, que realiza seu próprio progresso, mediante o crescimento humano, moral, econômico e cultural das pessoas que a compõem.

EDUCAÇÃO MORAL E RELIGIÃO

A Constituição do Brasil, que invoca Deus no seu Preâmbulo, asse­gura inteira Liberdade religiosa a todos os brasileiros (Art. 153 § 5º. Não há no País religião oficial nem união do Estado com uma igreja. Por outro lado, o ensino religioso é admitido, em caráter facultativo, dentro das próprias escolas oficiais de nível primário e médio (Constitui­ção, Art. 176 § 3º item V).
A referência à Deus, no preâmbulo da Constituição, parece dever ser interpretada como sendo um aceno de respeito à convicção religiosa da grande maioria do povo brasileiro. A garantia de liberdade religiosa de todas as pessoas e a admissão do ensino religioso facultativo nas escolas oficiais, por sua vez, são um sinal incontestável de uma democracia pluralista, aberta ao acolhimento de todas as atitudes e confissões religio­sas, desde que respeitadoras do fundamento humanista em que se assenta a própria Constituição do Pai',.
Nestes termos, pode dizer-se que a Constituição do Brasil é aconfes­sional, desde que se entenda esta posição como um aconfessionalismo aberto e acolhedor do pluriconfessionalismo que reflete a realidade da democracia brasileira.
Isto posto, temos como primeira conseqüência a idéia bem nítida que deve ter o professor de Educação Moral e Cívica, a respeito das relações de independência recíproca, existentes entre as religiões e o Esta­do. O Estado não tem religião oficial. De outro lado, a religião não está a serviço do Estado. Deus não é um dos elementos utilizados para a sustentação psicológica de uma estrutura política ou social. Ele é o fim último de todas as consciências e de todas as sociedades e subordiná-lo-á um objetivo, qualquer que fosse, seria operar uma trágica inversão de valores. Deus não está a serviço de ninguém e de nada. O universo e o homem é que são seus servidores. Deus está a serviço dos servos, ma~ não pode estar submetido a pretensos senhores.
A segunda conseqüência do que foi acima afirmado, é que a Educa­ção Moral e Cívica, no Brasil, deverá ser aconfessional, ou seja: não vin­culada a nenhuma religião e a nenhuma igreja.
A disciplina Religião continuará como facultativa nas escolas ofi­ciais, de nível primário e médio do Pais (Constituição Art. 176, § 3Ç, item VI). Educação Moral e Cívica é, ao contrário, matéria obrigatória em todas as escolas de todos os níveis no Brasil (Decreto-lei n9 869-69, Art.1º)
Desta forma, as duas disciplinas são e continuarão a ser distintas nas suas esferas de conteúdo e de abrangência escolar.
Até onde, entretanto, será possível ensinar-se no Brasil Educação Moral e Cívica sem fazer-se apelo à Religião?
Com efeito, para a grande maioria da humanidade, Deus é reconhe­cido como sendo o fundamento último da Moral. E a Ciência, em nossos dias, vem constatando que a referência à religião aparece como algo intimamente ligado à formação moral do homem. Recentemente, Andrew Greely, eminente sociólogo norte-americano, afirmava que "a religião e o ritual parecem pertencer à condição humana como tal". Se assim é, e se as raízes da Moral e da Religião de<~ta1 forma se entrelaçam, dentro da alma humana, como proceder-se a uma dissociação radical entre as duas?
Surge aqui, como terceira decorrência da aconfessionalidade da Constituição do Brasil, a conclusão de que o fundamento religioso que, segundo o que se depreende do Decreto-lei n. 869-69, deve estar subja­cente à Moral a ser ensinada na Educação Moral e Cívica, será tomado da chamada Religião Natural.
Ou seja: anteriormente a qualquer Religião Positiva, que se baseia numa revelação, existe no horizonte do homem a dimensão religiosa, mensurada pelos limites de sua própria natureza. Deus é ai conhecid9 pela luz da razão, como Origem e Causa do Universo, e a consciência do homem no mundo, a esta mesma claridade se descobre como sujeito de direitos e deveres. Aqueles brotados de sua condição de pessoa; estes surgentes de sua situação de ser dependente, contingente, social e limi­tado.

Sobre esta base comum é que, como prescreve o Art. 2º, alínea "b", do Decreto-lei n9 869-69, serão preservados e projetados "os valo­res espirituais e étnicos da nacionalidade".
Por outro lado, dentro da realidade do pluralismo religioso do povo brasileiro - pluralismo protegido pela Carta Magna do Pais - deverá ser também resguardada a garantia à educação religiosa, estabelecida constitucionalmente, e que inclui o direito de orientar-se a Moral pelos princípios da opção religiosa dos educandos.


EDUCAÇÃO MORAL E CIVICA: Disciplina ou Prática Educativa.

Se olharmos a História da Educação Moral e Cívica nas escolas do Brasil, nas últimas décadas, observamos um certo flutuar no modo de sua ministração, entre os modelos de disciplina e prática educativa.
Nas décadas de 30 e 40, por exemplo, a Educação Moral e Cívica era uma disciplina. A partir de 1961, com a Lei nº 4.024-61 (Lei de Diretrizes e Bases), a mesma passa a ser encarada como prática educa­tiva.
O Conselho Federal de Educação desde 1962, teve ocasião de dis­tinguir as duas modalidades: "Costuma-se denominar disciplinas às ativi­dades escolares destinadas à assimilação de conhecimentos sistematizados e progressivos, dosados conforme certos endereços. Nesse caso, evidente­mente, a assimilação do conjunto dos conhecimentos programados e passível de mensuração e é condição de prosseguimento dos estudos. As práticas educativas, por outro lado, abrangendo as atividades que devem atender às necessidades do adolescente, de ordem física, artística, cívica, moral e religiosa, colocam o acento principal na maturação da persona­lidade, com a formação de hábitos correspondentes, embora necessitem também da assimilação de certos conhecimentos" (Parecer CFE n9 131/62).
A transformação estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases, fazen­do com que a Educação Moral e Cívica deixasse de ser disciplina para ser encarada como prática educativa, não foi, entretanto, objeto de apro­vação unânime. Dentro do próprio Conselho Federal de Educação as opiniões divergiam. E, embora a maioria, então se inclinasse para a mi­nistração da Educação Moral e Cívica apenas como prática educativa, não faltava quem julgasse que o assunto deveria constituir também uma disciplina: "Devemos associar os dois aspectos, para que uma disciplina deste tipo seja, simultaneamente, no que for cabível, objeto de estudo de natureza intelectual e, também, parte de toda a vida escolar, tornando-
-se, como a linguagem, forma de expressão de todos os momentos da vida da escola ". (CF Ata da sessão do CFE, a 30/04/64).
No espírito dos que sustentavam a insuficiência do modelo da Prá­tica Educativa na Educação Moral e Cívica e, a necessidade de alguma transmissão sistemática dos conhecimentos que a deveriam lastrear, pa­rece-nos que se poderia alegar, também, o fato da criação, pelo Conse­lho Federal de Educação em 1962, da disciplina "Organização Social e Política Brasileira", como disciplina complementar do currículo de grau médio.
Diz a Indicação apresentada como justificação da nova disciplina:"Se considerarmos a estrutura da consciência cívica em toda sua com­plexidade, vemos que o sentido da participação responsável nos destinos da comunidade envolve uma dimensão política, que não se concretiza apenas em função do amor patriótico ou do sentimento nacional. A consciência cívica para ser eficaz, deve ser esclarecida".
Desta forma, o Conselho Federal de Educação, ao mesmo tempo em que proclamava com ponderação e acerto, que a Educação Moral e Cívica trata, "no fundo", da formação de hábitos de natureza ética, causada não apenas pela aquisição de conhecimentos através - de aulas mas, principalmente, pelo calor afetivo das relações de pessoa à pessoa e pelo atrativo dos ideais vividos em comunidade" (CF. Parecer CF nº 131/62), reconhecia que, em parte esta formação necessita da trans­missão aos alunos de"conhecimentos sistemáticos e progressivos".
Finalmente, a dissenção foi definitivamente ultrapassada pelo De­creto-lei nº 869/69, que estabelece (Art. 10.) que a Educação Moral e Cívica "é instituída em caráter obrigatório, como disciplina e, tam­bém como prática educativa".
O debate seguiu desta forma, uma espécie de marcha dialética, con­frontando-se a tese e a antítese, para finalmente, num tipo de síntese, estabelecer-se a soma das duas modalidades iniciais.
Entendemos, com efeito, que "Educação Moral e Cívica como Disciplina" e "Educação Moral e Cívica como Prática Educativa", ao invés de se oporem, se completam.
A "Prática Educativa" acentua o aspecto da vivência, de aquisição de hábitos éticos, de atitudes existenciais. Mas lhe falta o aspecto de continuidade, de gradação regular, de sistematização intelectual. É verdade que a "Prática Educativa" visa a criar hábitos. Entretanto, um hábito no homem, no plano ético, é muitas vezes o resíduo de um ato de liberdade inicial, ao qual ele permanece submetido (Jacques Chevalier) E este ato de liberdade, lúcido e pessoal, deve fundar-se sobre noções, sobre conhecimentos, sobre verdades, que a "Prática Educativa~ 5 revela insuficiente para transmitir.
Por outro lado, a "Disciplina", visando fundamentalmente a trans-missão de conhecimento, seria incompleta, se não desaguasse na existên­cia; se não descesse a essa dimensão interior da alma do educando, onde se formam as disposições da vontade e onde são tomadas as decisões que nortearão a vida.
Na prática, portanto, será necessário utilizar, num passo rítmico, complementarmente, a Prática Educativa da Educação Moral e Cívica como força plasmadora de comportamentos e inspiradora de atitudes; e a Disciplina Educação Moral e Cívica como fonte de enriquecimento intelectual e nacional. Ao professor caberá a importante tarefa de pro­curar esta alternância e dosar-lhe as percentagens. No caso, Disciplina e Prática Educativa são, isoladamente, insuficientes. Uma precisa da outra e se completam mutuamente.
Este ponto introduz, espontaneamente, a consideração seguinte.


O PROFESSOR DE EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA

O que, no Antigo Testamento, no livro dos Salmos, o salmista diz a Deus, num gesto de abandono e de confiança: "Nas tuas mãos está a minha sorte", a Educação Moral e Cívica poderia dizer àquele que vai ensiná-la.
A identificação e a transferência que os alunos de todas as séries e de todos os níveis de ensino, guardadas as proporções, infalivelmente, operam entre os fatores "disciplina-professor", desempenham um papel de importância decisiva no caso da Educação Moral e Cívica.
Se, por um lado, a implantação do ensino de Educação Moral e Cívica, como disciplina e prática educativa, em todos os níveis de ensino do Pais, parece anunciar um horizonte saudável para o futuro, por outro lado, é preciso ter bem claro diante dos olhos o fato de que uma Edu­cação Moral e Cívica mal ministrada gera efeitos negativos e contra producentes.
A vigência da Educação Moral e Cívica, dentro da obrigatoriedade estabelecida pelo Decreto-lei n0 869/69, conta, agora, um ano. Junta-mente com ecos positivos, têm chegado ao Conselho Federal de Educação, rumores de reações negativas, que geram sérias apreensões.
As causas deste insucesso parcial, que hão de ser superado, deverão ser procuradas, em primeiro lugar, pelos responsáveis da direção dos estabelecimentos de ensino. O despreparo de muitos professores, con­vocados de inopino, e a improvisação ocorrente em circunstâncias tais, explicarão grande parte do problema emergente.
De qualquer forma, será necessário que, para o ensino fundamental e para o ensino médio, mais do que em qualquer outra oportunidade, o professor designado para ministrar Educação Moral e Cívica seja um mestre reconhecido pelos alunos como um padrão de dignidade e com­petência.
A Educação Moral e Cívica, aparentemente é uma disciplina fácil. Na realidade, é altamente difícil e complexa, pelo aspecto de comuni­cação de comportamentos e atitudes que ela envolve e pela dimensão afetiva e existencial em que ela imerge. E sempre se deverá ter presente que a aceitação e o respeito que uma turma de alunos votar a um professor, reverterão, naturalmente, sobre a disciplina que ele lhes for ministrar, na medida mesma de sua competência e de seu amor a tarefa
No nível do ensino superior, onde a disciplina Educação Moral e Cívica será dada sob a forma de Estudos de Problemas Brasileiros (Decreto-lei n0 869169, Art. 3º § 29), não deverá haver um professor para a disciplina, e sim um coordenador.
A razão é que a amplitude do assunto exige não um especialista, mas uma gama de professores capazes de dar, com proficiência, cada qual em seu ramo de conhecimentos, uma visão adequada -da realidade brasileira, apresentando seus problemas mais importantes e sugerindo abertas soluções.
É evidente que o coordenador será livre de promover painéis e debates, recorrendo, simultaneamente, a vários professores da Univer­sidade ou da Faculdade, e a outros valores da comunidade, Para apresentarem um mesmo problema sob enfoques diversos, enriquecendo o assunto e motivando a aula.
Á imaginação e ao espírito de empreendimento de cada coordenador incumbirá a tarefa de fazer da aula de Estudos Brasileiros não uma disciplina obrigatória (no sentido pejorativo), mas uma encruzilhada viva de questões e idéias, em que a realidade do Brasil, o esforço do Desenvolvimento Nacional e os ideais da Democracia no Brasil entram como componentes portadores de alta carga de interesse patriótico e de dinamismo construtivo.


NORMAS PARA O ENSINO DE EDUCAÇÃO MORAL E CíVICA

1 - Educação Moral e Cívica deverá constituir uma preocupação básica, permanente e geral de todas as escolas do Brasil, merecendo o cuidado de todos os professores, especialmente daqueles cuja área de ensino esteja com ela em mais estreita conexão.
Dentro deste espírito, dever-se-á assegurar a presença da Educação Moral e Cívica ao longo de toda a formação do educando, ora como disciplina, ora como prática educativa (Decreto n9 58.065/71, Art. 29).
Assim, de modo particular os professores de Educação Moral e Cívica e os coordenadores e docentes do Estudo de Problemas Brasileiros terão sempre, diante dos olhos do espírito, o objetivo visado por esta grande preocupação atual de toda a Nação: a formação das crianças, adolescentes e jovens, para serem cidadãos livres, responsáveis e so­lidários.[41]
Nesta obra de paciência e amor, os professores empregarão métodos dinâmicos de educação, fazendo apelo permanente ao interesse e à iniciativa dos alunos; fomentando o surgimento, neles, de um espírito critico baseado no bom senso e o nascimento de um ideal de participação no esforço atual do Brasil, em busca de seu desenvolvimento e de sua realização de Nação soberana.
2 - A Educação Moral. e Cívica será ministrada, em caráter obri­gatório, em todos os sistemas de ensino do país, como disciplina e como prática educativa. Devendo estar presente em todos os graus e ramos da escolarização, a Educação Moral e Cívica será sempre pro­porcionada aos alunos com a apropriada adequação. Esta adequação será função, principalmente, da personalidade do educando, do grau de ensino e da realidade brasileira.
Além da Educação Moral e Cívica, haverá nos estabelecimentos de nível médio, a disciplina Organização Social e Política do Brasil, tanto no ciclo ginasial quanto no colegial. O ensino de Organização Social e Política do Brasil, far-se-á em articulação com a Educação Moral e Cívica, seguindo a esteira dos seus princípios norteadores.
Tanto a Educação Moral e Cívica quanto a Organização Social e Política do Brasil, poderão não ser computadas dentro dos limites máxi­mos, estabelecidos pelos Artigos 46 a 48 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n9 4 024/61), sobre o número de disciplinas.

3 - Como disciplina, Educação Moral e Cívica deverá figurar, ao menos, em uma série do curso primário. Como prática educativa, deverá permear toda a duração do curso.
No ensino médio, as duas disciplinas, Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil deverão figurar em, ao menos uma série do ciclo ginasial e uma série do ciclo colegial. A prática educativa da Educação Moral e Cívica deverá acompanhar todo o ciclo de formação dos adolescentes e jovens dos ginásios e colégios.
Nas escolas superiores, a Educação Moral e Cívica será ministrada sob a forma de Estudos de Problemas Brasileiros. O Estudo de Pro­blemas Brasileiros deverá ser ministrado, nos cursos de graduação, ao menos no período correspondente a dois semestres ou a uma série; nos cursos de pós-graduação, no período correspondente a um semestre.
Em todos os níveis de ensino, é da competência dos estabelecimentos
a fixação do número de horas em que será ministrada a Educação Moral
e Cívica, devendo, em qualquer hipótese, ser cumprido o programa
fixado pelo Conselho Federal de Educação, sob o controle da autoridade
competente (Decreto n9 68.065/71, art. 89).
Os exames de madureza incluirão a disciplina Educação Moral e Cívica, obedecendo aos programas ginasial e colegial.
4 - No ensino primário, não haverá um professor especial para Educação Moral e Cívica, sendo esta atividade exercida pelos professores, cumulativamente com suas funções próprias.
O professor de Educação Moral e Cívica, em nível médio, será formado em nível universitário, observado o que vai estabelecido no item seguinte das presentes normas.
Em nível superior, não haverá um professor designado para assumir sozinho a responsabilidade de ministrar Estudo de Problemas Brasileiros. Tendo-se em conta a amplitude e a complexidade do assunto, em cada estabelecimento de ensino superior será designado um professor para ser o coordenador desta disciplina. O coordenador de Estudo de Proble­mas Brasileiros, em articulação com a direção do estabelecimento, soli­citará a colaboração dos professores especializados nos vários temas a serem tratados nesta disciplina, de acordo com o currículo mínimo e o programa fixado pelo Conselho Federal de Educação.
5 - A formação de orientadores de Educação Moral e Cívica, para os três níveis de ensino, e a de professores desta disciplina para os níveis superior e médio, far-se-á em nível universitário; a formação de professores de Educação Moral e Cívica para o curso primário far­-se-á nos cursos normais.
O Conselho Federal de Educação fixará o currículo mínimo do curso de formação de professores de Educação Moral e Cívica para o nível médio, e de orientadores para os três níveis de ensino, cabendo aos Conselhos Estaduais de Educação (ou, supletivamente, ao Conselho Federal de Educação) fixá-lo para ás escolas de formação de profes­sores primários.
Enquanto não houver, em número suficiente, professores e orien­tadores de Educação Moral e Cívica, a habilitação de candidatos será feita, também, por meio de exames de suficiência, na forma da legislação em vigor.
Na designação de professores de Educação Moral e Cívica, os esta­belecimentos de nível médio deverão obedecer à seguinte ordem de prioridades:

A - Habilitação especifica

a - Os habilitados em curso específico de nível superior para Educação Moral e Cívica, nos termos do Art. 79 do Decreto-lei n9 869/69;
b - Os habilitados por meio de exames de suficiência, na forma da legislação em vigor (idem, Art. 7º § 3º);

B - Habilitação de emergercia

a - Os licenciados em Filosofia, Ciências Sociais, Geografia, História e Pedagogia, bem como os que, a qualquer título, têm autorização para lecionar tais disciplinas;
b - O Diretor do estabelecimento de ensino.
O Diretor, em cada estabelecimento de ensino, designará um orientador, devidamente qualificado, a fim de coordenar as atividades relativas à Educação Moral e Cívica, como disciplina e prática educativa, cabendo-
-lhe também a assistência ao Centro Cívico.
Ao nível superior, a assistência do Centro Cívico poderá ser con­fiada ao coordenador de Estudos de Problemas Brasileiros.
6 - A própria natureza da Educação Moral e Cívica exige que a mesma goze, dentro da vida da escola, de tratamento especial, no que se refere não só a forma como é transmitida, enquanto disciplina e prática educativa, como, também, no que tange aos métodos de verificação de aprendizagem.
Assim, cada estabelecimento de ensino determinará, em seu Regi­mento, as normas e critérios de verificação de aproveitamento da Edu­cação Moral e Cívica como disciplina.
Poderão ser considerados como pontos cumpridos, no programa de Educação Moral e Cívica, enquanto disciplina, e serem computados den­tro do sistema de aferição adotado pelo respectivo estabelecimento:
a - Os trabalhos, escritos ou orais, elaborados pelos alunos, por ocasião do transcurso de grandes datas históricas, datas que deverão ser transformadas em centros de interesse e fontes de motivação, pelos diretores de estabelecimentos e pelos orientadores e professores de Edu­cação Moral e Cívica;
b - os relatórios e trabalhos escritos ou orais resultantes da parti­cipação dos alunos em atividades extraclasse, de caráter patriótico e solidário, como o "Projeto Rondon", a campanha de erradicação do analfabetismo, a assistência aos favelados, a campanha para doação de sangue, o combate às endemias rurais e outras campanhas semelhantes, que levam os estudantes a tomarem consciência dos problemas nacionais e comunitários e a se interessarem pela busca de suas soluções.
7 - Para unia maior eficiência da Educação Moral e Cívica, como prática educativa, dever-se-á estimular, em todos os estabelecimentos de ensino, a criação de instituições extraclasse, procurando assemelhar-sea escola, tanto quanto possível, a uma sociedade democrática em mi­niatura.
Entre essas instituições se enumeram: biblioteca, jornal, academia, centros diversos, "forum" de debates, núcleo escoteiro, centro de for­mação de lideres comunitários, clube agrícola, oficinas, grêmios cênico­
-musical, banco, cooperativas, centro de saúde, grêmio esportivo, grêmio recreativo, associação de antigos alunos, etc.
De interesse particularmente relevante é a criação, em todos os estabelecimentos de qualquer nível de ensino, de um Centro Cívico (o que nas escolas superiores se chamará "Centro Superior de Civismo”), des­tinado à coordenação das atividades da Educação Moral e Cívica e à sua irradiação na comunidade local. O diretor do estabelecimento de ensino designará um professor para ser o orientador do Centro Cívico.
O Centro Cívico terá uma diretoria, eleita pelos alunos na forma legal. Para facilitar a participação da família nas atividades escolares rela­cionadas com a Educação Moral e Cívica e nos problemas educacionais comuns, estimular-se-á a criação e o funcionamento, em todos os esta­belecimentos de ensino de graus primário e médio, de um círculo de Pais e Mestres.

A Comissão Especial do Conselho Federal de Educação para Edu­cação Moral e Cívica:

RAIMUNDO MONIZ DE ARAGÃO, Presidente
DON LUCIANO JOSÉ CABRAL DUARTE, Relator
ESTIIER DE FIGUEREDO FERRAZ
MARIA TEREZINHA TOURINHO SARAIVA
Pe. JOSÉ VIEIRA DE VASCONCELLOS
TARCISIO MEIRELLES PADILHA.





































ANTERIORIDADE DA DISCIPLINA CULTURA E SOCIEDADE BRASILEIRA

Doutrina. Finalidade á Constituição da época



A certa altura, compreendeu o Governo, responsável pelo Brasil em conseqüência da Revolução de 31 de março de 1964, a necessidade de ação no campo psicossocial e lançou duas leis fundamentais: o Decreto-lei n.0 869, de 12 de setembro de 1969, sobre Educação Moral e Cívica, que nos con­grega neste momento e o Decreto-lei n.0 1077, de 26 de janeiro de 1970, esclarecendo o cumprimento da prescrição constitucional que veda as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes.
E é em conseqüência do primeiro desses Decretos-leis que a Educação Moral e Cívica, como disciplina e como prática educativa, é tornada obri­gatória em todos os graus, ramos e séries de escolarização.
No ensino superior, será ministrada sob a forma de Estudo de Pro­blemas Brasileiros.
O Decreto-lei nº 869/69, promulgado em fase histórica caracterizada, pelo avanço de ideologia materialista impulsionada por governos de Nações comunistas e socialistas-radicais, na tentativa da con­quista do mundo para a sua dependência política e econômica, fixa uma Doutrina de Educação Moral e Cívica, fielmente inspirada na Constituição do Brasil, de bases filosóficas deístas. A caracterização deísta da Cons­tituição é do jurista Pontes de Miranda, em Comentários à Constituição de 1967.
O artigo 2º do Decreto-lei mencionado é bem explicitado no artigo 3º do Projeto do seu Regulamento."A Educação Moral e Cívica, apoiando-se nas tradições nacionais, tem como finalidade:

a)a preservação, o fortalecimento e a projeção dos valores espiri­tuais e morais da nacionalidade;
ba defesa do princípio democrático, através da preservação do do espírito religioso, da dignidade da pessoa humana e do amor à liberdade com responsabilidade, sob a inspiração de Deus;
c)o aprimoramento do caráter, com apoio na moral, na dedicação a família e à comunidade;
d)a formação no indivíduo de hábitos de conduta conformes à lei moral, através do fortalecimento da vontade;
e)o fortalecimento da unidade nacional e do sentimento de solida­riedade humana como alicerce da fraternidade universal;
f)o culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições e aos grandes vultos da. sua história;
g)a compreensão dos direitos e deveres dos brasileiros e o conhe­cimento da organização sócio-polltico-econômica do País, com vista à participação no processo do seu desenvolvimento Ente­gral: espiritual, moral, material, do indivíduo e da sociedade;
h)o culto da obediência à lei, da fidelidade ao trabalho e da inte­gração na comunidade;
i)o fortalecimento do espírito democrático, de modo a preservá-lo de ideologias materialistas e contrárias às aspirações dos brasi­leiros e aos interesses nacionais; e
j)o preparo do cidadão, inclusive o da mulher, para o exercício das atividades cívicas, com fundamento no caráter, no patriotismo e na ação construtiva visando ao bem comum.


Parágrafo único. As bases filosóficas, de que trata este artigo, deve­rão reger, ainda:

a) a ação, nas respectivas disciplinas, de todos os titulares do ma­gistério nacional, público ou privado, tendo em vista a formação da consciência cívica do aluno;
b) a prática educativa da moral e do civismo nos estabelecimentos de ensino, através de todas as atividades escolares, inclusive quanto ao desenvolvimento de hábitos democráticos, movimen­tos de juventude, estudos de problemas brasileiros, atos cívicos, promoções extraclasse e orientação dos pais".

Recentemente, o Decreto n.0 68.065 de 14-1-1971, regulamentou o Decreto-lei n.0 869/69. Surgiu após um ano de aplicações desse diploma legal e dele podemos dizer que reforça a doutrina estabelecida de Edu­cação Moral e Cívica,transcrevendo, no art. 3º, todo o art. 2º do Decreto­ -lei, sintetizando esplendidamente os objetivos da EMC, no seu art.2º, e apresentando um coerente, sintético e oportuno conceito de civismo PARÁGRAFO 2º do art. 32).

Infelizmente, perturba o Decreto n.0 68.065/71 alguns processos, já em execução, para a obtenção dos profundos objetivos visados, como, por exemplo, o estabelecimento de um número mínimo de séries para a minis­tração da nova disciplina, dificultando o problema, permanente e basilar, da formação do caráter. Se considerarmos os princípios da doutrina como fonte e os processos como caminhos a ela conducentes, diremos: vivificou a fonte e obstruiu alguns caminhos. Todo o esforço deveremos empregar na desobstrução destes.

Consequência dos Fundamentos Filosóficos, Valores e Fatos

As bases filosóficas do Decreto-lei n.0 869/69, propagando as da Constituição, são suficientes para conceituar o Homem como espírito e matéria, e não somente matéria, e dar compreensão ao campo dos valo­res, oriundos do espírito e não produtos da inteligência.
A ciência dos valores - Axiologia -, tão esquecida, é imprescindível auxiliar na formação do caráter. Lembremo-nos de Einstein, em Aus meinen Spaeten Jahren, segundo Humberto Rohden:

"A ciência descobre fatos objetivos da natureza ("das was is", aquilo que é) - mas a filosofia realiza valores dentro do próprio homem (“das was sein soll", aquilo que deve ser)."

Segundo, ainda, o maior cientista deste século, do mundo dos fatos não há caminho para o mundo dos valores. Contrariamente, os valores produzem fatos.


Apoio a Todas as Confissões Religiosas

A base filosófica deísta do Decreto-lei como a da Constituição e a da Instituição de sólidas raízes, que é o Escotismo, não prescinde das confissões religiosas. Antes, pelo contrário, fornece o tronco, o ambiente escolar, no qual se devem entrosar todas as confissões.
Quando declaramos ser religiosa e aconfessional, visamos apenas desvincular a Educação Moral e Cívica obrigatória de qualquer subordi­nação confessional, nos termos da Constituição e do Decreto-lei n.0 869/ /69. Mas estimulamos o ensino religioso específico de todas as confis­sões, sobretudo da católica, adotada pela maioria dos brasileiros embora não o seja pela Constituição, nos horários normais das escolas, ainda que não obrigatoriamente para cada aluno. Não teríamos dúvida em substituir o termo aconfessional por pluricontessional, se a substituição não pudesse levar estabelecimentos de ensino, especialmente oficiais, a ministrar uma confissão religiosa, em caráter obrigatório, na Educação Moral e Cívica.
Tivemos sempre em mente as opiniões do I Encontro de Educação Religiosa, realizado em maio de 1968, na Guanabara. Os diferentes minis­tros queixaram-se do ensino pagão da escola não permitir o exercício da sua atividade especifica dentro das prescrições constitucionais: Como discursou o Irmão Deolindo Valiati)

“ a mensagem religiosa está no instrumento, na estrutura geral escola e, se o ensino for pagão, o aprendizado será pagão e, se o ensino for cristão, o aprendizado será cristão. O que deve ser feito é não se transformar todas as aulas em aulas de religião, mas partindo-se do conhecimento e da ciência poderemos chegar a conclusões que nos levem à fé."


"O ensino religioso integral, real e efetivo, com todos os seus méto­dos tradicionais atualizados serviria como base para retomar aquele diálogo." (Professor Erasmo dos Santos Silva, representante da Igreja Evangélica


"... a educação religiosa tem que ser feita onde haja respeito huma­no por Deus, e a grande dificuldade que se encontra é a dé convencer a importância da integração na estrutura das escolas desse ensino religioso. Para isso tem que haver uma transformação completa das estruturas, pois só assim o professor de religião não se sentirá marginalizado dentro das próprias Escolas."
(Professor Moisés Eshingue, representante da Igreja Judaica)


Disciplina

O Decreto-lei n.0 869/69 institui, em caráter obrigatório, como disciplina e, também, como prática educativa, a Educação Moral e Cívica nas escolas de todos os graus e ramos de escolarização.
No sistema de ensino superior, inclusive de pós-graduação, a Educa­ção Moral e Cívica será realizada sob a forma de Estudos de Problemas Brasileiros, sem prejuízo de outras atividades culturais visando o mesmo objetivo.
No ensino médio, além da Educação Moral e Cívica, deverá ser mi­nistrado curso curricular de Organização Social e Política Brasileira.

A Prática Educativa e a Participação do Corpo Docente. Atividades Extra-Escolares.

O diploma legal em estudo estabelece, no parágrafo único do artigo 2º, que as bases filosóficas da doutrina deverão motivar:

"a ação nas respectivas disciplinas, de todos os titulares do magis­tério nacional, público ou privado, tendo em vista a formação da cons­ciência cívica do aluno"; "a prática educativa da moral e do civismo nos estabelecimentos de ensino, através de todas as atividades escolares, inclusive quanto ao desenvolvimento de hábitos democráticos, movimentos de juventude, es­tudos de problemas brasileiros, atos cívicos, promoções extraclasse e orientação dos pais".

As atividades extra-escolares que expressam civismo não estão in­cluídas no Decreto-lei n.0 869/69, embora a Educação Moral e Cívica da Escola forneça-lhes excelente plataforma. Entre elas citaríamos o "Pro­jeto Rondon", a "Operação Calçara" em São Paulo, as atividades do Escotismo. Não poderão, pois., obviamente, substituir pontos de progra­mas da Educação Moral e Cívica, de que trata o Decreto-lei n.0 869/69.

Comíssão Nacional de Moral e Civismo (CNMC)


O Decreto-lei n.0 869/69 cria, no Ministério da Educação e Cultura, a Comissão Nacional de Moral e Civismo, integrada por nove membros nomeados pelo Presidente da República, dentre pessoas dedicadas à causa da Educação Moral e Cívica. O Projeto de Regulamento do diploma legal mencionado exige, ainda, para a nomeação, as condições de: brasi­leiro, ilibado caráter, valor cultural e assentimento à orientação dos dis­positivos do Decreto-lei n.0 869/69.
São assegurados aos membros da CNMC concessões idênticas aos dos membros do CFE.
A Comissão caberá, fundamentalmente, "articular-se com as autori­dades militares de todos os níveis de governo, para a implantação e ma­nutenção da doutrina de Educação Moral e Cívica".
Tem ação no campo da educação assistémática, influenciando e con­vocando à cooperação as Instituições e Órgãos de formação da opinião pública e de difusão cultural.
Assessora o Ministro da Educação e Cultura no exame de livros didá­ticos, do ponto de vista de moral e civismo.
Pela Reforma Administrativa do MEC, é órgão normativo, em iqual­dade de situação com os Conselhos Federais de Cultura e de Educação (Decreto n.0 66.296, de 3-3-1970).
O Decreto-lei, em tela, obviamente, pelo seu artigo 10, revogou as disposições em contrário, mas conservou com o Conselho Federal de Edu­cação, ou atribuiu-lhe, dois encargos: elaborar os currículos e programas básicos para as diferentes áreas de ensino, com as respectivas metodo­logias, mediante a colaboração da Comissão Nacional de Moral e Civismo, sujeitas à aprovação do Ministro da Educação; e adotar as medidas ne­cessárias à formação de professores e orientadores da disciplina Edu­cação Moral e Cívica.

Programas Básicos

O Decreto-lei n.0 869/69 é datado de 12-9-1969. Entrou em vigor, independente do Regulamento, na data da sua publicação. Fixa que os professores e orientadores da disciplina Educação Moral e Cívica terão formação idêntica à das outras matérias. Preconiza, para o ensino médio, na falta de professores, a realização de exames de suficiência.E deter­mina que enquanto o estabelecimento de ensino não disponha de profes­sores regularmente formados ou habilitados em exame de suficiência, o diretor avoque o ensino da disciplina, que, "sob nenhum pretexto, poderá deixar de ser ministrada na forma prevista".
Verificado ser difícil o cumprimento da determinação, a CNMC in­cluiu, no Projeto de Regulamento, a autorização para que o diretor possa delegar a atribuição a professores da sua confiança, em regime de coresponsabilidade, e uma vez satisfeitas certas condições básicas. Soli­citou a aprovação do Ministro da Educação para a medida e a obteve. Nenhuma dificuldade mais poderia impedir o cumprimento da Lei.
Atualmente, o Decreto n.0 68.065/71, no art. 37, limitou a faixa de escolha para essa delegação.
Ainda para que o ano letivo de 1970 pudesse ser bem iniciado, apesar de outras permanentes preocupações e da sua enorme falta de recursos em pessoal e financeiros, apresentou a CNMC ao CFE os subsídios com­pletos para o lançamento das prescrições sobre currículos e dos pro­gramas básicos, determinados em Lei. Em 10-3-1970 é publicada a apro­vação, necessária, do Ministro da Educação e Cultura para a validez das prescrições e dos Programas, nos seguintes termos:

"Nos termos do artigo 4º do Decreto-Lei n.0 889. de 12 de setembro de 1969, homologo o Parecer 101170, do Colendo Conselho Federal de Edu­caçáo, favorável aos currículos e programas básicos para a Educaç~o Moral e Cívica, na forma sugerida pela Comissão Instituída pelo citado Decreto-lei."

Com isso, todas as providências foram tomadas pela CNMC para que a disciplina pudesse ser implantada nos estabelecimentos dos três níveis.
Para o ano de 1971 o Conselho Federal de Educação elaborou novos Currículos e Programas de Educação Moral e Cívica. O assunto é objeto do seu Parecer n.0 94/71. A CNMC julga, preliminarmente, ser difícil alterar os documentos anteriores, pelo curto espaço de tempo da sua experimentação e uma vez já iniciado o ano letivo de 1971, em vista das dificuldades para levar o assunto a todos os. estabelecimentos de ensino da imensa base física nacional. Apresentará a sua colaboração legal e aguardará a decisão do Ministro da Educação.

Aplicação na Educação de Nível Universitário


Como um exemplo da implicação do Decreto-lei n.0 869/69 na Edu­cação, expomos os "Objetivos da Educação no Nível Superior", cons­tantes da primeira palestra, a nosso cargo, na Faculdade de Humanidades Pedro II, na disciplina Educação Moral e Cívica, sob a forma de Estudo de Problemas Brasileiros:


OBJETIVO DA EDUCAÇÃO NO NíVEL SUPERIOR

· aperfeiçoar a formação do caráter;
· completar a formação do homem cívico;
· desenvolver o ensino e a pesquisa; formar profissionais;
· promover a cultura adequada às finalidades da vida e à rea­lidade brasileira e universal.



ALGUMAS EMENTAS USADAS PELAS UNIVERSIDADES


Panorama geral da realidade brasileira. Formação do homem brasileiro. Instituições sociais da Nação brasileira. Problemas morfológicos. Estrutura social - Estratificação, Mobilidade e adaptação social. Problemas de desenvolvimento econômico. Análise do sistema econômico brasileiro, geopolítica e geoeconômica. Produção mineral, energia, transportes, comércio interno e internacional, política monetária; trabalho e previdência social. Estrutura política - Democracia, Três Poderes. Programas e órgãos de desenvolvimento. Problemas socioeconômicos: habitação, saúde e educação; a ciência e a tecnologia; desenvolvimento industrial; urbanização; as artes, a empresa privada; as Forças Armadas, problemas políticos; o Poder Nacional; representação popular e partidos políticos; evolução nacional; política econômica social e externa. Segurança Nacional: interna e externa: guerra revolucionária; doutrina e política da Segurança Nacional. Mercado de capitais. Comunicação social e difusão cultural.
Nos currículos de 1º e 2º graus, assim como nos universitários, constam, por determinação do Conselho Federal de Educação, as cadeiras de Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política do Brasil – OSPB, e Estudos de Problemas Brasileiros – EPB, com carga horária média variável entre duas e quatro aulas semanais.

Observar que a nova disciplina não se limita aos aspectos informa­tivos da conjuntura nacional, mas tem objetivo muito mais amplo, de aspectos formativos. E esse objetivo amplia-se, envolvendo, como não poderia deixar de ser, todas as outras disciplinas e atividades dos dife­rentes estabelecimentos de ensino, realmente, templos de Sabedoria.


Exemplos Dignificantes da disciplina

A implantação da disciplina apresenta aspectos belíssimos consta­tados na melhoria de comportamentos do estudante, no número signifi­cativo de bons livros sobre EMC e no entusiasmo suscitado em muitos estabelecimentos de ensino. Centros de Civismo foram e estão sendo criados às centenas. Estados inteiros engajaram-se na missão grandiosa. Com muito receio de cometer injustiças citaria São Paulo, Santa Catarina, Bahia, Pernambuco, Guanabara, Goiás, Minas Gerais etc...

Principais Dificuldades

Em contraste, outros estabelecimentos não enfrentaram o problema. Algumas autoridades ainda não encontraram meios de cumprir as taxa­tivas prescrições legais.Certo, a adequação dos assuntos a diferentes educandos ou grupos de educandos requer habilidade de parte do professor. Lembremo-nos aqui da necessidade de bem aplicar a técnica da motivação pela conside­ração das suas etapas:

1. apresentar o valor;
2. adequar o valor com a pessoa ou grupo;
3. despertar as tensões energéticas para a conquista do valor; e
4. persistência no esforço.

A adequação do valor com a pessoa ou grupo é fundamental e da responsabilidade do professor. O aproveitamento hábil das circunstâncias é recurso excelente para isso.
As maiores dificuldades para a implantação da Educação Moral e Cívica consistem em:

· falta de cumprimento do diploma legal sobre o assunto, por de­terminados motivos;
· falta de professores;
· falta de bons livros, dificuldade já muito diminuída.

Para compreensão do assunto diríamos quanto às Faculdades que ainda não implantaram a disciplina, que os resultados obtidos em 1970, na Faculdade de Humanidades Pedro II, cuja disciplina Estudo de Pro­blemas Brasileiros esteve a meu cargo, com a colaboração de ilustres professores e Conferencistas, foram excepcionais. Um livro sobre esse trabalho foi entregue a uma Editora, com os direitos autorais oferecidos ao Centro Superior de Civismo da Faculdade. Depoimento do professor Luiz Felipe da S. Wiedmann


PERSPECTIVAS

Expectativa Otimista

O obtido até aqui, com a promulgação do Decreto-lei n.0 869/69 e do seu Regulamento, com o lançamento dos Programas Básicos nos Três Ní­veis de Ensino, com a edição de um número elevado de novos livros sobre Educação Moral e Cívica em todo o Brasil, dentro da doutrina legal, é extraordinariamente promissor.
Exemplos do Presidente e de Outras Autoridades

O fundamento filosófico das Mensagens do Presidente da República, Emilio Garrastazu Médici, e de muitas autoridades, sobretudo das Forças Armadas, acordes com o da Constituição e o da doutrina estabelecida no Decreto-lei n.0 869/69, justificam as esperanças dos que lutam pela im­plantação da Educação Moral e Cívica, hoje, no Brasil.






CONCLUSÃO

Abriu-se para a Educação e para a Educação Moral e Cívica uma radiosa perspectiva. Tenhamos, os que compreendemos o problema, pos­suímos fé e coragem de ação, a persistência necessária. Com a mente voltada para Deus e com os olhos fitos na Bandeira da Pátria, nenhum sacrifício será grande, nenhum esforço demasiado! A juventude brasileira é digna desse sacrifício e desse esforço Cumpramos a nossa missão!



DECRETO Nº 68.065, DE 14 DE JANEIRO DE 1971

Regulamenta o Decreto-lei nº 869, de 12 de setembro de 1969, que dispõe sobre a inclusão da Educação Moral e Cívica como disciplina obrigatória, nas escolas de todos os graus e modalidades dos sistemas de ensino no País,e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando das atribuições que lhe confere o artigo 81, item III, da Constituição e de conformidade com o art. 9º do Decreto lei n.0 869, de 12 de setembro de 1969, decreta:

TÍTULO I

Da Finalidade

Artigo 1º- Este Regulamento estabelece normas para a aplicação do Decreto-lei n.0 869, de 12 de setembro de 1969.

TÍTULO II

Da Educação Moral e Cívica como Disciplina e como Prática Educativa

Artigo 2º - É instituída em todos os sistemas de ensino, em caráter obrigatório como disciplina e, também, como prática educa­tiva, a Educação Moral e Cívica, visando à formação do caráter do brasi1eiro e ao seu preparo para o perfeito exercício da cidadania democrática, com o fortalecimento dos valores morais da nacionalidade.
Artigo 3º - A Educação Moral e Cívica, apoiando-se nas tradições nacionais, tem como finalidade:
a)a defesa do princípio democrático, através da preservação do espírito religioso, da dignidade da pessoa humana e do amor à liberdade com responsabilidade, sob a inspi­ração de Deus;
b)a preservação, o fortalecimento e a projeção dos valores espirituais e éticos da nacionalidade;
c)o fortalecimento da unidade nacional e do sentimento de solidariedade humana;
d)o culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições e aos grandes vultos de sua história;
e)o aprimoramento do caráter, com apoio na moral, na dedicação à família e à comunidade;
f)a compreensão dos direitos e deveres dos brasileiros e o reconhecimento da organização sócio-político-econômica do País;
g)o preparo do cidadão para o exercício das atividades cívicas, com fundamento na moral, no patriotismo e na ação cons­trutiva, visando ao bem comum;
h)o culto da obediência à Lei, da fidelidade ao trabalho e da integração na comunidade.

Parágrafo único - As bases filosóficas, de que trata este artigo, deverão motivar:
a) a ação das respectivas disciplinas, de todos os titulares do magistério nacional público ou privado tendo em vista a formação da consciência cívica do aluno;
b) a prática educativa da moral e do civismo nos estabele­cimentos de ensino, através de todas as atividades esco­lares, inclusive quanto ao desenvolvimento de hábitos demo­cráticos, movimentos de juventude, estudos de problemas brasileiros, atos cívicos, promoções extraclasse e orientação dos pais.

Artigo 4º- A Educação Moral e Cívica como disciplina e como prática educativa será ministrada em caráter obrigatório e com apropriada adequação em todos os graus e ramos de escolarização.
§ 1º - A adequação dos assuntos e métodos caberá ao diretor do estabelecimento e ao professor, considerando ambos, sobretudo, a personalidade do educando e a realidade brasileira.
§ 2º - Cada estabelecimento de ensino determinará em seu Regimento as normas e critérios de verificação de aproveitamento da disciplina Educação Moral e Cívica, tendo em vista a sua índole peculiar.
§ 3º - A fixação do número de horas semanais destinadas à Educação Moral e Cívica cabe aos estabelecimentos de ensino.
Artigo 5º- A fim de assegurar aos estabelecimentos de ensino o que dispõe a letra b do artigo 40 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, as disciplinas Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira podem não ser computadas para os efeitos dos limites máximos prescritos pelos artigos 45 e 46 da mesma lei.
Parágrafo único - O ensino da disciplina Organização Social e Política Brasileira, obrigatória nos estabelecimentos de ensino mé­dio, deverá articular-se com a Educação Moral e Cívica e obedecer aos princípios estabelecidos no artigo 3º
Artigo 6º - No ensino superior, inclusive nos cursos de pós--graduação a disciplina Educação Moral e Cívica será ministrada sob a forma de Estudos de Problemas Brasileiros, dentro das finalidades expostas no artigo 3º e sem prejuízo de outras atividades culturais visando ao mesmo objetivo.
Artigo 7º - Conselho Federal de Educação, com a colabo­ração da Comissão Nacional de Moral e Civismo, elaborará os currículos e programas básicos para diferentes cursos e áreas de ensino, com as respectivas metodologias e determinará a distribuição mínima pelas séries das atividades de Educação Moral e Cívica, levando em conta:
a)a disciplina Educação Moral e Cívica deverá integrar o currículo de ao menos, uma das séries de cada ciclo do ensino de grau médio e de uma série do curso primário;
b) no educandário em que "Organização Social e Política Brasileira" não constar do currículo, de acordo com a indi­cação n.0 1 do Conselho Federal de Educação ou com dispo­sições análogas do Conselho Estadual competente, o seu conteúdo será ministrado obrigatoriamente como parte inte­grante da Educação Moral e Cívica na 4ªsérie do 1º ciclo e em uma das séries do 2º ciclo, sem substituir o que dispõe a alínea anterior;
c) a Educação Moral e Cívica como prática educativa deverá ser ministrada, ao menos, nas séries dos cursos primários e médios não integrados pela disciplina Educação Moral e Cívica ou Organização Social e Política Brasileira;
d)a Educação Moral e Cívica deverá constituir preocupação geral da escola, merecendo o cuidado dos professores em geral e, especialmente, daqueles cujas áreas de ensino tenham com ela conexão, como: Religião, Filosofia, Por­tuguês e Literatura, Geografia, Música, Educação Física e Desportos, Artes Plásticas, Artes Industriais, Teatro Escolar, Recreação e Jornalismo.

Artigo 8º - Compete ao Serviço Regular de Inspeção, insti­tuído de acordo com os artigos 14, 15 e 16 da Lei de Diretrizes e Bases, fiscalizar o cumprimento do Decreto-Lei n.0 869, de 12 de setembro de 1969, nos estabelecimentos de ensino.

TÍTULO III
Da Comissão Nacional de Moral e Civismo

CAPITULO I

Estrutura e Atribuições
Artigo 9º - A Comissão Nacional de Moral e Civismo (CNMC) é integrada por nove membros, brasileiros, nomeados pelo Presidete da Republica, por seis anos, dentre pessoas dedicadas à causa da Educação Moral e Cívica, possuidores de ilibado caráter e valor cultural, e acordes com a orientação dos dispositivos do Decreto-lei n.0 869, de 12 de setembro de 1969.
§ 1º - De dois em dois anos, cessará o mandato de um terço dos membros da CNMC, permitida a recondução por uma só vez. Ao ser constituída a Comissão, um terço dos membros da CNMC terá mandato de apenas dois anos e um terço de quatro anos.
§ 2º - Em caso de vaga, a nomeação do substituto será para completar o prazo do mandato do substituído.
§ 3º - As funções de membro da CNMC são consideradas de relevante interesse nacional e o seu exercício tem prioridades sobre o de quaisquer cargos públicos de que os mesmos sejam titulares. Estes terão direito a transporte, quando convocados, e às diárias ou "jeton" de presença, a serem fixadas pelo Ministro da Educação e Cultura, durante o período das reuniões.
§ 4º - Para os efeitos do disposto no § 3º deste artigo, será considerado presente o membro da CNMC que, por determinação da Presidência ou deliberação do Plenário, deixar de comparecer às reuniões no interesse da referida Comissão.
Artigo 10 - São atribuições da CNMC:
a) implantar e manter a doutrina de Educação Moral e Cívica, de acordo com os princípios estabelecidos no artigo 3º, articulando-se, para esse fim, com as autoridades civis e
militares de todos os níveis de governo;
b)colaborar com o Conselho Federal de Educação na elabo­ração dos currículos e programas básicos de Educação Moral e Cívica;
c)fixar medidas específicas no referente à Educação Moral e Cívica extra-escolar;
d)estimular a realização de solenidades cívicas ou promovê-las sempre que necessário; e colaborar com as organizações sindicais de todos os graus para desenvolver e intensificar as suas atividades relacio­nadas com a Educação Moral e Cívica;
f)influenciar e convocar à cooperação, para servir aos obje­tivos da Educação Moral e Cívica, as instituições e órgãos
formadores da opinião pública e de difusão cultural, inclusive jornais, revistas, teatros, cinemas, estações de rádio e de televisão, entidades esportistas, de recreação, de classe e de órgãos profissionais;
g) assessorar o Ministro de Estado da Educação e Cultura na aprovação dos livros didáticos do ponto de vista de
moral e civismo;
h)colaborar com os demais órgãos do Ministério da Educa­ção e Cultura na execução das providências e iniciativas que se fizerem necessárias para o cumprimento deste Regu­lamento;
i)articular-se com as autoridades responsáveis pela censura, no âmbito federal e estadual, tendo em vista a influência da educação assistemática sobre a formação moral e cívica;
j)promover o conhecimento do Decreto-lei n.0 869, de 12 de setembro de 1969 e deste Regulamento por meio de publicações e impressos, notícias e artigos em jornais e revistas, rádio e televisão e por palestras;
1)sugerir providências para a publicação de livros, fascículos, impressos, cartazes ou cartazetes de difusão adequada das bases filosófico­democrático-constitucionais prescritas no Decreto-lei n.0 869, de 12 de setembro de 1969, e neste Regulamento, bem como de trabalho de fundo moral e cívico;
m)expedir sob a forma de resolução, instruções, pareceres e outros provimentos necessários ao perfeito cumprimento do Decreto-lei n.0 869, de 12 de setembro de 1969 e deste Regulamento.
§ 1º - Dependem de homologação do Ministro da Educação e Cultura os pronunciamentos da CNMC previstos no Decreto­ki n.0 869, de 12 de setembro de 1969, ou neste Regulamento.
§ 2º - O Ministro da Educação e Cultura poderá devolver, para exame, qualquer parecer ou decisão da CNMC que deva ser por ele homologado.

CAPITULO II

Organização

Artigo 11 - A CNMC funcionará em caráter permanente para cumprimento das atribuições previstas no artigo 10 e será Qrganizada em Presidência, com o respectivo Gabinete: Vice-Presidência: três setores de "Implantação e Manutenção da Doutrina", de "Currículos e Programas Básicos" e de "Exame de Livros Didático~" Secreta­ria-Geral e sete Serviços de "Relações Públicas" de "Currículos e Programas Básicos", de "Exame de Livros Didáticos", de "Assessoria e Jurisprudência" de "Documentação e Publicações", de "Adminis­tração" e de “Comunicações’”.
§ 1º - Cada Setor terá um Dirigente, membro da CNMC e um Secretário, servidor público.
§ 2º - Os Serviços de Relações Públicas, de Currículos e Programas Básicos e de Exame de Livros Didáticos vincular-se-ão, sobretudo e respectivamente, aos Setores de Implantação e Manu­tenção da Doutrina, Currículo e Programas Básicos e Exame de Livros Didáticos.
Artigo 12 - A CNMC funcionará em sessões de Plenário e através das atividades permanentes da Presidência, dos Setores da Secretaria-Geral e dos Serviços, com a utilização de Subcomissões e Grupos de Trabalho para assuntos específicos.
§ 1º - As sessões normais constarão de calendário fixado pelo Presidente, com aprovação do Plenário e as extraordinárias serão convocadas pelo Presidente para tratar de matéria urgente ou relevante.

§ 2º - No intervalo das sessões poderão funcionar Subcomis­sões, e os membros da CNMC, individualmente, poderão preparar pareceres, indicações, relatórios e quaisquer outros trabalhos que lhes forem atribuídos.
CAPÍTULO III

PLENÁRIO

Artigo 13 - Compete ao Plenário da CNMC:
a)Elaborar e alterar o Regimento Interno, submetendo o trabalho conseqüente à aprovação do Ministro da Educação
e Cultura;
b)discutir e deliberar sobre os assuntos da alçada da CNMC, inclusive dos que lhe sejam remetidos por autoridade
competente para parecer, bem como sobre os assuntos resultantes de iniciativas relacionadas à Educação Moral e Cívica que visem à realização dos objetivos do Decreto-lei nº 869, de 12 de setembro de 1969; e deste Regulamento;
c)baixar normas para o funcionamento do Plenário, dos Setores, da Secretaria-Geral e dos Serviços, bem como para a tramitação de processos;
d) estudar os processos referentes às infrações das normas do Decreto-lei n.0 869, de 12 de setembro de 1969, deste Regulamento e dos documentos expedidos em conseqüência das suas determinações, comunicando ao Ministro da Edu­cação e Cultura para as providências cabíveis
e)opinar nos processos referentes a currículos e programas básicos de Educação Moral e Cívica;
f)organizar e submeter à aprovação do Ministro da Educação e Cultura as Instruções para exame de livros didáticos, do
ponto de vista de moral e civismo, em cumprimento do disposto na letra "e" do artigo 6.0 do Decreto-lei n.0 869, de 12 de setembro de 1969 e na letra "g" do artigo 10 deste Regulamento.
Artigo 14 - As sessões plenárias instalam-se com a presença de um terço dos membros da CNMC e passam a deliberar com a presença da maioria absoluta do colegiado.
§ 1º - O membro da CNMC, que não puder comparecer às sessões deverá comunicar o impedimento, com a devida antecedência
§ 2º - O "quorum" será apurado no início da sessão pela assinatura dos membros da CNMC na folha do livro de presença.


CAPITULO IV

Setores
Artigo 15 - Os Setores procederão ao estudo e preparo do expediente dos assuntos de suas responsabilidades, que lhes forem distribuídos pelo Presidente ou que decorrerem de suas iniciativas, utilizando-se do Serviço vinculado e solicitando a colaboração neces­sária da Secretaria-Geral e dos Serviços Subordinados.
Parágrafo único - O expediente resultante será encaminhado ao Presidente.

Artigo 16 - As medidas de execução externas, que se fizerem necessárias às atividades de cada Setor, serão submetidas previamente à aprovação da Presidência.

CAPITULO V

Subcomissões e Grupos de trabalho
Artigo 17 - As Subcomissões e Grupos de Trabalho, designados pela Presidência ou por decisão do Plenário, terão existência pelo tempo necessário ao cumprimento dos encargos que os motivaram.
Parágrafo único - Podem ser: especiais, constituídos para fins específicos; externos, destinados a representar a Comissão Nacional de Moral e Civismo nos atos a que deva comparecer; e mistos, organizados com a participação de autoridades ou personalidades especialmente convocadas para matéria relevante.

CAPITULO VI

Presidente, Vice-Presidente e Dirigentes
Artigo 18 - O Presidente é o elemento de pronunciamento coletivo da CNMC, regulador dos seus trabalhos, fiscal do cumpri­mento das. leis, deste Regulamento e do Regimento Interno e suprema autoridade em matéria administrativa.
Artigo 19 - O Presidente da CNMC e os Dirigentes de Setor serão eleitos com mandato de um ano, em votação ostensiva e
nominal por maioria absoluta dos membros do Colegiado, no primeiro escrutínio, e, nos demais, por maioria dos presentes.
§ 1º - O membro da CNMC cujo mandato expirar, permane­cerá no exercício das funções até a posse daquele que tiver sido nomeado para sua vaga. Completada a renovação, pela posse de um terço da CNMC, em cada biênio, far-se-á imediatamente a eleição referida neste artigo.
§ 2º É vedada a recondução do membro da CNMC que haja exercido dois mandatos consecutivos.
§ 3º - O prazo do mandato dos atuais Presidente e Dirigentes do Setor considera-se iniciado na data em que foram realizadas as respectivas eleições.
Artigo 20 - O Vice-Presidente, substituto eventual do Presi­dente será o Dirigente do Setor de Implantação e Manutenção da Doutrina e será substituído, sucessivamente, pelos Dirigentes dos Setores de Currículos e Programas Básicos e de exame de Livros Didáticos.

Artigo 21 - Verificando-se a vacância da Presidência o Vice- -Presidente completará o mandato, elegendo-se novo Dirigente do Setor de Implantação e Manutenção da Doutrina.

Artigo 22 - Compete ao Presidente:
a)convocar e presidir as sessões plenárias, dirigindo as discussões pela concessão da palavra aos membros da CNMC, coordenação dos debates, intervenção para todos os esclarecimentos julgados necessários, resumos periódicos na matéria discutida e manutenção dos rumos adequados dos trabalhos;
b)determinar o não registro total ou parcial de discurso ou aparte, pela taquigrafia ou em ata;
c)promover e regular o funcionamento da CNMC, como res­ponsável por sua administração, solicitando as providências e recursos necessários ao atendimento dos seus serviços;

d)autorizar despesas e pagamentos;
e)designar as subcomissões e Grupos de Trabalho previstos no artigo 17 e distribuir trabalhos aos membros da CNMC,
nos termos do § 2º e do artigo 12;
f)propor servidores para as funções de Chefia ou para o desempenho de encargos especiais;
g)exercer, nas sessões plenárias, o direito de voto e usar o de qualidade nos casos de empate;
h)representar a Comissão, por si ou por delegação;
i)delegar competência;
j)outros encargos a serem definidos no Regimento Interno da CNMC.

CAPITULO VII
Secretário Geral e Chefes de Serviço
Artigo 23 - Cabe ao Secretário-Geral a direção administrativa de todos os Serviços da CNMC.
Artigo 24 - O Secretário geral será nomeado em comissão pelo Presidente da República, dentre pessoas qualificadas para o cargo mediante proposta do Presidente da CNMC, ao Ministro da Educação e Cultura.
Artigo 25 - Cada Serviço será dirigido por um chefe designado pelo Presidente da CNMC.
Artigo 26 - As atribuições do Secretário-Geral e dos Chefes de Serviços constarão do Regimento Interno da CNMC.


CAPITULO VIII
Representação nos Estados e Territórios
Artigo 27 - A CNMC poderá ter em cada Estado ou Terri­tório um representante para encargos de natureza moral e cívica, gerais ou específicos.
§ 1º - A representação da CNMC deverá recair em pessoa de ilibado caráter, elevado conceito, pronunciado espírito cívico e capacidade de ação.
§ 2º - Os serviços de representante da CNMC serio consi­derados de relevante interesse nacional.

CAPITULO IX
Pessoal
Artigo 28 - O Regimento Interno da CNMC disporá sobre a lotação de seu pessoal.
Artigo 29 - A CNMC disporá de funcionários requisitados na forma da legislação em vigor e poderá admitir servidores regidos pela legislação trabalhista, para encargos específicos.

CAPITULO X
Recursos Finaceiros
Artigo 30 - Os recursos financeiros necessários ao funciona­mento da CNMC serio consignados no Orçamento da União.

TÍTULO IV
Das Atividades Extraclasse
Artigo 31 - Na prática educativa da Educação Moral e Cívica, em todos os estabelecimentos de ensino, deve ser estimulada a criação de instituições extraclasse, para atender às finalidades de natureza cultural jurídica, disciplinar, comunitária, manualista, artística, assis­tencial, de recreação e outras, assemelhando, tanto quanto possível, a escola a uma sociedade democrática em miniatura.
Parágrafo único - Os objetivos visados podem ser atingidos através das instituições seguintes, obedecida a seqüência de finali­dades apresentadas neste artigo: biblioteca, jornal, academia, centros diversos, 'fórum" de debates, núcleo escoteiro, centro de formação de líderes comunitários, clube agrícola, oficinas, grêmio cênico-musi­cal, banco, cooperativa, centro de saúde, grêmio esportivo, grêmio recreativo, associação de antigos alunos e outras.
Artigo 32 - Nos estabelecimentos de qualquer nível de ensino, públicos e particulares será estimulada a criação de Centro Cívico, o qual funcionará sob a assistência de um orientador, elemento docente designado pelo Diretor do estabelecimento e com a diretoria eleita pelos alunos, destinado à centralização, no âmbito escolar, e à irradiação, na comunidade local, das atividades de Educação Moral e Cívica, e à cooperação na formação ou aperfeiçoamento do caráter do educando.
§ 1º- As chapas concorrentes às funções da diretoria deverão ser submetidas à aprovação prévia do diretor do estabelecimento.
§ 2º - Os Centros Cívicos deverão:
a)considerar o civismo nos três aspectos fundamentais:
caráter, com base na moral, tendo por fonte Deus, nos termos do Preâmbulo da Constituição do Brasil; amor à Pátria e às suas tradições com capacidade de renúncia, ação intensa e permanente em benefício do Brasil;
b)projetar-se sobre as atividades de classe e extraclasse enumeradas no artigo 31 e seu parágrafo único;
c)elaborar o Código de Honra do Muno, nos níveis primário e médio e o Código de Honra do Universitário, no nível superior;
d)empregar modernos processos didáticos de comunicação e explorar o desejo natural do educando de realizar novas experiências.
§ 3º - Serão membros dos Centros Cívicos em caráter facul­talivo, alunos e professores do estabelecimento.
§ 4º - Nos estabelecimentos dos níveis primário e médio, o Centro será designado Cívico Escolar (CCE) nos de nível superior, Superior de Civismo (CSC).
§ 5º - Os Estados e Territórios da União, bem como o Distrito Federal, poderão organizar uma Coordenação de Educação Moral e Cívica (COMOCI), com a finalidade de promover, incentivar e orientar a prática educativa nos estabelecimentos de ensino dos três níveis, de sua responsabilidade, em todos os seus aspectos. As atividades da COMOCI na coordenação dos Centros Cívicos deverão inspirar-se nas prescrições do artigo 3º
Artigo 33 – O CNMC baixará diretrizes fixando as finalidades e encargos do CCE e CSC, bem como as prescrições necessárias ao seu funcionamento em todas as unidades da Federação.
Artigo 34 - Em cada estabelecimento de ensino de grau pri­mário e de grau médio existirá um circulo de Pais e Mestres destinado a facilitar a participação da família nas atividades escolares, ao trato dos problemas educacionais comuns à escola e à família, às pesquisas julgadas necessárias, bem como à interação nos objetivos visados.




TITULO V
Dos Professores e Orientadores
Artigo 35 - A formação de professores e orientadores para a disciplina Educação Moral e Cívica far-se-á das seguintes maneiras:
Em escolas normais, para o magistério primário;
Em nível superior, para o magistério de ensino médio e superior e para a orientação dos três níveis de ensino.
Artigo 36 - Nos termos do artigo 26 da Lei n.0 5.540, de 23 de novembro de 1968, o Conselho Federal de Educação fixará o currículo mínimo dos cursos de formação de professores de Educação Moral e Cívica para o ensino médio, cabendo ao mesmo Conselho ou ao Conselho Estadual competente fixá4o para as escolas de formação de professores primários.
Artigo 37 - Enquanto não houver, em número bastante, professores e orientadores de Educação Moral e Cívica, a habilitação de candidatos será feita por meio de exame de suficiência, na forma da legislação em vigor.
Parágrafo único - Até que o estabelecimento de ensino disponha de professores ou orientador, diplomados ou habilitados em exame de suficiência, o seu Diretor avocará o ensino da Educação Moral e Cívica, podendo confiá-lo a professores titulados na forma da lei para o ensino de outras matérias e aos especializados em orientação educacional.
Artigo 38 - Em cada estabelecimento de ensino haverá um orientador de Educação Moral e Cívica, especialmente designado pelo Diretor, para coordenar as iniciativas, oportunidades e medidas executivas relacionadas com a disciplina e a prática educativa corres­pondente, cabendo4he a assistência ao Centro Cívico, estabelecido no artigo 32.

TÍTULO VI
DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS

Artigo 39 - A Cruz do Mérito da Educação Moral e Cívica, criada pelo artigo 8º do Decreto-lei n.0 869, de 12 de setembro de

1969, será conferida pelo Ministro da Educação e Cultura, mediante
proposta da CNMC, a personalidades que se salientarem em esforços
e em dedicação à causa da Educação Moral e Cívica.
§ 1º - A CNMC proporá ao Ministro da Educação e Cultura as instruções necessárias ao cumprimento do disposto neste artigo.
§ 2º A partir da data da vigência deste Regulamento, deixará de ser conferida a Cruz do Mérito em Educação Cívica, de que trata a Portaria n.0 376, de 9 de dezembro de 1966, do Ministro da Edu­cação e Cultura.

Artigo 40 - Os órgãos técnicos e administrativos do Ministério da Educação e Cultura prestarão à CNMC a assistência que lhes for solicitada pelo Presidente ou em seu nome, pelo Secretário geral, de modo a ser assegurada a necessária articulação com a Comissão.
Artigo 41 - Este Decreto entra em vigor na data de sua publi­cação, revogadas as disposições em contrário.

Brasília, 14 de janeiro de 1971; 150º da Independência e 83º da República.

EMILIO G. MÉDICI

Jarbas G Passarinho


BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR CONSULTADA


DECRETO-LEI n.0 869, de 12-9-1969, sobre Educação MoraI e Cívica.
EMENDA CONSTITUCIONAL n.0 1, de 17-10-1969.
DECRETO n.0 66.296. de 3-3-1970, sobre a Reforma Administrativa no MEC.
MARITAIN; Jacques, Rumos para a Educação. Rio de Janeiro, Livraria Agir Editora, 1959. 192p.
ROHDEN, Huberto. Novos Rumos para a Educação. Rio de Janeiro, Livraria Freitas Bastos 8.A., 1960. 135p.
BESANT, Annie. A Sabedoria Antiga. Rio de Janeiro, Livraria Freitas Bastos. 315p.
JOLIVET, Régis. Tratado de Filosofia Moral. Trad. de Gerardo Dantas Barreto. Rio de Janeiro, Agir Editora, 1966. 511p.
DE HOVRE, F. Essai de philosophie pédagogique. Bruxelas, Librairie Albert Dewit, 1927.
Ensaio de Filosofia pedagógica. Buenos Aires, Editorial Poblet, 1945. 427p.
SANTOS, Theobaldo Miranda. Manual de Filosofia, 12.8 ed. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1961. 524p.
MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, Tomo 1. Editora Revista dos Tribunais, 1967.
LOPES, Moacir Araújo (Gen.). Coletânea. Departamento de imprensa Nacional,1969 p 20
PAUPÉRIO, Arthur Machado.Introdução ã Ciência do Direito. Rio de Janeiro e São Paulo, Forense. 1969. 305p.
Bases Filosófico-Constitucionais da Educação no Brasil, Imprensa Nacional, 1969. 20p.






















QUINTA CONVERSA __________________________________

M


ovimento Estudantil de 1968
O GOLPE DE 1964
A JUVENTUDE NO ANO DE 1968
MOVIMENTO CULTURAL
REPRESSÃO
O MOVIMENTO ESTUDANTIL CRESCE
As Últimas Conseqüências do Movimento Estudantil e sua Luta
O MOVIMENTO ESTUDANTIL EM SÃO PAULO
O XXX º CONGRESSO DA UNE EM IBIÚNA
CONSIDERAÇÕES FINAIS










Movimento Estudantil de 1968


INTRODUÇÃO

Quando houve a derrubada de João Goulart do poder através de um golpe, do qual se aliou forças armadas, burguesia, classe média e clero; pode-se afirmar com toda certeza que ninguém tinha noção de que o Brasil passaria até a década de 80, em um regime ditatorial, com todas as liberdades civis cerceadas.[42]
O movimento estudantil, assim como outras classes que apoiaram o golpe foram um dos primeiros a se tornar oposição dentro do regime vigente, se manifestaram contra o governo de todas as formas que puderam, fizeram passeatas, congressos, reuniões, greves estudantis (algumas até apoiadas pelos professores); mas não conseguiram mudar a situação país em nada e nem o próprio sistema estudantil, que estava sob a vigência dos acordos MEC/USAID.
O movimento atingiu seu auge e seu declínio rapidamente, puderam contar com o apoio popular na passeata pela morte do estudante Édson Luís, no triste episódio do restaurante Calabouço, mas perderam o apoio popular principalmente em São Paulo, quando os estudantes da USP e da Mackenzie entraram em conflito e outro estudante morreu no confronto, desde então a população quase não volta as ruas e o movimento inicia sua descaracterização.
Quando ocorre o XXX º Congresso da UNE em Ibiúna, os principais líderes estudantis foram presos, a partir disso alguns deixam o movimento ingressam no mundo das drogas, pois sentiam–se impotentes diante de tanta repressão, esse ingresso no mundo das drogas também foi propiciado pelas mudanças que ocorreram no mundo todo. Outros prefeririam iniciar a luta armada e continuaram combatendo com outros grupos mais experientes.
Apesar de não conseguirem nenhuma vitória e nem a conquista de seus objetivos, esses jovens acima de tudo serviram de exemplo para gerações futuras, mesmo que eles erraram em alguns pontos de sua luta, não se deixaram abater pelo comodismo e nem pela repressão de seus direitos de cidadão.
O GOLPE DE 1964
As Mudanças no Novo Regime
O golpe de 1964 contou com o apoio de praticamente toda a sociedade civil, a campanha contra o comunismo foi alardeada pelo país e o presidente João Goulart foi deposto. O regime se inicia com a Operação Limpeza, onde políticos, jornalistas, militantes e estudantes são expurgados de suas atividades.

A maioria da população acreditava que o golpe seria provisório e que logo o poder seria devolvido aos civis, mas não foi isso que aconteceu, foram abertos os Inquéritos Policiais Militares (chamados de IPM’s), para investigar os subversivos, desde o primeiro ano do regime a lista não parou de crescer.
Em outubro de 1965, é publicado o Ato Institucional 2 ou também denominado AI-2, que centralizava o poder nas mãos do Executivo, controlando o Congresso, restringindo o Judiciário, e instala o bipartidarismo MDB e Arena também conhecidos como partidos do sim e do sim senhor.
A sociedade que apoiou o golpe se vê dividida, algum tempo depois e o movimento estudantil já dá os primeiros sinais de revolta contra o golpe. No primeiro dia do golpe de 64 a UNE foi invadida, depredada e incendiada, a UnB também sofreu uma séria de invasões.
A Constituição de 1967, responsabiliza a todos as pessoas pela Segurança Nacional, sendo criado na mesma época a Lei de Segurança Nacional, que supria as garantias processuais no julgamento de crimes políticos. No ano de 1969, essa lei só foi reforçada.
Com a Constituição de 67, fica decidido que não haveria convocação da Constituinte e nem seria aceito qualquer tipo de oposição, as eleições seriam indiretas, o Congresso não pode emendar os projetos e se não os votassem a tempo eles seriam aprovados da mesma maneira, o AI-1 e AI-2 continuaram a existir e a autonomia econômica e política dos estados e municípios foi sensivelmente reduzida.
No início do governo de Castelo Branco, foi criado o PAEG, que considera a inflação como inimiga da economia, o FMI lança o projeto para mudar a economia do país, para amenizar a situação econômica o arrocho salarial foi aplicado, enquanto as camadas mais ricas da sociedade continuaram com seus privilégios inabalados, o capital estrangeiro sai mais beneficiado dessa situação, visto que eles dominavam o país em acordo com os militares.
O Ato Institucional 3 fixa o calendário eleitoral, elimina as eleições diretas para governador, nas eleições o partido governista expande sua base administrativa, para eleições presidenciais a linha dura sustenta o nome de Costa e Silva, que sai vencedor.
Quando o presidente Arthur da Costa e Silva assume veremos que promessas são feitas a fim de amenizar a situação entre a classe rebelde e o governo, mas veremos que isso não ocorre, muito pelo contrário, Costa e Silva foi muito mais ditador que seu antecessor e a situação só se agrava, principalmente relacionada com a classe estudantil.
O deputado Márcio Moreira Alves realiza um discurso em protesto ao fechamento da UnB, propõe o boicote ao militarismo, que a população não participe dos desfiles de 07 de setembro e que as moças não namorem os militares, apesar de ter pouca repercussão no Congresso, veremos que o Regime não o perdoa e propõe a cassação de seu mandato, mas o Congresso não aceita a cassação e a reação é das piores possíveis.
O Ato Institucional 5 foi promulgado depois de uma reunião do Conselho de Segurança Nacional, com a solitária discordância do vice civil Pedro Aleixo, é permitido ao presidente inúmeras atitudes arbitrárias até então jamais cometidas no país.
Com esse novo Ato Institucional, o governo militar provava que vinha para ficar e que não aceitaria oposição de quem quer que fosse, poderia ser desde políticos até o movimento estudantil, todos seriam sufocados, e a ordem que valia seria a do Presidente e de todos aqueles que estavam ligados a ele. Esse regime só iria melhorar no período chamado de abertura política com Ernesto Geisel.
A JUVENTUDE NO ANO DE 1968
A Quebra dos Padrões Vigentes
O ano de 1968 foi marcante não só pela revolução estudantil, mas pela mudança de comportamento, grande número de divórcios, esposas deixando a vida matrimonial para ingressarem na luta armada, jovens iniciando a vida sexual mais cedo e combatendo qualquer espécie de ordem vigente.
As mulheres passaram a tomar pílula, adquirindo sua liberdade sexual, até então inexistente, talvez esse ano tenha sido o de maior rompimento nos padrões e no comportamento, essas jovens de tão entorpecidas que ficaram pelo desejo de negar e de romper, acabaram fazendo muitas coisas que não precisavam e talvez não desejavam.
A maioria das mulheres viam no casamento uma espécie de prisão e mesmo sendo felizes acabavam se divorciando para romper tabus, o sexo passava a ser o principal assunto nas livrarias e nas bancas de jornais, as mulheres eram as principais leitoras, debatia-se até mesmo se sexo deveria se tornar disciplina escolar.
A pílula anticoncepcional, ainda despertava alguns espantos, não só porque ainda não se sabia quais efeitos que ela poderia provocar, mas também porque muitos viam nela sinônimo de promiscuidade.
Sem dúvida que o advento da pílula ainda não conseguia atingir a todas as camadas sociais e nem à todas as idades muitas mulheres estavam ligadas a idéia de casamento = sexo = maternidade, enquanto isso os homens poderiam ter toda e qualquer liberdade sexual dentro ou fora do casamento e completamente dissociada da idéia de procriação.
Em termos políticos, o ano de 68 não conseguiu uma vitória muito grande, mas em termos de mudanças de comportamento só conseguiu ser freado na década de 80, com o surgimento da AIDS.
Muitos políticos não conseguiam enxergar nessa mudança de comportamento um fenômeno político, principalmente os comunistas, já a ala direitista e militar tratou de prender e exilar todos aqueles que no meio artístico poderiam ter qualquer tipo de influência sobre esses jovens revolucionários e com o passar do tempo outros líderes acabaram sendo presos também. Para os comunistas essa mudança comportamental associada a drogas e sexo, era uma regressão e não uma evolução e quem quisesse fazer parte do chamado Partidão, não poderia de maneira alguma ser usuário de entorpecentes e muito menos ser homossexual (atitude essa completamente abominada).
A Intelectualidade Estudantil
O Movimento Estudantil no Brasil no ano de 1968, não pode ser considerado apenas uma conseqüência dos movimentos estrangeiros que ocorreram no mundo nessa mesma época, isso porque a situação política, econômica e social no Brasil era completamente diferente e com particularidades próprias.
Essa luta estudantil teve inspiradores como Karl Marx e Mao Tsé Tung, eles reivindicavam principalmente a liberdade, o fim da ditadura e a melhora dos sistema capitalista brasileiro, esse movimento não teve nada de pacifista e contou com inúmeros confrontos entre estudantes e polícia.
A imprensa foi muito importante nesse processo, pois divulgou o movimento estudantil tirando muitos estudantes da inércia e os ativando para a luta política, todos os órgãos da imprensa que eram a favor do regime foram tão reprimidos quanto os jovens.
Os órgãos de Imprensa se apresentavam de forma diferente em relação ao movimento, alguns defendiam e outros atacavam, a revista Visão sempre se apresentou favorável aos militares e contra os estudantes, depoimentos e opiniões de civis e militares eram sempre colocados em detrimento as idéias estudantis, que nunca tiveram espaço na revista.
O Jornal Correio da Manhã, no Rio de Janeiro se pronunciava sempre em favor dos estudantes e sempre foram severamente reprimidos pelos ditadores até ser fechado no ano de 1974, por problemas econômicos, mas era do conhecimento de todos que o problema era pelas idéias do jornal e dos militares serem divergentes. Esse jornal sempre deixou um espaço aberto para que os jovens pudessem se manifestar a favor das idéias de liberdade e contra a opressão capitalista que o país estava sofrendo.
No segundo semestre de 1968, quando a luta se concentrou em São Paulo, veremos um destaque especial para a participação do Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, também apoiando o movimento estudantil, com espaços dentro dos jornais para a manifestação oficial e a revista Veja também recém fundada fazia diversas retrospectivas sobre o movimento estudantil e sua atuação dentro do Brasil. Esse apoio da imprensa paulista, não ocorreu o tempo todo pois quando a juventude passou a aderir a luta armada veremos claramente que tanto a Folha de São Paulo, quanto a Veja, se posiciona contra o movimento.
A Juventude no Ano de 1968 no Mundo
· FRANÇA
Na Universidade de Sorbonne, os estudantes pedem dormitórios coletivos, o pedido evoluiu para uma Reforma Universitária e em seguida para a sociedade. Os operários entram em greve e associam-se aos estudantes; ocupam as fábricas e os estudantes a escolas. Ocorre junto com a Revolução Sexual.
O mundo dos estudantes e dos operários era completamente diferente e nenhum se interessava pelo outro, a idéia deles era a frente, quando cada um conseguisse seu objetivo ela seria desmanchada. A Revolução Sexual consistiu na invenção da pílula (era a segurança que as mulheres tinham de não engravidar), o homem passa a se sentir ameaçado, pois agora a mulher tinha os mesmos direitos que ele.
A classe conservadora não sabia o que fazer com a sociedade subversiva, a liberdade influenciou o mundo todo e pareceria não ter controle. O governo conservador de Charles de Gaulle com a classe média vai reagir. Foi dado aumento salarial aos operários que saíram do movimento; a juventude perde o braço sindical e a frente se desmancha. A polícia desocupou as escolas e os estudantes estrangeiros como Daniel Bem Condht foram deportados, além de muitos terem apanhado dos policiais.
A classe média e os governadores são sempre conservadores; houve uma quebra dos padrões e a reação obviamente vem com a força.
é CHINA
O presidente Mao Tsé Tung, não atingiu a meta de dobrar a produção chinesa, estava desgastado no PCC e promoveu a Revolução Cultural Chinesa; segundo ele apenas os jovens poderiam resgatar os valores do comunismo, as velhas lideranças teriam afrouxado.
O livro vermelho de Mao estimula os jovens a ocupar os postos de liderança, recuperando o poder político às custas de muita recessão. Nem sempre o movimento de juventude é progressista, muitas vezes eles são colocados no contexto pelo processo de manipulação das classes mais abastadas.
Mao transferiu todo os problemas econômicos, políticos e individual acarretados pela sua má administração, para o plano cultural, ideológico e coletivo. O poder de todo o país foi entregue para jovens de 15 a 19 anos, muitos professores acabaram sendo demitidos e o país virou um verdadeiro caos; isso fez com que as pessoas retomassem a credibilidade em Mao e sua volta ao poder fosse gloriosa.
éTCHECOSLOVÁQUIA
O líder checo Alexander Dubceck lança a idéia de uma série de reformas, dentre ela o socialismo com face humana; ela fazia parte da URSS, pelo Pacto de Varsóvia ( a fim de se defender da OTAN), era socialista, mas não fazia parte das 15 Repúblicas Soviéticas.Houve o fim da censura e o aumento das liberdades individuais, mesmo não sendo de forma declarada acabava com o socialismo, pois este se afirma sobre o bem coletivo acima do individual.
O nome dessa reforma foi chamada de Primavera de Praga, que implicava em efervescência da população; as tropas do Pacto de Varsóvia invadiram a região e a dominaram em 6 horas, acabando com os planos do líder Alexander.
é ESTADOS UNIDOS
O movimento de 68, chegou aos Estados Unidos na forma de contestação da Guerra do Vietnã, os jovens se negavam a lutar e denunciavam a guerra se manifestando contra. Nasceu a música de protesto e nesse momento ocorreu o Festival de Woodstock, em uma fazenda e os jovens que participaram abusaram do álcool, sexo e drogas, sempre pregando a liberdade, a paz e o amor.
Além desse movimento surgiu também os Black Powers e os Black Panters que significa respectivamente Poder Negro e Panteras Negras, Martin Luther King lutou pelas minorias negras, ao presenciar, dentro de um ônibus uma atitude racista de uma branca para com uma negra e mobilizou milhões de negros, a fim de que reconhecessem e lutassem pelos seus direitos.
MOVIMENTO CULTURAL
Talvez esses jovens da década de 68 tenham sido os mais inteligentes do século XX, no Brasil, se formaram com livros e mesmo admirando o cinema e a música, sua arte e seu instrumento de luta sempre foi a palavra, eles estudavam, debatiam e partiam para as ruas. A televisão apesar de ser novidade não fez sucesso entre MOVIMENTO CULTURAL
Talvez esses jovens da década de 68 tenham sido os mais inteligentes do século XX, no Brasil, se formaram com livros e mesmo admirando o cinema e a música, sua arte e seu instrumento de luta sempre foi a palavra, eles estudavam, debatiam e partiam para as ruas. A televisão apesar de ser novidade não fez sucesso entre eles, exceto na apresentação dos Festivais da Música Popular Brasileira, onde diversos talentos foram revelados.
Manifestando-se através da Arte
O cinema para eles era uma forma de se manifestar, era um mecanismo de linguagem e de ação política, nesse contexto muitos nomes já apontavam como o de Glaúber Rocha, Jean Luc Godard e Cacá Diegues, produzindo e dirigindo grandes obras.
Nesse contexto, surge a música popular brasileira, mas como corrente específica que valoriza a brasilidade e o vínculo com o povo, os regionalismos, o Nordeste, tanto nos ritmos e melodias como na temática das letras, sem recusar influências da bossa nova, projetando aí alguns dos valores musicais mais influentes da 2-ª metade do século.
Em todo esse movimento repressor, uma das figuras de maior destaque era Chico Buarque, mesmo sendo considerado um pacifista por muitas pessoas, veremos que a idéia que o cerca em relação aos rumos que o país deveria tomar em relação a ditadura eram outros complemente diferentes e sempre que possível tentava colocar isso em prática, principalmente através da manifestação cultural.
Uma das peças que mais escândalo causou nos militares é Roda Viva, mesmo título que o premiou no 3-º Festival da Canção da TV Excelsior. Essa peça agredia ao público intelectualmente, formalmente, sexualmente, politicamente, contestando qualquer proposta artística anteriormente formulada. Naquele momento a oposição poderia encontrar um refúgio nas artes para existir. Muitos se levantavam no meio da peça e saiam, não conseguiam permanecer até o fim, sentindo-se ofendido pelo conteúdo do texto.
A censura no teatro, já se iniciara no primeiro ano de regime militar, a peça Liberdade, liberdade precisou sofrer 25 cortes para poder ser assistida, ou seja para o teatro sobreviver não poderia agir, mas isso não implicava que estaria livre da censura. Foi feita uma greve de 72 horas nos teatros do Rio de Janeiro e de São Paulo e uma vigília na escadaria do Teatro Municipal do Rio, a fim de se manifestar em contra as injustiças cometidas contra a classe cultural no Brasil.
Os festivais de MPB, das TVs Excelsior e Record de São Paulo, lembram os programas de auditório da fase áurea do rádio; no 1-º Festival de Música da Excelsior, em 65, premia Arrastão, de Edu Lobo e Vinícius e lança Elis Regina. No 2-º Festival da Música da Record, em 66, vencem Disparada (de Geraldo Vandré e Theo de Barros), cantada por Jair Rodrigues com a Banda de Chico Buarque.
O 3-º Festival tem uma crescente participação popular e marca a estréia do Tropicalismo, com Alegria, Alegria de Caetano Veloso, que obtém o 4-º lugar, após Ponteio de Edu, Domingo no Parque de Gilberto Gil e Roda Viva de Chico Buarque. No 4-º Festival, em 68 É Proibido Proibir de Caetano, provoca bate boca entre o autor e a platéia. Nessa época programas de auditório lançam muitos cantores que são consagrados até hoje, dentre eles Milton Nascimento.
A Jovem Guarda, outro programa da TV Record (65-69), protagonizado por Roberto Carlos e Erasmo Carlos, lidera no gênero ie-ie-ie, Roberto se torna líder de vendas e ídolo das adolescentes, representa o rock brasileiro que vem do exterior. Esse movimento irrita tanto os militantes, quanto os governantes, pela forma rebelde e alienada que viviam dentro da sociedade. Usavam cabelos longos, as atitudes eram existenciais, evitam criticar o regime tanto na sua essência econômica como política e usavam roupas diferentes do convencional.
TROPICALISMO
Se inicia no 3-º Festival da Música Popular Brasileira, ao som de Alegria Alegria, interpretada por Caetano Veloso e os Beat Boys, era uma canção com uma linguagem urbana e fragmentária que caracterizava o cotidiano da classe média. O Tropicalismo busca uma relação mais próxima entre fruição estética e crítica social, isso desestruturou as músicas de protesto com os conteúdos críticos.
No mesmo Festival Gilberto Gil apresenta a canção Domingo no Parque, sendo acompanhado pelas guitarras e pela necessidade de liberdade dos Mutantes, com o arranjo do criador Rogério Duprat. A complexidade narrativa desta música causou um grande impacto, ao mesmo tempo que provocou os ouvintes com sua proposta inovadora de misturar ruídos de parque, guitarras, berimbau e instrumentos clássicos.
Nesse momento, outros cantores já participavam do Tropicalismo dentre eles: Gal Costa, Torquato Neto, Capinam, Os Mutantes, Rogério Duprat, Tom Zé, Nara Leão, Caetano e Gil que eram considerados os líderes do movimento e mesmo o regime militar não sabendo ao certo o que significava as letras daquelas músicas preferiam não permiti-las e acabou perseguindo seus autores e cantores e muitos foram exilados. Isso fez com que o movimento se desarticulasse, mas sua proposta musical não se perdeu de maneira alguma e muitos foram influenciados por eles.
Neste meio, a tendência da Música Popular Brasileira, ligada aos setores que contestavam o sistema, eram as chamadas músicas de protesto, que propunham uma forte relação entre o conteúdo de crítica social e a melodia. Neste ambiente estavam Edu Lobo, Carlos Lyra, Chico Buarque e Nara Leão, eles davam sua opinião através de shows, programas de auditório e mesmo através das músicas.
A literatura favorita deles era Marx, Mao, Guevara, Débray, Lukacs, Gransci, James Joyce, Hermam Hesse, Norman Mailer e Marcuse, nessa época até O Capital de Karl Marx foi traduzido para o português. Ler naquela época era como assistir TV hoje.
Durante o Regime Militar, é do conhecimento de todos que no Brasil ocorreram muitas mudanças, tudo devido a política extremamente autoritária implantada, assim que transcorreu o golpe.
Acabar com a Ditadura: Luta Armada x Luta Organizada
A derrubada da ditadura era idealizada por muitos, havia uma divisão muito clara em dois grupos um acreditava que a ruptura deveria ser violenta, vários setores estavam organizados nesse grupo, sendo a maioria estudantes, enquanto um outro grupo defendido e organizado pelo PCB, acreditava que o processo deveria ser lento e que resultaria em uma ruptura, sem utilizar de qualquer espécie de violência.
O PCB acabou perdendo sua identidade e se isolando dos problemas reais despertados com a crise política, sua idéia era de fazer muitas alianças e se esqueceu da verdadeira luta em sua essência. Essas divergências aconteciam não só nos métodos de se tomar o poder, mas também no conteúdo político.
A Participação do Movimento Estudantil
Desde já é complicado acusar esses jovens de lutarem em vão, o mundo estava em efervescência e eles tinham exemplo vivos de luta revolucionária ou que morreram pela causa como: Guevara, Fidel, Mao e Ho Chi Minh, os jovens brasileiros já haviam sentido na pele a primeira derrota que era a implantação da ditadura no ano de 1964, acreditavam que agora deveriam fazer alguma coisa no ano de 1968, só que mais uma vez não irão conseguir.
Esses jovens se organizavam em Assembléias, onde se discutia tudo, qualquer lugar era ideal para sua realização e assuntos era o que não faltava, tempo não existia, somada as Assembléias teremos também as passeatas, onde os jovens se uniam e iam às ruas reivindicar tudo que eles achavam de direito deles e da população.
Os estudantes que estavam na faculdade ou em cursos secundários passavam a maior parte de seu tempo em Assembléias ou em Passeatas, o tempo dirigido ao estudo era muito pouco, enquanto isso a direita se vangloriava que os estudantes brasileiros ao invés de se preocuparem com os estudos viviam em ações políticas.
Qualquer ação desses jovens era relacionada com política, ato sexual, roupas, pensamentos, amizades, relações familiares tudo era política. O ano de 66, foi muito importante porque os jovens saíram as ruas a fim de conseguiram mais verbas para educação e o fim do acordo MEC/USAID, com o passar dos anos até a ditadura sufocar completamente o movimento, se tornou uma cena muito comum os jovens entrarem em confrontos com a polícia, os habitantes da cidade estavam se acostumando de ver a batalha campal que havia se transformado a cidade.
Os jovens faziam sua própria política, consideravam o MDB ineficiente pois ele se aproximava da população só em períodos eleitorais, além de ter sido organizado pelo próprio governo, em relação a Frente Ampla eles a consideravam demasiadamente burguesa e sem condições de chegar ao povo.
Era preciso ser cauteloso, porque a polícia não brincava, havia inúmeras recomendações que deveriam ser seguidas distribuído em um manual pelo Comando Intelectual, nele se ensinava a maneira de se vestir, o que comer, como se comportar em caso de choques com a polícia, as medidas preventivas contra gases iam de forma detalhada, os estudantes se dividiam em grupos de cinco e só o comando sabia a hora e o local da manifestação.
O Congresso da UNE no ano de 65, foi realizado de forma clandestina, pois o governo havia colocado na ilegalidade qualquer movimento ou foco de manifestação estudantil. Ele foi realizado em Belo Horizonte, entre duas missas num dos salões do porão da Igreja de São Francisco de Assis, no Convento dos Padres Franciscanos, isso porque a sede da UNE em Minas Gerais estava fechada e havia sido colocada na ilegalidade.
O 29-º Congresso da UNE não atingiu as perspectivas desejadas, seus líderes estavam demasiadamente envolvidos com a política e não deram a devida atenção aos anseios estudantis, mas de qualquer maneira a participação foi bem maior e teve que ser realizado de forma clandestina também.
A Polícia já estava toda mobilizada nas proximidades da sede, se caso os estudantes não aceitassem a autoridade governamental e ainda insistissem em realizar o Congresso, tudo transcorreu pacificamente na clandestinidade e tanto os jovens quanto o clero recebeu total apoio da sociedade por se manifestarem clandestinamente por uma justa causa e não fugirem de seus ideais.
O mês de setembro de 1966, foi um dos mais importantes para o movimento estudantil, houve a suspensão das aulas na Faculdade de Direito, 178 estudantes paulistas foram presos, greves em São Paulo e passeatas de protesto em Minas Gerais.
Ao contrário da UNE, a UEE paulista, tem seu Congresso fechado pelos policiais, seus integrantes foram presos, e em resposta ocorreu o Dia Nacional de Luta contra a ditadura, convocando toda a juventude do país e acabaria no dia 23 com o Massacre da Praia Vermelha.
O governo em repúdio a todas essas manifestações através da Lei Suplicy, extinguiu a UNE e por decreto criou a o Diretório Nacional dos Estudantes, mas por não representar os estudantes acabou no ano de 1967. O Movimento Estudantil levou o presidente e seus auxiliares ao estado de desespero, o SNI pagava caro pelas informações que levassem aos estudantes considerados como rebeldes.
De todas as determinações feitas pelo governo federal, era a de tentar acabar com o senso crítico dos estudantes, e a maioria das matérias de ciências humanas eram proibidas de serem lecionadas, ou seu conteúdo era totalmente reformulado, a fim de que nada que se passasse no país de real, pudesse chegar ao ouvidos dos alunos.
O lema lançado pela ditadura para reprimir os estudantes era: “Estudantes são para estudar e trabalhadores são para trabalhar”. Isso deixava bem claro que os repressores não estavam brincando de maneira alguma e todos aqueles que ousassem desafiar a nova ordem, poderiam ter certeza de que sairiam marcados para o resto de suas vidas. O ensino foi direcionado para a educação técnica e não para a reflexiva, os alunos saíam dos cursos profissionalizantes e iam para as fábricas trabalharem e atenderem a mão de obra das multinacionais.
O Movimento Estudantil se revolta contra os acordos feitos entre MEC/USAID e o Relatório Atcon que propunha uma modernização autoritária da universidade, sem atender as reivindicações estudantis, com isso o imperialismo norte americano se estende ao Brasil.
Acordos MEC/USAID
· 1964 MEC/USAID: foi feito para o aperfeiçoamento do Ensino Primário, visava a contratação de 6 acessores americano por dois anos.
· 1965 MEC/CONTAP/USAID: para a melhoria do Ensino Médio, previa acessoria técnica americana para ensino e treinamento de técnicos brasileiros nos Estados Unidos.
· 1965 MEC/USAID: para dar continuidade e suplementar com recursos e pessoal o primeiro acordo para o ensino primário.
· 1966 MINISTÉRIO DA AGRICULTURA/CONTAP/USAID: para treinamento de técnicos rurais.
· MEC/SUDENE/CONTAP/USAID: para criação do Centro de Treinamento Educacional em Pernambuco.
5.3 Legislação e Novas Universidades
· 1964: a lei 4440, institui o salário educação, proveniente de empresas. Foi fundada a instituição FUNABEM (Fundação de Bem Estar do Bem Menor), substituindo o antigo SAM, se torna vinculado ao presidente da República.
· 1965: decreto lei 55.551 estende o salário educação a todos os empregados públicos e privados. É fundada a Universidade de Itaúna em Minas Gerais.
· 1966: decreto lei 53, objetivando a reforma universitária, caracterizando a instituição como ensino e pesquisa.
· 1967: Comissão Meira Matos para analisar a crise estudantil e sugerir mudanças no sistema de ensino, principalmente nas universidades. É criado o MOBRAL ( Movimento Brasileiro de Alfabetização), mas devido a sua péssima estrutura não resistirá muito tempo. É fundada a Universidade de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul.
· 1968: a lei 5.537, de 28 de novembro fixa normas de organizações e funcionamento do ensino superior e sua articulação com o ensino médio. O decreto lei 405 de 31 de dezembro fixa normas par o incremento de matrículas no ensino superior. É fundada a Universidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, a Universidade Federal do Piauí, a de São Carlos em São Paulo e a de Sergipe.
· 1969: decreto lei 574, proíbe as instituições educacionais de promoverem redução de suas vagas iniciais. É fundada a Universidade Federal de Ouro Preto e Viçosa (Minas Gerais), a de Pelotas, Rio Grande e Vale dos Sinos, todas no Rio Grande do Sul.
· 1971: a lei 5692 regulamentando o ensino de primeiro e segundo grau, entre outras determinações amplia a obrigatoriedade escolar para oito anos, aglutina o antigo primário como o ginasial, suprimindo o exame de admissão e criando a escola única profissionalizante. O parecer 853, do Conselho Federal de Educação define a doutrina do currículo, indica os conteúdos do núcleo comum, apresentando o conceito matéria, indica os objetivos das áreas de estudo e do processo educacional. O decreto 68.908, dispôs sobre o concurso, vestibular, fixando as condições para o ingresso na Universidade.
No ano de 1971, a LDB, definiu a nova reforma estudantil, de acordo com o MEC/USAID, e se assenta sobre três pilares:
Educação e Desenvolvimento: procurava transformar os alunos em profissionais de mão de obra barata ou meros executantes de tudo que era trazido pelos americanos para cá, ou seja, o governo reconhece o apoio recebido dos americanos e dá um jeito de fazer com que eles lucrem nessa história toda.
Educação e Segurança: foi introduzido no país, as matérias de Moral e Cívica, OSPB e EPB; isso significava que havia uma imposição da ditadura dentro das escolas sob a forma de ideologia, além é claro da redução de carga horária de matérias como geografia e história.
Educação e Comunidade: a relação entre escola e comunidade reduz-se a interferência da empresa na escola visando a captação de mão de obra. Os alunos eram formados de acordo com os interesses das empresas, cada um tinha noção do que faria e não havia noção do todo.
A VIOLÊNCIA CONTRA O MOVIMENTO ESTUDANTIL
A Morte de Edson Luís de Lima Souto
No mês de janeiro os estudantes do restaurante Calabouço, manifestam-se em passeata para melhorias nas condições de higiene e funcionamento, sendo duramente reprimidos pela polícia, houve manifestações também pelo aumento das vagas na faculdade.
A polícia e as entidades governamentais já sabiam do movimento que ocorreria no dia 28 de março no Restaurante Calabouço, tanto é que estavam no local Polícia Civil, Polícia Militar e DOPS, esse confronto resultou na morte do estudante Édson Luís.
Em nenhum momento a superintendência da Polícia Executiva e os assessores do Secretário de Segurança admitiram que houve violência policial contra os jovens, sempre afirmaram que quem agia com violência eram os estudantes e que a polícia apenas se defendiam e mantinha a ordem. O Restaurante Calabouço ficou todo depredado e cheio de balas, que obviamente eram das armas dos policiais, o estudante de 18 anos, Édson Luís de Lima Souto foi morto por policiais, sendo esse o pior momento da luta entre policiais e jovens estudantes, além dele havia outro ferido grave Benedito Frazão Dutra. A revolta dos jovens foi tamanha que o corpo não saiu dali nem para fazer autópsia.
O velório foi feito no hall da Assembléia, onde o tumulto ainda prosseguia, pois a polícia não havia deixado o local, mesmo sob ordens expressas do governador da Guanabara de não permanecerem ali, pois motivariam mais violência e revolta por parte dos estudantes.
O número de pessoas que acompanharam o velório era enorme, durante toda a noite pessoas entravam e saiam, artistas de renome do teatro carioca compareceram, os teatros e cinemas se fecharam e a sociedade decretou luto, a morte desse estudante representava o quão sério e violento estava o regime militar.
Édson Luís havia completado 18 anos no dia 24 de fevereiro, era baixo, moreno com cabelos pretos, lisos, fisionomia de nortista, com os dentes estragados. Era órfão de pai, estava no Rio de Janeiro há três meses para cursar o 1-º ciclo no Instituto Cooperativo de Ensino, anexo ao Calabouço, onde passava a maior parte do dia, inclusive auxiliando em serviços burocráticos da secretária e de limpeza do estabelecimento, pois não conseguira emprego. Ele era apenas mais um manifestante assim como outros jovens não poderia ser encarado como um líder ou uma fonte de inspiração para outros jovens, se tornou depois a inspiração para a retomada da justiça.
Quando o enterro estava pronto para sair, quase ao anoitecer a cidade estava no escuro (estranha coincidência), mas nada impedia a multidão de tomar a Cinelândia com slogans que eram exibidos em faixas ou gritados pela população, dentre eles o que mais marcou foi o seguinte: “Mataram um estudante. E se fosse um filho seu”. Durante mais de duas horas o cortejo percorreu os 6 km até o cemitério, a população do alto dos edifícios jogava pétalas de rosas e papel picado, o Hino Nacional era entoado com vigor por todos que acompanhavam o trajeto.
Quando a população entrou no cemitério São João Batista, iluminando as ruas completamente escuras, o Hino Nacional voltou a ser entoado pela multidão, que era mais de 50 mil pessoas.
A Reação a Morte de Edson Luís
O assassinato de Édson Luís provocou uma união entre a população e o movimento estudantil, provando que tantas Assembléias, Manifestações e Passeatas tinham algum objetivo, não eram movimentos de uma juventude que não tinha nada para fazer e sim de quem sabia a gravidade da situação no país e que desejava mudar esse quadro.
Em vários estados do país eclodiram manifestações apoiando o movimento estudantil carioca e prestando solidariedade a morte de Édson Luís. Em Goiânia a PM chega a invadir a Catedral Metropolitana, ferindo a bala dois estudantes que participavam de uma reunião. Em Brasília a repressão também está presente, na passeata do dia 29 de março, quando os estudantes contando com o apoio popular saem às ruas, incendeiam carros da Polícia e queimam os palanques destinados a comemorar o 4-º aniversário da Revolução, o estudante João Ferraz de Lima foi ferido.
Em Minas Gerais, a reação também foi violenta e o DOPS estava sempre de prontidão para reprimir as passeatas e impedir a perturbação da ordem. No Rio de Janeiro, em primeiro de março os jovens foram para a rua como quem vai para a guerra, depredaram lojas, bancos, viraram carros oficiais, os manifestantes chegavam a travar verdadeiros combates com os policiais.
O dia 1-º de abril não deixava um saldo muito positivo das manifestações: 26 civis foram atendidos em hospitais como o Souza Aguiar e Miguel Couto; 30 soldados feridos com cacos de garrafas e pedradas; um estudante morto e outros baleados. O governador da Guanabara, aceita até mesmo auxilio do governo Federal para controlar a situação, pois previa muitos confrontos naquele dia e foi o que realmente ocorreu.
Depois da morte de Édson Luís veremos que a juventude resolve partir para uma luta armada, não se importando com as reações que viria da polícia, os estudantes estavam vivendo a chamada guerrilha urbana, e devolviam a polícia tudo que haviam aprendido com ela nas manifestações, estavam acostumados primeiramente a apanhar e correr, depois aprenderam a bater.
São Paulo, nesse contexto de 1-º de abril foi um dos locais mais pacíficos do Brasil, a polícia permitiu manifestações, lá não houve confronto algum com os manifestantes e tudo transcorreu bem, provando que quanto mais polícia existia em um local, mais problemas existiria.
A Missa de Sétimo Dia
As vésperas da missa de Édson Luís veremos que tanto o Exército quanto a UNE, lançam notas expressando sua opinião para alertar a população quanto aos acontecimentos da morte do estudante, cada um defendendo o seu lado. Os estudantes receberam o apoio de Carlos Lacerda, que havia sido um dos articuladores do golpe de 64, mas reconhecia que o Regime Militar estava passando dos limites, os estudantes descartaram sua ajuda e preferiam permanecer na luta sozinhos.
O clima para a missa de sétimo dia de Édson Luís era tenso, tanto na Igreja, nos meios estudantis, mas principalmente na polícia de forma geral. Muitas pessoas permaneceram em diálogo a noite toda, tentando achar uma solução pacífica para a missa não acabar em confronto com a polícia.
O governo havia decretado ponto facultativo nas repartições e feriado bancário; o comércio foi aconselhado a não funcionar, a partir das 6 horas da manhã, as tropas do I Exército da Polícia Militar do Corpo de Fuzileiros Navais, começaram a ocupar os pontos estratégicos da cidade
A polícia estava tão preparada que um grupo de pára-quedistas chamados de Par Sar havia recebido ordens para executar as pessoas do alto dos edifícios, se jogassem objetos na polícia. Houve a proibição de missas ao ar livre sob a ameaça de ser decretado Estado de Sítio no país.
O Rio de Janeiro estava em clima de guerra, transitava pela cidade tanques das Forças Armadas e qualquer manifestação teria seus participantes declarados como inimigos da pátria, e contra eles o regime não teria a menor clemência.
Foi logo depois da comunhão, quando a missa estava no final, que começaram a chegar ao altar-mor os inquietantes ruídos de cascos de cavalos pisoteando o asfalto. Eles vinham misturados ao ranger de freios das viaturas policiais, ao ronco de um avião que sobrevoava o local e a plastia de guerra. E era um pouco isso o que acontecia em frente da Igreja da Candelária no começo da noite de 4 de abril - uma guerra que tinha começado de manhã e que ameaçava recomeçar agora. Antes de chegar ao altar, os ruídos haviam passado naturalmente pela nave do templo, provocando, primeiro, uma espécie de paralisia, depois um início de pânico.[1]
Havia aproximadamente 600 pessoas na Igreja da Candelária, as nuvens de gás lacriminogênio já penetravam pelas frestas da janela que os policiais haviam jogado para dispersar a população, após o término da missa o padre não autoriza ninguém a sair da Igreja.
Na frente da praça da Igreja havia 3 fileiras de policiais à cavalo, depois o Corpo de Fuzileiros Navais e para terminar os agentes do DOPS, não havia como sair sem passar pelo cerco policial.
Houve tumulto até se para chegar ao local da missa, foi necessário a intervenção das autoridades eclesiásticas, uma hora antes da cerimônia começar, cada grupo respectivo de policiais intervinha em pontos estratégicos a fim de proibir a entrada.
Quando chegaram a porta, os sacerdotes deram as mãos e formaram duas correntes no meio das quais iam os estudantes. Havia mais de 100 cavalos ali, prontos a dispararem a 450 metros por minuto, agitados com a quantidade de gás que havia sido jogado para dispersar a população.
Só não houve um verdadeiro massacre aquele dia pela ação dos padres, que conseguiram evitar o confronto com a polícia, ao contrário do que aconteceu com a missa realizada pela manhã.
As manifestações decorrentes do assassinato do colega Édson Luís trouxeram para o povo um enorme ganho político. A ditadura Costa e Silva desmascarou-se como a do extinto Castelo Branco já o fizera, demonstrando assim que os governos anti povo não conseguem esconder o seu caráter quando estes vão às ruas defender seus interesses. Além disto desta feita, participaram não só estudantes, mas também outras camadas espoliadas da população brasileira, mostrando que o povo está aprendendo que é nas ruas, através da pressão de massas organizadas, que se luta.[2]
REPRESSÃO
Cerco à Liberdade
Ainda no mês de abril foi baixada a portaria 177 pelo Ministro da Justiça Gama e Silva, proibindo qualquer manifestação, reunião, comício, desfile ou passeata promovido pela Frente Ampla, os líderes eram Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos Lacerda, antigos inimigos políticos, que não conversavam há alguns anos, mas que preferiram deixar o orgulho e as desavenças de lado, a fim de resolverem a situação.
As dificuldades desse movimento se apresentarem a partir da formação do movimento, visto que deveriam ser superadas as diferenças políticas dos líderes, convencer população da veracidade e das boas intenções do movimento e ainda sim enfrentar a oposição do governo. Não conseguiram o apoio de Leonel Brizola, de Jânio Quadros e Miguel Arraes por não acreditarem que conseguiriam sucesso nessa causa, o governo era contra principalmente Carlos Lacerda que ainda possuía cargo político.
Costa e Silva havia passado alguns dias no sul do Brasil, governando o país de lá, ao voltar nada comentou sobre o possível Estado de Sítio que poderia ser decretado, deu completo apoio ao ministro Gama e Silva, para acabar com a Frente Ampla e fez breves comentários sobre o Movimento Estudantil e seus confrontos com a polícia. Seu governo sempre adotou uma política pendular ora de extrema violência, ora de atitudes pacifistas
O governo inúmeras vezes se utilizou do movimento estudantil para justificar sua violência, a morte de Édson Luís é o exemplo disso, pois veremos que era um jovem, pobre, trabalhador, recém-chegado, não tinha nada de subversivo e foi assassinado injustamente, sua morte não possuí justificativa, mobilizou a população e tirou as dúvidas de qualquer em relação a violência ditatorial.
O governo tenta reagir a oposição que se formava afirmando que a polícia só reagira aos jovens e que não procuravam agir com a violência, mas todos os fatos levam a acreditar o contrário e infelizmente o governo não convence e só provoca mais ira.
A imprensa assume posturas bem diferentes em relação ao caso, ambas condenam a ação policial, mas cada uma a sua maneira. O Correio da Manhã (jornal de oposição ao regime) atribui a violência não só a Polícia Militar, mas também às autoridades civis e militares responsáveis pela sua ordem, acusa a polícia de impedir um ato justo e legítimo, não sendo compatível com a democracia, além desse jornal estar sempre presente a favor dos jovens como já mencionamos acima, e até ser fechado foi um dos jornais mais realistas do período, pois quando o Movimento Estudantil errava também era criticado por ele.
O jornal Visão responsabiliza tanto a polícia quanto estudantes pelo uso de violência, além de argumentar que o violência da Polícia Militar só abria mais espaço para os jovens atuarem da mesma maneira, comprometendo mais ainda a unidade nacional e por conseqüência exigindo como única medida do governo atitudes extremistas.
Assim como o ato bárbaro da morte de Édson Luís, a polícia não hesita em agir com violência para represar a população no dia 1-º de abril, e na missa de 7-º dia quando fica prestes a atacar a população e só não o faz pela ação do clero. Todas as vezes a desculpa utilizada era que não atacava apenas respondia ao Movimento Estudantil, mas de qualquer maneira todos já sabiam do que a repressão ditatorial era capaz de fazer.
Outra fonte de acusação do governo era a ligação do Movimento Estudantil com os comunistas, MDB e Frente Ampla mas isso não era verídico, visto que os jovens destruíram as bandeiras do Partido Comunista e vaiaram Carlos Lacerda, a idéia do Movimento Estudantil é que nem a Frente Ampla e nem o MDB tinham força para derrubar o governo, além de serem extremamente aburguesados.
Durante o ano de 68, a violência atingiu totalmente a sociedade, partindo dos estudantes ou da própria repressão policial, nem se usava mais o diálogo e os dois grupos não poderiam se encontrar em local algum, que sempre saia qualquer tipo de conflito. A luta havia se tornado uma batalha campal, com bombas, cacetetes, pedradas, pauladas, tiroteios. O governo usava qualquer coisa como motivo e os estudantes lutavam pelo restabelecimento da democracia, mas já não o faziam por vias pacificas. Uns intitulavam os estudantes de agitadores e outras de que eles ficavam apenas na defensiva para serem atacados.
O Movimento Estudantil deixa de lutar apenas pelo seu direito e parte para as ruas auxiliando o movimento operário, além de um manifesto da UNE em apoio aos mesmos, enquanto a luta dentro das universidades prosseguia contra a Política Educacional do Governo, os acordos MEC-USAID e a cobrança de anuidades.
Em Belo Horizonte e Rio de Janeiro, muitos estudantes foram presos e torturados, em maio a Casa do Estudante, foi invadida e seus moradores espancados, em junho houve a greve da URFJ que recebeu o apoio dos professores, secundaristas e integrantes da FUEC.
Sexta Feira Sangrenta
Os estudantes marcaram uma concentração dia 11 de junho, no pátio do MEC, a ordem do governo era evita-la de qualquer maneira, em nota oficial afirma-se que dessa maneira não haveria entendimentos entre governo e estudantes. Antes mesmo da chegada dos estudantes, todo o aparto policial estava montado já para aguarda-los, jogando gás lacrimogêneo, espancando, atirando jatos d’água e prendendo algumas pessoas.
A passeata não prossegue como as classes estudantis desejavam e é marcada nova concentração, enquanto são publicadas notas de conteúdo duvidoso que o governo no dia 11 estava aberto ao diálogo enquanto os estudantes desejavam apenas a baderna.
No dia 19 de junho o Rio de Janeiro se transforma em uma batalha campal, por volta do meio dia os primeiros estudantes se dirigiriam ao Ministério da Educação para uma nova concentração, enquanto um grupo iria dialogar com Tarso Dutra, o ministro da Educação, os que haviam ficado do lado de fora foram recebidos pelos policiais com cassetetes, bombas de gás lacrimogêneo, jatos d’água e os estudantes revidando com pedradas e pauladas. Essa semana iniciaria uma das mais violentas no Rio de Janeiro.
O ministro ainda afirma que estava disposto ao diálogo, mas que os estudantes só aceitavam a luta e exigiam a libertação dos presos, as autoridades governamentais já estavam preocupadas com a repercussão que isso poderia trazer, principalmente se fosse televisionado.
Dia 20 de junho, Quinta feira, os estudantes reúnem-se no campo do Botafogo, essa Assembléia Geral tinha sido convocada pela UNE, quando alguns representantes das faculdades chegaram, os policiais já estavam postados nos arredores da Praia Vermelha, os policiais não paravam de chegar a todo momento. Naquele dia mesmo que sendo a força, uniram-se estudantes, reitores e conselheiros e conseguiu-se estabelecer um diálogo perfeitamente pacífico, dentro da reunião ninguém agiu com violência.
A polícia só aumentava o contingente populacional a espera dos estudantes, o reitor Clementino Fraga Filho, tivera a garantia do chefe do policiamento de que os estudantes poderiam sair pacificamente que nada de mais ocorreria e que a saída dos estudantes da reunião seria bem tranqüila. O reitor ainda conversa com o governador que garantia que dentro de dez minutos os estudantes poderiam sair em paz, que o contigente policial não estaria mais ali.
O Secretário de Segurança traí a confiança de todos e os policiais ainda continuavam ali, talvez até o próprio governador tivesse desconhecido essa atitude, pois sua ordem havia sido para a retirada. O massacre contra os estudantes começa novamente. Talvez nesse momento o presidente Costa e Silva realmente perdera a autoridade perante a população, pois longe da polícia nada tinha acontecido.
Essa violência cometida no dia 20, foi longe demais, as fotos indignavam qualquer um, os soldados urinavam sobre os corpos indefesos ou passeando o cassetete entre as pernas das moças, junto às imagens de jovens com as mãos na cabeça, ajoelhados ou deitados de bruço com o rosto na grama. O resultado disso tudo foi a prisão de 311 jovens, além do espancamento de muitos outros e a violência sexual cometida contra as moças.
No dia 21, na Sexta feira, os estudantes são convocados e convidados a participarem de uma passeata contra tudo que estava acontecendo, mais uma vez surge a proposta de conversar com o ministro da Educação e foram enganados de novo. Quando chegaram ao local combinado a polícia já estava de prontidão e durante todo o dia se instala a mais perfeita guerra nas ruas da cidade.
Os agentes do DOPS atiravam bombas de gás lacrimogêneo, senhoras grávidas desmaiavam, crianças perdiam-se das mães e eram esbofeteadas pelos policiais, a cidade estava se transformando em uma praça de guerra.
Nesse confronto estavam não só os estudantes, mas o clero e a população de um modo geral também estava ativa no movimento e não desejava que se repetisse contra os jovens as humilhações do dia anterior. A luta entre estudantes e policiais se deu até as 4 horas da tarde, depois disso veremos que a luta prosseguiu entre a população e os policiais, esses manifestantes, não faziam parte de qualquer grupo organizado, na verdade estavam apenas colaborando com o movimento estudantil.
Muitos jovens tem as pernas quebradas sob os cacetetes dos soldados, bombas são atiradas pelos detetives nas entradas dos edifícios, essa batalha se inicia aproximadamente depois do almoço e vai até o anoitecer. Os habitantes dos apartamentos e escritórios jogavam do alto dos edifícios, cinzeiros, garrafas, vasos, grampeadores, furadores e até máquinas de escrever.
A única força que ousou desafiar a população foi a cavalaria, mas ainda assim se sentiram acuados, os cavalos avançavam a 450 m por minuto, se a cavalaria não dominava a população quem deveria avançar posteriormente seria a Divisão Blindada com tanques em plena Avenida Rio Branco.

O MOVIMENTO ESTUDANTIL CRESCE
Passeata dos Cem Mil
Antes de ser organizada a Passeata dos Cem Mil, os estudantes se propuseram a conversar com o governador e exigir dele atitudes coerentes em relação às atitudes extremistas da polícia, infelizmente ao governador caberia muito pouco a ser feito.
Foi autorizado a realização de uma passeata com um itinerário pré definido pelo próprio governador da Guanabara, mesmo isso não agradando a todos os manifestantes, ( essa passeata já desrespeitava as ordens do regime e não poderiam ir longe demais), foram necessários 3 dias de negociação, a fim de que nada saísse errado entre os principais líderes do movimento estudantil e o governo. O pedido mais solicitado foi a ausência da polícia em tudo isso, o governador cumpriu com sua palavra e no dia não existiam guardas nas ruas.
O líder do Movimento Estudantil Vladimir Pereira falava para uma multidão de 50 mil pessoas que o ouvia sentada na rua, essa atitude foi muito comentada na imprensa de um modo geral, visto que intelectuais, diplomados e alguns políticos oposicionistas ouviam pacientemente um jovem de 23 anos com idéias vagas para derrubar uma ditadura imposta há 4 anos. Ele orientava a todos que não praticassem nenhum ato violento durante a passeata, pois a polícia não estaria ali e deveriam também cumprir com sua palavra perante o governador.
Chegavam pessoas de todos os cantos da cidade, de todas as classes sociais e os que ainda temiam manifestações agressiva por parte dos policiais observavam tudo do alto de sus residências e jogavam papéis picados e aplaudiam por onde a passeata passava.
A passeata se inicia às 14:00hs passando pela rua Rio Branco, convocam todos que ainda não tinham coragem de participar, percorrem mais ou menos duas horas de trajeto, sob a liderança de Vladimir Pereira. Para encerrar foi queimada uma bandeira dos Estados Unidos representando o fim do Imperialismo em nosso país e foi eleita uma comissão para discutir com o governador os principais problemas do movimento estudantil.
Dentro do Movimento Estudantil, eles não deixavam de transparecer algumas divisões internas, uns optavam pela luta armada, enquanto outros pela luta organizada e dentro da própria passeata, ouvia-se claramente os gritos a favor de cada uma de suas posições. Independente disso todos eram a favor do fim da ditadura, e o modo como ela fosse extinta seria o de menos.
A Comissão Popular formada pelos membros atuantes da Passeata dos Cem Mil decidem que o governo teria uma semana para cumprir todos os objetivos selecionados para negociação, os pedidos eram: libertação dos presos (estudantes ou não), reabertura do restaurante Calabouço, anulação da censura aos teatros e reforma da Universidade de acordo com a proposta estudantil.
Foi convocada uma mobilização dos estudantes do estado da Guanabara para um levante do Rio e São Paulo, em primeiro lugar e posteriormente Minas Gerais, Brasília e Bahia. Tudo que o governo pudesse fazer para proibir a passagem das imagens pela televisão ou pelos jornais era feito.
As lideranças estudantis nos principais Estados iniciaram ontem preparativos para manifestações de solidariedade aos estudantes da Guanabara, decidiram realizar uma passeata também amanhã “custe o que custar”. Em Salvador, Bahia, mais de 200 estudantes foram presos na Sexta feira última, depois que a Polícia Militar e agentes federais ocuparam todas as faculdades da Universidade Federal. Em Porto Alegre, a greve iniciada na Faculdade ameaça alastrar-se por todas as escolas. Em Recife, mais de 2100 soldados da Polícia Militar ocuparam os pontos estratégicos da cidade, na Sexta feira, para evitar manifestações de solidariedade aos estudantes da Guanabara.[3]
Repressão x Insubordinação
Cada vez mais as autoridades governamentais viam a necessidade do endurecimento do regime. Foi realizado entre o presidente Costa e Silva e a Comissão dos Cem Mil uma reunião, a fim de negociarem sobre as reivindicações propostas, mesmo muitos sendo permanentemente contra esse diálogo ele era necessário.
O governo se nega a abrir o restaurante Calabouço afirmando que ele era o centro das insubordinações da juventude, além do que o governo já distribuía bolsas-alimentação; se a questão fosse alimentação a preços acessíveis já estaria resolvido.
Pela ausência de negociações, veremos que os estudantes voltam às ruas no dia 04 de julho sem a participação da polícia novamente, o número de manifestantes nessa passeata foi bem menor. Os estudantes não obedecem as ordens do governo e passam a ser chamados de subversivos e perturbadores da ordem, além de se infiltrarem em todos os meios da sociedade.
Dentro do movimento estudantil veremos que surge uma certa paranóia de perseguição, na verdade, eles não estavam totalmente errados, visto que os militares sabiam perfeitamente se infiltrar em algum movimento e não serem percebidos isso não acontecia em relação ao PCB. No dia da passeata dos 100 mil em que Vladimir Pereira foi escoltado para conseguir chegar até o local sem ser preso, havia agentes da polícia junto como sua guarda pessoal e ele nem percebeu. Isso foi revelado muitos anos depois.
A repressão também se utilizava das escutas telefônicas como meio de infiltração contra os meios subversivos, o DOI-CODI na década seguinte se tornou especialista nisso. O esquema mais sólido contra as infiltrações da repressão eram dos membros do PCB, que por viver há muito na clandestinidade, fugia facilmente da ditadura.
O governo se especializa nesses órgãos de informações como o CENIMAR, CISA, DOPS; além dos delatores originais que negociavam as informações com os agentes, recebendo por isso. Para que não houvesse problemas com a mão-de-obra especializada dos agentes de informação eles passaram a ser treinados ainda jovens se especializando com o passar do tempo.
Essa equipe de repressão era bem sucedida porque não se vinculava as prisões, apenas descobriam o que iria ser feito e denunciavam, além do que a maioria da juventude tinha o firme propósito que todo militar era burro, isso de uma certa maneira facilitava para eles, assim dificilmente eram descobertos a respeito de suas atitudes.
A política educacional do governo foi errada, até os relatórios emitidos pela CIA deixavam claro que a perspicácia do movimento estudantil com a freqüência de passeatas e mobilização popular poderiam derrubar o governo.
A luta contra a ditadura passa do âmbito estudantil e atinge a população, dois fatos denotam isso claramente quando participam do enterro de Édson Luís e também da Sexta feira Sangrenta, a imprensa passa a noticiar os acontecimentos e demonstrar a gravidade do regime documentando claramente que a polícia era quem primeiro atacava para depois reagir e a população não tendo direito de se manifestar também entrava no conflito.
O Movimento Estudantil ficou permanentemente proibido de fazer manifestação de qualquer caráter de forma pública pelo Ministro Gama e Silva, a ditadura fica completamente desnorteada, pois o Movimento Estudantil se propõe a luta armada, enquanto que a adoção do Estado de Sítio, circulava entre as Forças Armadas, mas devido a gravidade do problema isso seria entendido como uma provocação para a população.
Com o tempo a ditadura ia acirrando a repressão contra a população, fazendo com que o diálogo não se tornasse mais possível isso em quase todos as camadas sociais.
A juventude se manifestava contra tudo e contra todos, até mesmo no III Festival da Canção Internacional, onde Caetano Veloso, apresentava a música que deveria representar o Brasil, é “Proibido Proibir”, houve enormes vaias partindo da platéia, fazendo com que o cantor realizasse um discurso a ofendendo e aos jurados também, alegava que com aquele comportamento desconexo, o Brasil jamais teria sua ditadura derrubada, pois os jovens não sabiam o que queriam e nem o que fazerem.
De todos os festivais o que mais emotivou a juventude com uma canção diferenciada, e sendo eleita como o hino anti repressão foi a música de Geraldo Vandré: Para Não Dizer Que Não Falei das Flores, ou um nome bem abreviado Caminhando e Cantando, ela participou depois de todas as passeatas e todos os movimentos anti ditadura.
Enquanto Vandré cantava, o presidente do júri, diplomata Donatelo Grieco, anotava discretamente na ficha “left” (esquerda). No dia seguinte, o mesmo general Luís de França traduziria aquela observação em português diplomático.
“Essa música é atentória à soberania do país, um achincalhe às Forças Armadas e não deveria nem mesmo ser inscrita”. [4]
Depois do sucesso da música, vem a ruína de seu compositor, a partir de 6 de outubro, passou a ser uma das pessoas mais visadas dos militares e depois da vigência do AI-5 um dos mais perseguidos.
Não só a musicalidade brasileira tinha um desfecho trágico naquele ano de 1968, mas veremos que a situação já beirava o extremo com a idéia de um plano terrorista que deveria matar 100 mil pessoas em plena cidade do Rio de Janeiro e a culpa recaindo sobre os comunistas.
A idéia seria a explosão de um gasômetro na Avenida Brasil, às 18 horas, momento de maior circulação na cidade; esse acidente só não ocorreu porque o capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho que participava do grupo pára-quedista Para Sar não aceitou o desafio. A idéia era narrada na íntegra de como deveria ser pelo brigadeiro João Paulo Burnier.
Além da explosão deveriam ser atirados ao mar de helicóptero, 40 pessoas aproximadamente dentre eles: Carlos Lacerda, Jânio Quadros, Juscelino Kubitschek, D. Hélder Câmara e o geral Olímpio Mourão Filho.
O plano seria dividido em 2 partes: a primeira seria pequenos incidentes nas portarias de locais estratégicos, até então o número de mortes seria reduzido, posteriormente a explosão do gasômetro e de Ribeirão das Lajes, matando aproximadamente 100 mil pessoas. O capitão Sérgio e sua equipe, iria salvar a população e receberiam medalhas por honra ao mérito.
As Últimas Conseqüências do Movimento Estudantil e sua Luta
Ainda no primeiro semestre do ano de 1968, veremos claramente o saldo dos feridos entre Movimento Estudantil e Polícia nas ruas, a comissão encarregada de apurar a morte de Édson Luís concluí que os culpados foram os policiais, neste mês de agosto ainda morreu o estudante Manoel Rodrigues Ferreira baleado na Sexta feira Sangrenta e no dia 29 um estudante foi ferido com um tiro na cabeça pela polícia, quando houve a invasão da UnB.
No início de agosto ainda veremos a prisão do líder estudantil Vladimir Pereira que há um certo tempo vinha sendo procurado pela polícia por autorização presidencial os comandantes do I, II, III e IV Exércitos reprimiram as manifestações populares. Com tanta repressão ocorre uma divisão no movimento estudantil, de um lado o grupo liderado por Vladimir Pereira que viam a impossibilidade de lutar para tomarem o poder, desejavam tudo através de vias pacíficas, já o grupo de Travassos afirma que a ordem deve ser reconquistada com a luta armada.
A Invasão da UnB
As lutas não cessavam, primeiro no Rio de Janeiro depois São Paulo e logo em seguida Brasília, onde 30 carros da Polícia Civil, duas companhias da Polícia Militar, agentes do DOPS e do SNI e mais 12 choques da Polícia do Exército invadiram a Universidade de Brasília, arrombando salas de aula, espancando alunos, professores, parlamentares e até um major do Exército que estudava lá, além do ferimento grave do estudante Waldemar Alves da Silva por uma bala na cabeça.
A reação das autoridades em Brasília, foi de tamanha violência principalmente porque desejavam prender alguns estudantes, que estavam na faculdade e eram considerados subversivos, nesse dia de massacre, 5 foram presos, dentre eles Hernestino Monteiro Guimarães. A real intenção desses estudantes era levar para todos na sociedade as idéias de democracia e luta anti ditadura, ou seja promover uma conscientização na maioria alienada, representando assim um grande perigo para a sociedade.
Outra desculpa utilizada pela polícia é que havia contribuição do reitor Caio Benjamim Dias para realização de atividades subversivas além da apreensão de materiais contrários as idéias do regime político vigente.
A ação da polícia foi duramente condenada pelas autoridades do Senado, da Câmara Federal, foi comprovado através de denúncias que o ato havia sido premeditado, talvez esse ato tenha assustado tanto porque os estudantes estavam em aulas enquanto a policia invadia a faculdade.
O comportamento mais dúbio nesse caso foi do próprio presidente que afirmava não saber de nada, mas rejeitou o pedido de demissão do reitor que era acusado de se envolver nas atividades, o Ministro da Justiça por sua vez mesmo recebendo acusações ainda permanece no cargo o que só dificulta as investigações. Gama e Silva passa a ser acusado de se aliar aos militares radicais. E muitos deputados da Arena e do MDB que desejavam a anistia e o relaxamento da ditadura passaram a ser cassados.
O MOVIMENTO ESTUDANTIL EM SÃO PAULO
A Rua Maria Antônia
O movimento estudantil em São Paulo, ocorreu no 2-º semestre, na rua Maria Antônia, onde se localizavam as duas faculdades de maior destaque da época, a Filosofia da USP e a Mackenzie, esse conflito se generaliza entre uma disputa estudantil, por motivos desvinculados a ditadura, oferecendo pretexto aos militares para que eles considerassem o movimento como subversivo.
Os universitários da USP desejavam há um certo tempo mudanças para politizar mais o meio estudantil dentre eles: a Faculdade aberta nas férias a fim de transforma-la em um centro de reuniões e discussão política e organização dos universitários secundaristas a fim de que houvesse continuidade no movimento.
A maioria dos líderes estudantis faziam parte da UNE e se organizaram na cobrança de pedágios para a realização do XXX º Congresso, os estudantes da Mackenzie, passaram a reagir com pedradas iniciando aí o conflito.
A luta foi travada entre os estudantes de filosofia e o CCC (Comando de Caça aos Comunistas), que lideravam os estudantes da Mackenzie. A batalha continua no dia seguinte com uma organização bem maior agora com bombas de gás lacrimogêneo e outros produtos perigosos. A Faculdade Mackenzie estava mais bem organizada para a luta.
A batalha se iniciou no dia 02 de outubro, tem como saldo a morte de um jovem José Guimarães, ao contrário da morte de Édson Luís, essa morte acabou não causando comoção na população, pois ele foi assassinado pelos próprios estudantes em um conflito aparentemente sem fundamento. Na passeata pela morte de Luís Guimarães foram incendiados quatro viaturas policiais.
A propagação dos movimentos radicais extremistas, estavam assustando a todos pois passavam a agir por conta própria, sem medir as causas e muito menos as conseqüências de seus atos.
Nova passeata foi feita no dia do enterro do jovem assassinado, participando mães, estudantes, intelectuais, professores e artistas, mais uma vez ocorre conflito com a polícia, pessoas saem feriadas e os estudantes apedrejam o City Bank, viram e incendeiam um carro da polícia rodoviária.
O conflito entre polícia e manifestantes ocorre constantemente, a população participa do alto dos prédios, e no comércio aceitando a entrada dos estudantes fugitivos e proibindo a entrada da polícia.
O prédio da Filosofia estava totalmente destruído, os membros do CCC ocuparam um prédio ao lado da Mackenzie para poder destruírem o prédio da Filosofia de um ângulo melhor, a resposta da Filosofia seria também invadir a Mackenzie com a mesma violência.
Nesse momento de extrema violência, chega a polícia que deveria se manifestar em prol dos estudantes da USP por ser uma faculdade federal e que estava sendo invadida por estudantes de escola particular, mas não é isso que ela faz, mesmo de forma indireta veremos que ela fica ao lado dos alunos da Mackenzie, em sua maioria representados pelos membros do CCC e quando a população reage presenciaremos a seguinte cena:
Ao ver que não encontraram resistência, os assassinos desceram para a rua, com foguetes afastaram a multidão que estava próxima, incendiaram a entrada principal da faculdade, ao som do Hino Nacional hastearam a bandeira brasileira. A polícia no local, nada fez. Porém aproximadamente 300 pessoas que se encontravam nas proximidades, vaiavam e atiravam pedras nos agressores. Neste momento a polícia age prontamente perseguindo a multidão.[5]
Tanto os estudantes da USP quanto da Mackenzie reúnem-se para decidir que rumo deveria ser tomado nessa passeata e na luta entre os grupos, mas nada é decidido, a USP agora só pensava no Congresso Estudantil.
A Repercussão do Movimento da Maria Antônia
O conflito entre polícia e estudantes ocorre simultaneamente em várias partes dos país com invasões à Universidades de São Paulo, do Rio de Janeiro e Belo Horizonte. No dia 08 de outubro, a Polícia Militar invade mais duas escolas, haveria uma passeata no dia seguinte e a polícia já se organizava para repreende-la conseguindo impedir sua realização.
Os jovens começam a se organizar para o Congresso da UNE, a Marinha decreta a prisão de Vladimir Palmeira, José Dirceu, Luís Travassos, além de um pedido de processo para o deputado Márcio Moreira Alves.
O governo passa a decretar os estudantes como inimigos a serem combatidos, os estudantes evitam confrontos para somar forças para o Congresso da UNE.
Quanto mais ocorre a repressão, mais ainda os assaltos e os ataques terroristas prosseguem, já não se sabe mais quem são os culpados, direita ou esquerda, independente de quem o faz devem ser considerados como radicais, o governo com todo seu aparelho de segurança e informação afirma ser necessário tomar providência, mas não culpa ninguém.
A atuação da polícia no segundo semestre de 68, nos movimentos causa um paradoxo, para alguns principalmente os aliados aos manifestantes, alega que ela causa mais violência enquanto outra parte alega que graças a sua atuação não ocorreram tragédias maiores.
Quando os estudantes passam a agir com violência, perdem muito apoio da população, que viam nisso um desvio da causa. Só por efeito de comparação Édson Luís no dia de sua morte, estava almoçando em um restaurante universitário do qual trabalhava para se sustentar, com pequenos serviços, enquanto Luís Guimarães morreu com as mãos cheia de pedras para continuar a guerrilha na rua Maria Antônia. Talvez esse movimento não fosse mais capaz de levar as ruas a enorme quantidade de pessoas como conseguiu na Passeata dos Cem Mil.
O Governo do Rio e de São Paulo pede trégua aos estudantes, e que cessassem os movimentos de rua, a princípio o pedido foi acatado, mas logo depois eles reiniciam a luta, e ao contrariar o governo provocam ainda mais conflitos, esses estudantes acreditavam que o movimento da Maria Antônia tivera um saldo positivo e que por sua vez traria um bom resultado para o Congresso da UNE, mas se o movimento das ruas falhou o Congresso pior ainda. Enquanto isso o CCC queria impedir o movimento e continuava a ser contra o Congresso.
O XXX º CONGRESSO DA UNE EM IBIÚNA
Os Problemas e a Prisão
Até hoje são incertos os motivos que levaram o Movimento Estudantil a organizar esse Congresso em Ibiúna, visto que o governo já havia deixado claro que qualquer tipo de manifestação seria duramente reprimida.
Ibiúna é uma cidade no interior de São Paulo com uma população predominantemente rural, a data marcada foi 12 de outubro de 1968. Os líderes do movimento divergem entre si (José Dirceu, Jean Marc, Marcos, Franklin e Vladimir Pereira), sobre a origem da idéia de realiza-lo e de qual facção do movimento idealizou o Congresso.
O certo é que a repressão policial não tardou a aparecer, levando para a prisão uma grande quantidade de pessoas e exilando os líderes do movimento. Esse sítio não era muito difícil de ser descoberto, se chamava Murundu, a família que cuidava dele, o cedeu para o movimento estudantil acabou perdendo seus direitos sobre a propriedade e o chefe da família acabou sendo preso e torturado pela Oban na frente de sua família.
A história diverge no que se refere a denúncia do Congresso e a chegada da polícia. Muitos acreditam que quem denunciou foi o lavrador Miguel Góes, muitos já afirmam que a presença dos jovens na cidade seria impossível não despertar qualquer tipo de suspeita, visto que esvaziaram todos os armazéns da cidade.
Quando Vladimir Pereira recebeu a notícia de que a polícia iria chegar ao Congresso, houve divergência e conflito entre os principais líderes do movimento, pois cada um queria realizar a retirada de um jeito.
Eles ainda pretendiam realizar a eleição para o novo presidente da UNE, quem iria concorrer seria: Jean Marc van der Weid da AP, era apoiado por Luís Travassos; José Dirceu, da Dissidência, apoiado por Vladimir; e Marcos Medeiros, representando o PCBR. Eles propunham inicialmente que se retirasse os líderes para que o Movimento não ficasse abandonado caso houvesse prisão em massa, mas alguns não concordaram e ainda no momento da reunião a polícia chegou.
O aviso que Vladimir recebeu estava correto realmente a polícia viria, mas quanto ao horário a imprecisão acabou prejudicando o grupo, pois eles se preparavam para receber a polícia em horário posterior e ainda realizarem a eleição e a saída de modo organizado e distante da estrada única que levaria ao lugar, talvez através de atalhos, mas isso foi impossível. A chegada foi anunciada através de bombas e tiros disparados para cima.
O Congresso da UNE tinha tudo para dar errado, havia agentes da polícia infiltrados lá, além de ser impossível reunir uma população daquele tamanho em uma cidade tão pequena sem despertar a mínima suspeita.
Quando a polícia chegou quase não houve resistências, visto que a população estava se alimentando e dormindo mal, além de muito cansada. São enfileirados e vigiados a cada 5 metros por um guarda armado em posição de tiro. O líder Vladimir Pereira foi preso pela segunda vez, mas ali acabava definitivamente toda sua luta pelo movimento estudantil, visto que só foi libertado no ano de 1969, quando houve o seqüestro do Embaixador dos Estados Unidos no Brasil, o resgate seria sua liberdade e de outros presos políticos.
Quando esses jovens foram apanhados no sítio, em sua bagagem havia muitas leituras consideradas subversivas dentre elas : Karl Marx e Che Guevara, além de cartazes talvez as armas eram bem menos preocupante.
Os documentos pessoais não foram encontrados junto com as bagagens, os estudantes não reagiram nem a prisão e nem a revista de suas coisas pessoais, foram levados para prisões comuns e tratados como qualquer prisioneiro, já os líderes foram levados para o DOPS.
A Polícia que cuidava do caso vinculou o movimento estudantil ao terrorismo, a fim de que ficasse evidente que eram subversivos, e sem intenções reais com a luta estudantil. A UNE foi declarada ilegal, pois praticou ato subversivo, essa declaração foi emitida por Hely Meireles, que não aceitava mais qualquer reunião, não só da UNE, mas também do Movimento Estudantil feito em Congressos, ou locais fechados.
Os estudantes, como não podiam protestar, iam para as salas de aula e ficavam debatendo os assuntos políticos tendo o apoio integral dos professores, que também protestavam contra o fechamento da UNE e tudo que era feito contra o Movimento Estudantil, principalmente os professores das matérias como: História, Geografia, Sociologia, Filosofia e mais algumas.
As mães também se revoltam com tantas prisões injustas e fazem um papel importante para providenciar os alimentos, remédios e roupas além de tentar tira-los da prisão, principalmente os filhos cujos pais não moravam na capital paulista. Toda essa mobilização foi importante porque muito menos estudantes acabaram ficando presos, se deixassem nas mãos do governo para liberta-los legalmente com toda a certeza não aconteceria.
Juntamente com o DOPS veremos a atuação do CCC, que chega até mesmo a ameaçar de morte o advogado Abreu Sodré que havia libertado os estudantes, além de não deixarem haver mobilização alguma por parte do Movimento Estudantil, quando os estudantes são soltos da prisão.
Com a prisão dos principais chefes do Movimento Estudantil, veremos que a luta estudantil fica completamente sem rumo, pois cada um tinha uma idéia diferente do que fazer e nem todos achavam correto continuar fazendo tantas passeatas e movimentos subversivos, pois a atuação da polícia era cada vez mais completa e o apoio da população, já não era como antes. Muitos acreditavam na existência de um novo golpe, mas não ocorreu.
Todos opinavam na continuidade do movimento, e sob o comando de Elinor Brito e Carlos Alberto Moniz, aproximadamente 100 mil estudantes cariocas, ocuparam por 30 minutos a antiga sede da UNE e incendiaram um carro oficial, bloqueando o trânsito através de bancos, tábuas e pedras de barricadas para impedir a ação do DOPS, na verdade, a idéia deles era mostrar para todos que a UNE ainda existia mesmo que suas principais lideranças estivessem presas.
Os estudantes realizam o “Dia Estadual do Protesto”, se organizando para expulsar de maneira violenta, os terroristas do MAC, CCC e FUR, os estudantes iniciam seu protesto com a realização de duas passeatas e várias assembléias internas. Partem para a porta do Hospital das Clínicas, onde inauguram a estátua “liberdade 68”. Logo o DOPS responde atacando os estudantes.
Sua fuga foi realizada dentro do hospital, onde também funcionava a faculdade de Ciências Médicas, obviamente que o hospital foi cercado e invadido por policiais. Desta vez não houve nem diálogo entre estudantes e polícia, o local foi invadido, tiros e bombas foram atirados a todos os lugares, muitos ficam feridos e mortos ainda não se sabem, só há certeza de um jovem.
Os estudantes realizam uma passeata de protesto pelo colega que havia sido assassinado no quebra quebra do hospital, o jornal o Correio da Manhã, narra a atuação dos policiais, eis aqui:
Um escriturário e um operário foram mortos ontem à tarde, (...) quando a Polícia Militar dissolveu uma passeata com rajadas de metralhadoras e tiros de calibre 38 e 45, enquanto o governador Negrão de Lima afirmava desconhecer que a polícia da Guanabara use armas de fogo na repressão de manifestantes estudantis. Durante 15 minutos os policiais atiraram contra os estudantes que, mesmo assim, não se dispersaram, permanecendo à noite em assembléia geral.[6]
A família do jovem morto não aceita rezar missa de sétimo dia, diante do excesso de violência praticado pela polícia, além disso todas as manifestações previstas para se realizarem no Rio de Janeiro e em São Paulo tem que ser adiadas por excesso de repressão policial. Isso faz com que os jovens se reunam apenas em escolas, ou em outros locais para debaterem suas idéias.
O Ato Institucional 5
Quando o Congresso absolve o deputado Márcio Moreira Alves do processo de cassação e todos os presentes comemoram cantando o Hino Nacional, ninguém tinha idéia de qual seria a resposta do governo, que considerava não só o discurso do deputado uma ofensa, mas também o ato que acabava de ser narrado pelo rádio, somado a isso ainda tinha o Movimento Estudantil, que não cessava de desafiar, não só o Presidente mas também todo o comando de Justiça do país.
O Palácio das Laranjeiras no dia 12 de outubro viveu um de seus dias mais movimentados, o presidente comunicou que naquela noite não receberia mais ninguém, mas que já tinha reposta para tudo que estava acontecendo no país, e que no dia seguinte todos os interessados ficariam sabendo.
Isso não contentou o ânimo de muitos políticos que visitaram a noite toda o Palácio sendo recebidos por Jayme Portella, dentre os que passaram por ali foram: o brigadeiro Burnier, os generais Munis Aragão, Antônio Carlos Muricy, Delfim Neto, Marcelo Soares, Leonel Miranda e Gama Silva. Ninguém aceitava a idéia do presidente, “enquanto o país estava desabando ele não aceitava antecipar uma reunião que poderia decidir o futuro do país, mas nada e nem ninguém contrariou a opinião de Costa e Silva naquele dia”.
No dia 13 de dezembro, o presidente, ante de se reunir no Salão de Despachos, conversou com o vice presidente Pedro Aleixo, a quem muito ouvia e respeitava as opiniões sobre a edição do que viria a ser o AI-5, a conversa apesar de durar um tempo razoável, mostrou que os dois divergiam em suas opiniões, isso foi deixado bem claro pouco tempo no discurso proferido por Padre Aleixo, sobre a edição do AI-5. O vice presidente era totalmente contra esse ato, achando que algumas medidas menos radicais poderiam ser tomadas, mas não conseguiu mudar a opinião de ninguém ali.
O Presidente antes de iniciar a votação sobre o AI-5 ser aceito ou não, fez um pequeno discurso e deixou todos presentes um certo tempo, cerca de 20 minutos aproximadamente para decidirem o que seria melhor, aparentemente, Costa e Silva assim como Pedro Aleixo, não era 100% a favor da promulgação do AI-5, achando-o muito extremo, mas as pressões contra ele, eram de todos os lados, pois quando retomamos uma análise do período ditatorial, muitas vezes nos esquecemos que junto com os militares que governaram haviam civis que também participavam da política do país e que estavam de pleno acordo com tudo que era feito.Quase todos os discursos proferidos ali se referiam constantemente a palavra democracia, ironia da situação, pois naquele momento decretava-se o seu fim, enquanto a palavra ditadura, que estava sendo implantada mais do que nunca naquele momento, bem mais que no ano de 1964 (derrubada de João Goulart do poder).
O Ato Institucional 5 foi promulgado depois de uma reunião do Conselho de Segurança Nacional, é permitido ao presidente sem qualquer limitação: fechar o Congresso Nacional, Assembléias Estaduais e Câmaras Municipais; cassar mandatos legislativos e executivos, federais, estaduais e municipais, demitir, remover, aposentar ou por em disponibilidade funcionários públicos, juizes; decretar estado de sítio; confiscar bens para punir a corrupção, legislar por decretos, baixas atos institucionais, ou complementares, perde-se o direito de habeas corpus em caso de crime político e passam a ser julgados por tribunais militares, além do período indeterminado para seu fim. Logo que ele é decretado, sai uma lista com os cassados.
Dez anos depois de promulgado e já prestes a ser extinto, muitos daqueles que afirmavam com veemência a necessidade desse novo Ato Institucional, já não tinham mais a mesma opinião, visto que as barbaridades cometidas em seu nome foram inúmeras e todos que a cometeram permaneceram imunes, só em alguns casos, como o delegado Sérgio Fleury, que morreu em um acidente de mar, que podemos considerar obviamente como queima de arquivo.
Aproximadamente temos como conseqüência do AI-5, durante sua vigência os seguintes processos:
ê 1607 cidadãos
ê 321 cassados (6 senadores, 110 deputados federais, 161 estaduais, 22 prefeitos, 22 vereadores)
ê ministros
ê professores universitários: Caio Prado Júnior, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Mário Shemberg, Vilanova Artigas, Hélio Lourenço de Oliveira.
ê 500 filmes
ê 450 peças de teatros
ê 200 livros
ê 100 revistas
ê 500 letras de músicas.
O AI-5 antes de ser publicado, para muitos já estava sendo colocado em prática, na Sexta feira do dia 13 ainda, a redação do Estado de São Paulo e da Folha foram invadidas a fim de que os sensores pudesse fazer uma “análise” das reportagens que poderia ou não ser publicadas e desse dia em diante todas as redações de jornais tanto do Rio como de Sã Paulo seriam fiscalizadas a fim de que não houvesse problemas com notícias indevidas a serem publicadas.
No Rio de Janeiro nem todos os jornais foram encontrados, o Jornal da Tarde e o Correio da Manhã, tiveram algumas reportagens adulteradas, a fim de não contrariar as normas do novo Ato Institucional, os agentes do DOPS e da Polícia Federal apreenderam os exemplares do Última Hora que iria sair naquele dia ainda.
As prisões contra as lideranças políticas ocorreram ainda naquele mês, muitos políticos, não passavam bem, mas nem isso foi respeitado e todos foram submetidos a situações que violavam os princípios da lei e acima de tudo do ser humano (isso foi só o início, pois o sucessor de Costa e Silva a cada ano no mandato ia acirrar ainda mais a ditadura).
Um dos primeiros a serem presos, foi o ex. presidente e idealizador de Brasília Juscelino K., suas condições de saúde não eram boas, e foi submetido a interrogatório diversas vezes; depois dele foi a vez de Carlos Lacerda, um dos articuladores do golpe de 64, também foi preso, no dia 14 de dezembro recebe a visita de seu médico particular o avisando que as viaturas policiais já o esperavam, na verdade ele não tinha nem destino ainda e poucos os que ficaram sabendo que já havia um plano para ser executado para ele e J.K. serem assassinados, não se sabe porque não foi executado.
Foram presos ainda Paulo Francis (que estava em Nova Iorque, e logo que chegou já foi para a prisão), Mário Lago, Sobral Pinto (advogado), Antônio Callado, Caetano Veloso e Gilberto Gil, esses dois foram presos em São Paulo, mas não permaneceram lá sendo levados para o Rio de Janeiro, em uma missão inter. Estadual. Márcio Moreira Alves e Hermano Alves ainda conseguiram se refugiar mais um tempo, mas também mas não escaparam da ira policial.
A Queda do Movimento Estudantil
Apesar de não terem se manifestado com violência ao episódio em Ibiúna evitando o derramamento de sangue, veremos claramente que o Movimento Estudantil, já não tinha mais o apoio da sociedade e mesmo com as mães se mobilizando para a libertação de seus filhos, desde o episódio da Maria Antônia tudo havia mudado.
Nem mesmo a morte de 2 inocentes, no Rio de Janeiro diminuía a acusação contra o Movimento Estudantil de serem subversivos e tentarem formar um grupo radical, a imprensa também se manifestou contra o Movimento.
Desde o início das manifestações estudantis, ficou clara o opinião do jornal Correio da Manhã, mas logo ocorre uma mudança em seu discurso, pois os estudantes agora respondiam com violência e não mais lutavam pelos seus direitos, já se envolviam em outros conflitos, o que prejudicava a sua imagem.
Praticamente todos os jornais e revistas (Veja, Correio da Manhã, Jornal da Tarde e outros), deixaram favorável sua posição em favor do governo, recolhendo seus depoimentos e colocando-os nos jornais e procurando saber muito pouco sobre a opinião dos estudantes. Como já mencionamos, o fato do governo não acusar nem a direita e nem a esquerda nos ataques terroristas ficava uma dúvida no ar, mas obviamente que toda a oposição se voltava contra o movimento estudantil.
A luta entre a polícia e o movimento estudantil pode ser expressa em três estágios, começando com manifestações contra a ditadura, terminando com a invasão do hospital por parte dos estudantes sendo repreendidos pela força policial lá dentro ainda.
O estudante Édson Luís morre no interior de um restaurante universitário na hora do almoço, José Guimarães também estudante e não representando uma liderança expressiva no movimento, estava recolhendo pedras para a luta da Maria Antônia no dia da sua morte e finalizando temos a morte de Luís Paulo que não teve nenhum destaque nessa luta, morre dentro de um hospital onde estudava durante um protesto.
O único assassinato que contou com a mais completa mobilização popular foi o de Édson Luís, o estudante Luís Paulo que também foi morto pela polícia, não teve qualquer manifestação popular pela sua morte, mesmo sendo injustamente também. Isso provava claramente que a força do movimento estudantil se esvaia.
O Movimento Estudantil acaba se dividindo na sua luta, em São Paulo, eles não vão opinar por uma continuidade na luta, enquanto no Rio de Janeiro veremos o contrário, irão responder a todas as atitudes da polícia do modo que vierem, se for com diálogo a resposta será diálogo, se for com luta armada será com luta armada.
No ano de 1969, o movimento se descaracteriza, passando a tomar o caráter de luta armada, sem o apoio popular que não mais aceita o protesto aliado ao risco de vida, visto que a polícia agia com violência tendo o aval do presidente e o respaldo da imprensa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muitos dizem que 68, foi um ano que não terminou, ao analisar o movimento estudantil daquela época, essa frase talvez seja verdadeira, todos os sonhos daqueles jovens foram destruídos e a ditadura permaneceu.
No mundo revoluções aconteceram, talvez tenha sido apenas uma efervescência momentânea, isso poderia ter ocorrido também com os trabalhadores, os sindicalistas e outras classes, mas por serem estudantes e acima de tudo jovens, eles conseguiram chamar a atenção, seja fazendo o bem ou o mal (como muitos afirmaram).
Naquela década especificamente, as mulheres se tornaram independentes sexualmente e o mundo jamais foi o mesmo, inúmeros valores foram contestados e o melhor de todo esse movimento, é que ao contrário de muitos que acontecem em nossa sociedade esse não foi manipulado pela elite, pois era exatamente contra ela.
Que um dia, o ano de 1968, inspire a atual juventude (completamente alienada do que se passa na política e no cotidiano do país) a mudar alguma coisa, seja por via pacífica ou revolucionária.

BIBLIOGRAFIA
ARNS, Paulo Evaristo (org.). Brasil Nunca Mais, Petrópolis, Vozes, 1985.
GABEIRA, Fernando. O que é isso Companheiro ?, Rio de Janeiro, Codecri, 1979.
POERNER, Arthur José. O Poder Jovem, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968.
VALLE, Maria Ribeiro do. O Diálogo é a Violência: Movimento Estudantil e Ditadura
Militar em 1968. 1997. Dissertação (Mestrado em Educação) – Ciências Sociais
Aplicada à Educação, Universidade Estadual de Campinas.
VENTURA, Zuenir. 1968- O Ano que Não Terminou. A Aventura de
--------------------------------------------------------------------------------
[1] VENTURA, Zuenir. 1968, O Ano que não Terminou. – A Aventura de uma Geração. Rio de Janeiro. 1988. P 115
[2] O Metropolitano, órgão oficial da UME, Rio de Janeiro, 7 de abril de 1968, p. 1.
[3] Correio da Manhã, 23/07/68, p. 7 ( Manifestações Estudantis em todo país).
[4] VENTURA, Zuenir. 1968 O Ano que não Terminou A Aventura de uma Geração. Rio de Janeiro. Nova Fronteira,1988. P. 207.
[5] Folha de São Paulo, 06/10/68 p. 7 (Estudantes pretendem realizar outra passeata na Terça Feira)
[6] Correio da Manhã, 24/10/68, p1. (“Repressão mata mais dois”)


























SÉTIMA CONVERSA_________________________________________





O

CONTROLE IDEOLÓGICO

A Remodelação do Ambiente Físico

Os Meios de Comunicação

Censura

A Repressão

Pressão Psicológica

CONTEXTO SOCIAL, POLÍTICO E ECONÔMICO
E A EDUCAÇÃO NO BRASIL








O CONTROLE IDEOLÓGICO


O controle ideológico se caracteriza pelo emprego de um conjunto de recursos e medidas, por determinado setor da sociedade, para impedir que os demais tenham condições de formular outra versão da realidade, além daquela que lhes é apresentada. A mudança das condições de vida de uma classe social, ou de uma fração dela, depende de sua capacidade organizatória e de mobilização. Esta, por sua vez, pressupõe uma consciência compartilhada daquelas condições implicando a percepção da posição que se tem na sociedade, do espaço que se ocupa e das possibilidades de avanço. À medida que se criem obstáculos à formação dessa consciência, automaticamente se estará dificultando quaisquer lutas por mudança.
O conhecimento da realidade em que se vive só pode ser obtido através de algumas vias de acesso. A primeira é a direta, que se concretiza na percepção dos diversos objetos e fatos do cotidiano. Cada indivíduo vive em determinado ambiente, onde observa a natureza, ruas, praças, construções, indústrias, residências sofisticadas e favelas, pessoas que apresentam boa saúde, outras claramente subnutridas, belos sorrisos em uns, desdentados em outros. Há, ainda, o ambiente de trabalho, com os meios de produção, uma ou outra forma de divisão de tarefas, certa hierarquização de funções, com relações específicas entre chefes e subordinados e destes consigo próprios. Além disso, há todo um conjunto de ligações com grupos primários e secundários: família, igreja, clube. De todo esse universo, o indivíduo obtém uma série de dados, que compartilha com os mais próximos, aos quais dá significação, atribuindo-lhes maior ou menor importância e relacionando-os de determinada forma. A sociedade, obviamente, não se restringe aos fatos de cada cotidiano individual. Dai a necessidade, inclusive para que esse próprio cotidiano tenha algum sentido, de se obter informações sobre uma realidade mais ampla. Estas provêm, em primeiro lugar, de outros indivíduos, portadores de outras experiências e conhecimentos. Papel fundamental é exercido pelos líderes e formadores de opinião, pessoas que, por determinadas razões, dominam uma quantidade de informações maior que a grande maioria de seus semelhantes, além de interpretá-las de forma qualitativamente superior, conseguindo perceber maior número de relações, que lhes permite formular significações mais ricas. Outras informações, finalmente, são recebidas através dos livros e meios de comunicação: imprensa escrita, rádio, televisão, cartazes, folhetos. Estas são as vias de acesso mais importantes numa sociedade industrializada, onde o sistema econômico e político tenha atingido tal grau de complexidade que sua compreensão dependa do conhecimento de grande número de dados e relações. Não basta, todavia, possuir um grande número de informações sobre uma parcela da realidade. Para conhecê-la, de forma a ter condições de atuar para obter sua transformação ou, pelo menos, adaptar-se, é preciso meditar sobre os dados de que se dispõe, compará-los, procurar contradições, encará-los num processo de análise e síntese, para então formular conclusões. Esse trabalho exige o que se poderia chamar de capacidade crítica ou senso crítico, que pode ser maior ou menor, em cada indivíduo, em função de uma série de variáveis. Interferem nela a maior ou menor experiência de vida, capacitação profissional, formação escolar, estado emocional e psíquico no momento da recepção da informação e, até mesmo, o hábito mais ou menos acentuado de se manter uma postura crítica perante os fenômenos.
O regime implantado em 1964 já encontrou uma sociedade cujos membros se deparavam com enormes dificuldades para compreender seu lugar no contexto social. Diversos obstáculos, muitos pertencentes ao quadro maior do sistema de controle social da cultura como um todo, impediam o desenvolvimento de uma consciência mais profunda da realidade em que se vivia. Alguns, inclusive, se caracterizavam por uma insistente permanência na história brasileira. O mais importante deles, sem dúvida, é o baixo nível de escolaridade da maior parte da população, inclusive com grande número de analfabetos e semi-analfabetos, que tem sido uma constante, desde os primórdios da formação cultural do país, até os dias atuais. Essa condição dificulta, e mesmo impede, o acesso a informações de natureza vital. A mais singela reivindicação salarial é difícil de ser organizada eficientemente quando não se compreendem dados sobre a política econômica vigente, os níveis de produtividade de determinado setor, o papel de cada trabalhador nessa produtividade, as possibilidades existentes para se substituir a mão-de-obra empregada e assim por diante. Em outros casos, não se trata sequer de uma dificuldade de compreensão, mas da própria inexistência de informações a respeito de determinadas questões.
No que se refere à aquisição de conhecimento através dos meios de comunicação, ela é dificultada, dentre outras razões, pelo modelo informativo vigente. Tanto a imprensa escrita, como os noticiários de rádio e televisão, de maneira geral, vêm se caracterizando, desde a sua origem, pela natureza extremamente rápida, fragmentária e desorganizada das informações que divulgam. Colocadas lado a lado, ou apresentadas umas após as outras, as notícias não guardam nenhuma relação entre si e se referem a uma gama enorme de fatos econômicos, financeiros, políticos, esportivos, artísticos, policiais, tanto no plano internacional, como nacional, regional e local. Ler um jornal, ouvir ou assistir a um noticiário acaba por gerar uma saturação e a impressão de se estar muito bem informado. Todavia, a falta de relação entre as inúmeras noticias determina que permaneçam memorizadas por curtíssimo espaço de tempo ou, no mínimo, que fiquem gravadas como elementos isolados e, portanto, sem nenhum significado. (1)
Outro componente importante que dificulta a formação de uma consciência das condições sociais é a prática, também antiga, de se manipular a instituição do espetáculo. Considerando-se, como instituição, qualquer prática ou conjunto de práticas arraigadas em determinada cultura, o espetáculo configura-se como tal à medida que faz parte do modo de vida da sociedade. Consiste no ritual de, em certos momentos, assistir-se a determinada apresentação com o objetivo de obter um relaxamento das tensões do trabalho, distrair-se das preocupações e problemas, deixando-se envolver passivamente por determinadas emoções. Por constituir um momento destinado a buscar alívio das pressões é, igualmente, o instante de evitar qualquer postura crítica que possa acarretar novas tensões. A maior parte dos membros de uma sociedade, a partir do momento em que assume a condição de espectador, evita fazer qualquer análise ou discussões mais profundas daquilo que está assistindo. Pois bem, faz parte do modelo informativo vigente a incorporação, ao espetáculo, daqueles fatos sociais cujo conhecimento possa abalar a credibilidade de determinada versão ideológica da realidade. Problemas sociais graves, fatos econômicos importantes, questões políticas decisivas ficam isoladas de seu contexto, inseridas em programas e noticiários elaborados com a linguagem típica dos espetáculos. Perdem, dessa forma, seu significado e passam a ser vistos como fenômenos naturais, inócuos. Embora as pessoas ainda se sintam chocadas com esfarrapados e famintos perambulando pelas ruas ou com um morto caído na calçada, pouco reagem em face de informações sobre a pobreza ou perante as dezenas de mortes apresentadas diariamente.
Há que se mencionar, ainda, importante fator de interferência no conteúdo divulgado pelos meios de comunicação: as pressões do poder econômico. Nas sociedades estruturadas em moldes capitalista de maneira geral, e no Brasil em particular, os meios de comunicação se mantêm, fundamentalmente, à custa da verba publicitária. Nessas condições, os anunciantes adquirem grande força no sentido de poder exigir que não sejam veiculadas aquelas notícias que, de alguma maneira, possam prejudicá-los. Podem, inclusive, impor a divulgação de informações de forma elaborada, dentro de versões que venham ao encontro de seus interesses. Há uma declaração do falecido jornalista e profissional de televisão, Flávio Cavalcanti, que é bastante ilustrativa a esse respeito. Respondendo a uma pergunta sobre a possibilidade de se controlar os excessos da propaganda, disse: "Creio que é muito difícil fazer esse controle, porque o dinheiro é o diabo. Eu, por exemplo, não posso, no meu programa, apagar um cigarro e dizer que tenho nojo dele. Se a Souza Cruz, por exemplo, que é uma potência, for contrariada em qualquer reportagem de televisão. . . ela simplesmente tira os anúncios. Ela representa mais ou menos, 30 a 40% do faturamento de uma emissora". (2)
Em meados dos anos 60, alguns grupos da sociedade começavam, com certa intensidade, a lutar contra essas formas de controle social. Setores intelectualizados das camadas médias, unidos em torno da palavra de ordem "conscientização", empenhavam-se no emprego de fórmulas alternativas para alfabetizar a população e esclarecê-la a respeito da precariedade das suas condições de vida, da exploração a que era submetida e da manipulação ideológica que sofria. Com o movimento de 1964, após breve refluxo, essa atividade continuou, adquirindo grande vulto em 1968. A reação do governo foi intensa, instalando uma máquina de controle ideológico que permitiu neutralizar a mobilização, trazendo a população de volta à condição apática e passiva de espectadores ingênuos e desinformados. Todas as vias de acesso à realidade, através das quais se pudesse adquirir alguma forma de consciência, passaram a sofrer interferência direta das autoridades. O ambiente físico foi remodelado, para ser percebido de forma a reforçar a ideologia que era divulgada pelos órgãos oficiais. Os líderes e formadores de opinião, que se manifestavam além dos limites tolerados, foram reprimidos. Os meios de comunicação foram diretamente empregados na divulgação das mensagens governamentais e controlados através de uma censura rigorosa. Além disso, criou-se um clima de pressão psicológica que, se não eliminava, pelo menos afetava bastante o senso crítico da maior parte das pessoas, induzindo-as à passividade.

1. A Remodelação do Ambiente Físico

A remodelação do ambiente físico, no contexto da propaganda ideológica, refere-se às construções, reformas e, de maneira geral, à decoração ambiental que se promove numa sociedade, de tal forma que a visualização do que foi produzido sirva de reforço para as afirmações contidas nas mensagens. O governo pós-64 não chegou a dedicar-se a essa prática com intensidade significativa. O que fez foi aproveitar as obras realizadas, para apresentá-las corno testemunho daquilo que a propaganda divulgava. No mais se reiteraram práticas já realizadas em governos anteriores. De qualquer maneira, grande parte da população, no seu dia-a-dia, acabava por se deparar com uma série de sinais que pareciam tornar as promessas governamentais inquestionáveis.
Na linha de argumentação segundo a qual as realizações visavam atender aos interesses da população, assegurava-se que havia uma grande preocupação com os problemas sociais, especialmente o da habitação popular. Apoiando essa garantia, podiam-se ver enormes conjuntos habitacionais, uns com grande quantidade de pequenas casas, outros com inúmeros edifícios de apartamentos, todos padronizados e facilmente identificáveis. Outras construções, a partir do Governo Costa e Silva, serviram para apoiar a imagem do "Brasil Grande", nação do futuro que haveria de se tornar grande potência mundial e que já se encontrava em fase de franco desenvolvimento, imagem que seria ainda mais reforçada a partir do governo Médici. Para quem visse as obras em realização, ou as inúmeras fotografias e filmes a respeito, não havia porque não aceitar aquela pregação como verdadeira. Tratava-se, realmente, de construções monumentais: Transamazônica, Ponte Rio-Niterói, Itaipu, Sobradinho, Metrô. A elas se somava a nova fisionomia das grandes cidades, com um número cada vez maior de grandes edifícios comerciais e residenciais, além dos inúmeros viadutos e largas avenidas por onde circulavam, cada dia mais, automóveis modernos e sofisticados.
As denominações de certas vias públicas foram outro recurso empregado pela propaganda. No Brasil, de certo modo, já faz parte do senso comum a idéia de que as pessoas cujos nomes identificam ruas, praças, viadutos, pontes ou estradas foram heróis nacionais ou, pelo menos, tiveram comportamento exemplar em suas vidas, merecendo ser imitadas e seguidas. Nesse contexto, certamente deveria ter algum efeito positivo, para o governo, o fato de que uma das estradas mais modernas fosse denominada "Rodovia Marechal Castelo Branco" ou que uma via elevada, obra de engenharia de grande sofisticação tecnológica, fosse batizada com o nome de "Presidente Artur da Costa e Silva" (embora popularizada como "minhocão"). Também Euclides Figueiredo, pai do último presidente militar, passou a identificar um viaduto. A atribuição de qualidades positivas, implícita nessas denominações, seria indiretamente aplicada a todos os outros Presidentes, já que eles eram homogeneizados pela propaganda como representantes da "Revolução". Havia, também, as placas colocadas nas obras, durante sua realização e outras afixadas por ocasião das respectivas inaugurações, onde se deixava bem claro e nítido que se tratava de mais uma realização do governo.




2. Os Meios de Comunicação


A partir de meados dos anos 60, houve um significativo desenvolvimento da comunicação de massa no Brasil. Os meios passaram a ter grande crescimento qualitativo e quantitativo. Qualitativo porque aperfeiçoados tecnologicamente, de forma a atingir locais mais distantes de forma rápida. Quantitativo porque houve ampliação do número de emissoras de rádio e televisão, bem como um aumento do número de aparelhos receptores existentes no país. Tratou-se não de mera casualidade, mas do resultado da decisão de investir no setor por razões econômicas e políticas. Com o golpe e a conseqüente abertura ao capital estrangeiro, o Brasil passou a se integrar mais efetivamente no sistema econômico internacional. Nessas condições, tornava-se indispensável uma maior ligação entre as diversas regiões do país, expandindo-se as fronteiras econômicas. O modelo implantado, prevendo o incremento da produção de bens de consumo duráveis, exigia meios para levar as respectivas mensagens publicitárias a novos mercados. Sob o aspecto político, a agitação social dos anos 60 revelam que grande parte da sociedade brasileira, vivendo à margem dos setores mais desenvolvidos, era suscetível de ser sensibilizada pelas campanhas dos grupos que pleiteavam uma transformação mais radical da sociedade. Embora restrito, o apoio dado aos movimentos de guerrilha, especialmente no Araguaia, viria confirmar que as populações mais humildes, afastadas dos grandes centros, recebiam com simpatia a pregação daqueles que se propunham a lutar contra os proprietários de terra e as autoridades. A expansão dos meios de comunicação permitiria atingir um contingente maior da população, numa tentativa de envolvê-lo pela ideologia dominante e "vaciná-lo" contra qualquer outras formas de encarar sua realidade e condições de vida.
A intenção de modernizar o sistema de comunicação já se manifestara em 1962, quando se criou o Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL) e seu órgão executivo, o Departamento Nacional de Telecomunicações (DENTEL), projetando-se a criação da Empresa Brasileira de Telecomunicações (EMBRATEL). A efetivação do projeto só se realizou a partir de 1964. A EMBRATEL foi criada em setembro de 1965. Em 1967, as decisões para o setor passaram a ser tomadas no âmbito ministerial com a criação do Ministério das Comunicações. Desse momento em diante, gradativamente, aperfeiçoam-se os serviços de correio, telégrafo, telefonia, rádio e televisão. Em julho de 1969 os telespectadores brasileiros puderam assistir, via satélite, à descida da nave norte-americana Apolo XI na Lua. (3)
O estímulo dado à iniciativa privada para investir na expansão do sistema de comunicações também foi bastante grande. Até mesmo a associação de uma empresa local, a Globo, com o grupo Time-Life, estrangeiro, foi tolerada. Essa ligação infringia o artigo 160 da Constituição vigente, que proibia a estrangeiros ser proprietários ou responsáveis por empresas de radiodifusão, bem como exercer sua orientação intelectual e administrativa. Apesar de as investigações, realizadas por uma Comissão Parlamentar de Inquérito, terem concluído que houve violação da norma constitucional, o governo federal acabou por decidir que a negociação era lícita. A postura mais aberta para o capital estrangeiro e o interesse na existência de uma grande rede de emissoras, que viesse a ser de confiança do governo, prevaleceram sobre a eventual necessidade de manter-se a inviolabilidade da lei. (4) Os resultados da política adotada para o setor foi surpreendente. Se, de 1950 a 1964, haviam sido concedidos 33 canais de televisão para exploração da iniciativa privada, no período 1964-1979 o número dessas concessões chegava a 112. (5) O número de domicílios com TV passou de 4.259.000 em1970 para 14.518.000 em 1980. (6) Isso significava que a percentagem de domicílios com TV sobre o total de domicílios, no mesmo período, passava de 24 para 56%. (7)
O regime implantado em 1964, gradativamente, ia adquirindo condições de atingir quase todo o país. Mas, para tanto, era necessário que a expansão do sistema se realizasse sob o controle permanente do Estado. No que se refere ao rádio e à televisão, o controle governamental se apoiou, basicamente, no sistema legal já existente. A exploração das emissoras, pela iniciativa privada, se dava em regime de concessão pelo governo, a título precário e sujeito a renovações sucessivas. (8) Nessas condições, podendo ter cassada sua concessão a qualquer momento, ou podendo não tê-la renovada, cada emissora se sentia forçada a manter-se dócil perante as "solicitações" do governo. Não se tratava de simples ameaça inócua; entre fins de 1973 e primeiro semestre de 1975 cerca de 20 emissoras de ondas médias não puderam renovar suas concessões. Dentre elas, as rádios Marconi, São Paulo, Apolo, Piratininga e Nove de Julho, todas da capital paulista. (9)
A situação era mais séria no que se referia às emissoras de televisão, cuja implantação envolvia investimentos elevadíssimos que não se podia arriscar perder, contrariando as diretrizes fixadas pelas autoridades. A esse respeito o jornalista Hélio Fernandes, considerando que os altos custos das grandes empresas de comunicação comprometiam sua liberdade de atuação, concluiu de forma bastante pitoresca: "Roberto Marinho está condenado a chamar todo Presidente da República de estadista, seja lá quem for". (10) E necessário considerar, em relação a essa interpretação, que há uma relação dupla. Da mesma forma, o prestígio da Rede Globo se tornou tão grande, não só pela força econômica, como pela possibilidade de moldar opiniões, que todo Presidente da República está condenado a reverenciar o Sr. Roberto Marinho.
Quanto à imprensa escrita, cinema, teatro, editoras, diversões públicas em geral, a inexistência do sistema de concessões tornava o controle menos ameaçador. Realmente, foram destes meios que surgiram as reações mais sérias às ações governamentais. Contudo, havia outros instrumentos à disposição das autoridades. Havia o poder de censura e a possibilidade de exercer pressões econômicas e fiscais. Essa situação determinou que a maior parte dos veículos fossem obrigados a abrir mão de sua pretendida liberdade de expressão ou fechar, por não resistir às pressões.
Sob controle quase absoluto, todos os meios e recursos de comunicação foram utilizados na propaganda realizada oficialmente. A televisão e o rádio foram os veículos que receberam maior atenção. O governo já dispunha de uma hora diária (19 às 20 horas) para transmissão do programa "A voz do Brasil", em cadeia nacional de rádio. Além disso, por dispositivo legal expresso, as emissoras podiam ser convocadas para, gratuitamente, formar ou integrar redes, visando a divulgação de assuntos de relevante importância. (11) Em 29-07-70, foi criado o "Projeto Minerva", programa radiofônico de caráter educativo, obrigatoriamente retransmitido durante setenta minutos diários, de segunda a sexta-feira, e durante setenta e cinco minutos aos sábados e domingos. Além disso, a AERP realizou o que a imprensa denominou "um acordo de cavalheiros" com a ABERT (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), pelo qual o governo poderia dispor de dez minutos diários, em todos os canais de televisão e emissoras de rádio do país. (12) Os veículos eram utilizados, basicamente, para a divulgação de filmetes, textos e jingles das campanhas elaboradas por agências de propaganda ou produtoras contratadas. O significado da grande intensidade com que foram veiculadas as diversas peças pode ser sentido através das considerações feitas pelo professor e publicitário Armando Sant'Ana: "A obrigatoriedade das estações de televisão em passar 10 minutos por dia de anúncios do governo é exaustiva. O maior anunciante nacional não usa um terço desse tempo em nenhuma emissora e o governo tem esse tempo todo em todas as setenta estações do Brasil. Depois, o governo produz anúncios de 120 segundos, enquanto os comerciais normais dificilmente ultrapassam 30 segundos. Por esses motivos, existe uma saturação. A mensagem em pouco perde o interesse e chega, inclusive, a desgostar. (13)
Os mesmos filmes veiculados pela TV eram projetados nos cinemas, obrigados a fazê-los gratuitamente. A divulgação por rádio era, ainda, ampliada através de cerca de 4.000 serviços de alto-falantes espalhados pelo país. (14)
As revistas e jornais foram utilizados para a inserção de anúncios, com os mesmos temas dos filmes televisados, servindo de apoio e reforço às campanhas. Eventualmente, outdoors eram utilizados com o mesmo objetivo. Algumas vezes, patrocinaram-se cadernos especiais, a serem encartados em jornais e revistas, descrevendo as realizações do governo. Essa prática foi, em junho de 1977, criticada pelo próprio Chefe da AERP, Cel. Toledo Camargo, que a considerava ineficaz, além de ser uma forma de "comprar" a opinião de órgãos que, em troca dos cadernos especiais, manteriam "opinião favorável" ao governo. (15) Contudo, em editorial de 4 de maio de 1979, o Jornal da Tarde condenava o abuso na realização daqueles cadernos, "nunca com menos de 60 páginas de publicidade oficial".
Além desses meios, o governo utilizou cartazes, livretos, folhetos e adesivos para disseminar suas mensagens. A contracapa de um dos livros trazia uma solicitação interessante, visando ampliar sua cobertura: "Por se tratar de documento de significação especial, mas editado em número reduzido, leia-o e faça-o chegar às mãos de outras pessoas". (16)
Livros foram impressos e fartamente distribuídos, contendo a descrição dos planos e realizações, discursos dos Presidentes e outras autoridades. Discos foram lançados e distribuídos com gravação de hinos ou músicas populares de exaltação à pátria. Fotografias do Presidente eram distribuídas para os governos estaduais, prefeituras, assembléias legislativas, órgãos e empresas governamentais e até empresas privadas. Em janeiro de 1976, com um ano e dez meses do governo Geisel, já se havia distribuído 70.000 de suas fotos oficiais. (17)
O sistema de ensino também foi utilizado pela propaganda. Em princípio não há sentido em equiparar as escolas, ou os professores, aos veículos de comunicação. Por mais que certas aulas se limitem à simples transmissão de conceitos produzidos fora do contexto escolar, o professor encontra-se relativamente livre para escolher, dentre as obras e textos disponíveis, aqueles que irão fundamentar suas preleções e exercícios. Todavia, o regime logrou transformar alguns docentes em meros veículos de comunicação, encarregados de reproduzir certas idéias sem nenhuma liberdade para interpretá-las ou redefini-las. Pelo decreto 869/69, expedido logo após a edição do AI-5, tornou-se obrigatório o ensino de "Educação Moral e Cívica" em todos os níveis de ensino, inclusive pós-graduação. Posteriormente, pelo Parecer 94/71 do Conselho Federal de Educação, foram definidos os currículos e programas para a disciplina. A orientação do Conselho sempre fora limitada à expedição de emendas bastante resumidas e abertas a respeito do conteúdo das matérias dos diversos cursos. Nesse caso, porém, os programas aprovados continham, pormenorizadamente especificados, inúmeros itens a ser desenvolvidos pelos professores. Seu conteúdo era idêntico, inclusive a terminologia empregada, às teses da "doutrina da Segurança Nacional". Por essa via, o governo transformava todas as escolas do país, em todos os níveis de ensino, em instrumentos para retransmissão das suas mensagens. O objetivo, expresso e confessado, era a doutrinação dos jovens dentro da ideologia assumida pelo Estado. Dois meses antes da promulgação do Decreto que instituiu a disciplina, o Ministro da Justiça, Gama e Silva, afirmava que "a inquietação da juventude atual e sua incompreensão quanto aos problemas do país talvez pudessem ser eliminadas se houvesse formação em moral e civismo'. Um mês depois o Ministro da Educação, Tarso Dutra, afirmava que a educação cívica seria "uma contestação dentro da escola brasileira, contra a infiltração ideológica que tem de ser repelida de todas as formas". (18)

3. Censura

Outro instrumento do controle foi a censura policial. A partir do momento em que se verifica o conteúdo, a forma e a intensidade das proibições, percebe-se que a censura teve um caráter mais amplo do que possa parecer a uma visão mais superficial. A impressão mais imediata é a de que se tratava de uma atividade meramente negativa, que proibia a difusão de algumas informações, porque seu conhecimento seria inconveniente para determinados setores da sociedade. Esse seria, sem dúvida, o aspecto mais relevante numa sociedade equilibrada e politicamente estável, onde a atividade censória fosse excepcional. Todavia, quando é generalizada, tal como foi no Brasil, assume outra feição que a caracteriza como meio indireto de difusão de idéias. Nesse caso, podemos compará-la ao trabalho de um escritor que seleciona, no universo vocabular da sua língua, aquelas palavras que irão veicular suas idéias. O que a censura fez, na realidade, foi escolher dentre a infinidade de notícias e informações disponíveis as que deviam ser bloqueadas e as que podiam ser liberadas, criando assim uma imagem unidimensional da realidade. Dessa forma, a resultante que importava era menos aquilo que não se divulgava, do que o saldo transmitido que, dessa forma, ficava reforçado. Para citar apenas o exemplo mais significativo, em janeiro de 1973, o Instituto Internacional de Imprensa divulgou um relatório onde se afirmava que, dentre as nações da América Latina, não existia liberdade de imprensa no Brasil e em outros quatro países. Por ordem do então Ministro da Justiça, proibiu-se a divulgação do relatório "apenas na parte referente ao Brasil". (19) Menos que ocultar a presença da censura se estava, indiretamente, alegando que ela não existia.
A censura teve um papel fundamental no sistema de controle ideológico e, consequentemente, da propaganda. Todos os assuntos, temas e fatos que pudessem contradizer ou mesmo gerar dúvidas em relação às afirmações da propaganda oficial tinham sua divulgação proibida. Três anos após o golpe, começaram a ser elaboradas e promulgadas as normas que deveriam dar apoio legal às ações censórias. A legislação atribuiu funções extraordinárias às autoridades, de tal forma que adquiriram poder de vida e morte sobre os meios de comunicação. Esse poder se ampliava à medida que os critérios, pelos quais se definiam as condições em que era possível aplicar determinadas sanções, eram tão amplos e vagos que dependiam, basicamente, da capacidade de interpretação do censor. Em fevereiro de 1967 foi promulgada a Lei n. 5.250, conhecida como Lei de Imprensa. Dentre os crimes nela previstos que, além da apreensão do impresso, determinavam a punição pela prisão, constavam: "Fazer propaganda de guerra, de processos para subversão da ordem política e social ou de preconceito de raça ou classe"; "publicar ou divulgar notícias falsas ou fatos verdadeiros truncados ou deturpados que provoquem perturbação da ordem pública ou alarma social"; "ofender a moral pública e os bons costumes." (20) No caso de infringência, o Ministério da Justiça poderia determinar a apreensão, independentemente de mandado judicial. (21) Com o Ato Institucional n. 5, de dezembro de 1968, atribuiu-se ao Presidente da República poderes para, "em defesa da Revolução", determinar a censura da correspondência, da imprensa e das telecomunicações. (22) Em 28-09-69, promulgou-se o Decreto-lei 898, que instituía a Lei de Segurança Nacional, dando aos meios de comunicação um tratamento bastante rigoroso. Previa pena de prisão para o jornalista que "divulgasse", por qualquer meio de comunicação social, notícia falsa, tendenciosa, ou fato verdadeiro truncado ou deturpado, de modo a indispor ou tentar indispor o povo com as autoridades constituídas".A respeito desse dispositivo, o jornalista Carlos Chagas, mostrando sua amplitude, afirmou: "Nesse artigo já entrei duas vezes. Pela sua letra todos nós, jornalistas, estamos e estaremos enquadrados ao simples desejo do governo. Quem afirma que determinada notícia não visa dispor o povo contra as autoridades constituídas são as próprias autoridades". (24) A Lei punia, também, aquele que ofendesse moralmente "quem exerça autoridade, por motivo de facciosismo ou inconformismo político-social". (25) Essa disposição, da mesma forma, abria um enorme leque de possibilidades de punição, dependendo da interpretação da autoridade. Os poderes do Ministro da Justiça foram bastante ampliados. Podia determinar a apreensão de impressos, suspender sua impressão, circulação, distribuição ou venda, cassar permissões e concessões de rádio e televisão. (26) Em 26-02-70, instituía-se a censura prévia. O Decreto-lei 1.077 previa o exame prévio de livros e periódicos; com o objetivo de verificar a existência de temas contrários à moral e aos bons costumes. A exposição de motivos justificava a medida, alegando que as publicações obscenas faziam parte de um "plano subversivo", que "ameaçava destruir os valores morais da sociedade brasileira". Em dezembro de 1978, com a extinção do AI-5, promulgou-se nova Lei de Segurança Nacional, sob o n. 6.620 que, de maneira geral., era mais branda que a anterior. Todavia, em relação à censura dos meios de comunicação, mantinha o mesmo rigor.
Quanto à aplicação efetiva da censura, ela foi realizada de modo irregular e eventual até 1968, recaindo apenas sobre alguns casos isolados. Segundo Carlos Chagas e Hélio Fernandes, jornalistas que trabalhavam na época, embora houvesse pressão de radicais dentro do governo, foi mantida uma relativa liberdade para a imprensa de maneira geral. (27) Nesse período, a fiscalização era mais severa em relação ao teatro, músicas e shows em geral. Imediatamente após a promulgação do AI-5, o controle passou a ser total. Oficiais militares foram enviados para as redações, estações de rádio e televisão. Quaisquer notícias ou informações que, de alguma maneira, contivessem referências negativas em relação ao governo eram proibidas. Mesmo assim, os jornalistas Hélio Fernandes e Mino Carta afirmaram que, sob a orientação direta dos militares, a censura não foi tão prejudicial quanto o seria mais tarde, já que a preocupação maior era com a proibição de informações sobre prisões e torturas, com muitos outros temas sendo liberados. Além disso, segundo esses mesmos jornalistas, os oficiais militares eram educados, compreensivos e admitiam dialogar. (28) A situação tornar--se-ia mais grave em 1969, no início do governo Médici, quando a censura passou a ser exercida pela Polícia Federal, ocasião em que a quantidade de assuntos censurados passou a ser muito maior. Tal fato, em parte, devia-se a que os funcionários da Polícia poderiam ser punidos por deixarem passar afirmações que seus superiores julgassem inconvenientes. Para evitar assumir quaisquer riscos, cortavam e proibiam sempre que sentiam a mínima suspeita de que alguma autoridade pudesse irritar-se. Essa situação agravou-se ainda mais quando jornalistas e artistas passaram a se manifestar de forma sutil e indireta, justamente visando burlar o controle. Chico Buarque de Holianda e Gonzaguinha, dentre outros, passaram a ter grande parte de suas peças e letras de música proibidas automaticamente. Os censores temiam que suas palavras pudessem significar algo mais do que o conteúdo explícito permitia perceber.
A censura policial, mantida sistematicamente de 1969 a 1978, era realizada através de bilhetes, ofícios e telefonemas, determinando os assuntos que não deveriam ser abordados. Em outras ocasiões era feita previamente, através dos policiais que, em sua repartição ou na própria sede dos órgãos de comunicação, revisavam o material a ser divulgado. As determinações de corte partiam de todos os setores da Administração Pública, Ministros, oficiais militares, governadores, secretários de estado davam as ordens sempre que considerassem inconveniente alguma divulgação, para si ou para o governo de maneira geral. Na maior parte das vezes, a ordem era anônima, sob a forma de "ordem superior" ou "determinação superior".
Aspecto importante diz respeito aos temas e assuntos censurados. Há uma certa insistência, por parte de algumas vítimas das atividades censórias, em afirmar que ela ocorria sem direção e sem sentido, carente de critérios norteadores e aplicada ao sabor das idiossincrasias de cada autoridade. Foi o que disse, dentre outros, Ruy Mesquita, diretor de "O Estado de 5. Paulo": Daí se vê a bagunça que é, não há critérios, não há nada. E depende da situação do dia, sei lá, às vezes o governo está apreensivo com alguma coisa que a gente não percebe, não percebe nem que ele está apreensivo e então acham que alguma matéria pode criar problemas para eles e aí censuram". (29) A concepção de uma censura se efetivando por atos isolados, resultantes da condição biliar e individual de policiais e autoridades, é inadequada e inconveniente. A censura fez parte de um todo mais amplo, o processo de inculcação da ideologia, e só nele tem sentido. Evidentemente, houve alguns atos deslocados, já que a aplicação dos critérios teria de depender da interpretação do responsável em cada caso. Em outras situações, quando se tratava de censurar alguém que se mantinha em atitude de constante provocação, como fez o jornalista Hélio Fernandes, o rigor policial, naturalmente, acabava sendo maior. Além disso, não há dúvida de que as autoridades dos escalões mais elevados deviam se importar muito pouco quando houvesse exageros na aplicação dos critérios, diferentemente do que fariam se fossem empregados com parcimônia. A censura era um componente do controle ideológico, destinado a assegurar a existência de uma única versão da realidade, e da ideologia dominante tal como assumida pelo Estado. Nesse papel, a existência de critérios norteadores era importante e, mais do que isso, inevitável. Os temas proibidos estavam em perfeita consonância com as idéias defendidas pela propaganda, bloqueando qualquer informação que pudesse contradizê-la. De maneira geral, os assuntos visados eram: prisões, seqüestras, torturas e assassinatos políticos, direitos humanos, existência da censura, críticas aos governos, autoridades e medidas governamentais, imperialismo e ação das multinacionais no país, protestos, reivindicações e outras formas de mobilização popular, problemas sociais, políticos e econômicos do país, idéias socialistas ou anticapitalistas.
Quanto à intensidade das intervenções, Paolo Marconi, em relação que ele mesmo confessou incompleta, indica vários vetos, pesquisados nos arquivos de redações e emissoras. Mesmo incompleta, a relação mostra uma quantidade bastante significativa de proibições: 27 em 1970; 52 em 1971, 80 em 1972, 159 em 1973, 162 em 1974, 18 em 1975, 12 em 1976, 25 em 1977, 15 em 1978 e 15 sem data, num total de 565. (30) Além desses vetos, referentes a fatos e notícias de caráter jornalístico, havia também proibições relativas a músicas, filmes, peças de teatro, shows de televisão, novelas. Nos dez anos de vigência do AI-5 soube-se de, aproximadamente, 599 filmes e 450 peças interditadas, 200 livros proibidos, dezenas de programas de rádio e televisão vetados e mais de mil letras de música censuradas. (31) Dercy Gonçalves e Chacrinha tiveram seus programas suspensos por quinze dias, por atentarem contra os bons costumes. Flávio Cavalcanti foi retirado do ar e suspenso várias vezes, acusado de fazer apresentações de baixo nível. As novelas "O selvagem", de Janete Clair (1973), "Roque Santeiro", de Dias Gomes (1975), "Despedida de casado", de Walter Durst (1976), para citar apenas autores mais conhecidos, foram vetadas na íntegra ou sofreram vários cortes. Inúmeras obras clássicas não puderam ser representadas na televisão, porque o conteúdo de seu enredo foi tido como subversivo. Dentre elas Édipo Rei, de Sófocles, Lisístrata, de Aristófanes, Fausto, de Goethe; Romeu e Julieta, de Shakespeare, também foi vetada, curiosamente por tratar de "amores proibidos", "relação ilícita entre jovens", "suicídio e pacto de morte". (32) Dentre as peças de teatro pode-se mencionar Roda Viva, de Chico Buarque de Hollanda, Rasga Coração, de Oduvaldo Vianna Filho, Aprendiz de Feiticeiro, de Maria Clara Machado. (33)
Os livros eram proibidos por atentarem contra a moral ou serem considerados subversivos. Pacotes de obras importadas eram abertos na Alfândega; selecionavam-se as que podiam entrar e as outras eram devolvidas ou, simplesmente, desapareciam. Autores como Marx, Engels, Lenin, Mao-Tse-Tung, Che Guevara, Regis Debray. desapareceram das livrarias. O mesmo acontecia com certos autores nacionais como Paulo Freire, Florestan Fernandes, Octávio Ianni, Caio Prado Jr. Não tendo condições de ler todos os livros, os censores empregavam critérios alternativos para avaliá-los. Ora importava o título, como em "Autobiografia armada", em que a expressão armada foi entendida como "portando arma" embora significasse "montada". Outra vez a proibição deveu-se à cor vermelha da capa, com a fotografia de Mao-Tse-Tung, embora fosse um livro de Teoria da Comunicação. O nome do tradutor, Miguel Arraes, ex-governador do regime deposto, gerou a proibição do livro "A mistificação das massas pela propaganda política". Livros de origem russa, mesmo de matemática, eram geralmente proibidos. O simples nome da editora determinava, algumas vezes, a proibição da obra, tais como Século XXI e Maspero. Outras eram sempre vistas com suspeição, como Civilização Brasileira e Brasiliense. (34)
Havia também o veto a determinadas pessoas que, por se manifestarem com muita freqüência contra o governo ou por terem significativo prestígio político, sem aceitar sua cooptação pelo regime, tiveram seus nomes e declarações simplesmente abolidos dos meios de comunicação. Dentre eles, Hélder Câmara, Juscelino Kubitschek, Leonel Brizola, João Goulart, Luiz Carlos Prestes. O jornalista Sebastiáo Nery, a esse respeito, relatou uma interessante conversa que manteve com um censor, quando pretendia transcrever um diálogo havido entre duas das personalidades acima citadas. A observação que ouviu foi: "Nery, você parece que não conhece as coisas. O Brizola e D. Hélder, nem a notícia da morte da mãe". (35)
Até mesmo algumas palavras e expressões tornaram-se alvo dos cortes. O mesmo Sebastião Nery relata que, depois de detido pela Polícia Federal, informada de que pretendia lançar um jornal com o nome Polítika, foi conversar com um general de nome Freitas para discutir a denominação que poderia dar ao jornal. Informado que o nome Polítika não poderia ser aceito. sugeriu "Povo" e foi ameaçado de prisão; após uma nova sugestão, com o nome "Liberdade" ouviu do General: "Você enlouqueceu, vá embora". (36) Vetou-se, inclusive, uma frase que o teatrólogo Plínio Marcos criou para o abre-alas da "Escola de Samba Mocidade Alegre Camisa Verde", onde se lia: "Um povo que não ama e não preserva suas formas de expressão mais autênticas não é um povo livre". (37)
As sanções, para aqueles que violavam as regras impostas, eram as mais variadas, indo desde as previstas em lei até as resultantes da inventividade das autoridades. Proprietários e diretores de jornais e emissoras sofriam pressões para que demitissem os "inconvenientes". Mário Lago foi demitido da Rádio Nacional, o teatrólogo Pínio Marcos da "Folha de São Paulo" e da revista "Veja", o jornalista Mino Carta da revista "Veja", Carlos Augusto de Oliveira e Sérgio de Souza da Rede Tupi de Televisão, Newton Rodrigues, Alberto Dines e Cláudio Abramo da "Folha de São Paulo", Cacilda Becker da TV Bandeirantes. Outra sanção utilizada com bastante freqüência era a pressão, sobre anunciantes, para que não incluíssem certos jornais em seus planos de mídia. O "Jornal Opinião", apesar de possuir contrato firmado, sofreu o corte da publicidade por parte da Editora José Olympio, da Fundação Getúlio Vargas e da Petrobrás, pressionados pelo governo a fazê-lo. (38) A mesma espécie de punição ocorreu com "O Estado de São Paulo" "Jornal do Brasil" e outros. Também foram utilizados: apreensão de jornais e revistas, ameaças e agressões físicas, programas de rádio e televisão tirados do ar, fiscalização rigorosa de débitos tributários.
A conseqüência mais grave das sanções, e que certamente constava dos objetivos do governo, foi o surgimento da autocensura. Cansados e atemorizados pelas perseguições e procurando evitar os prejuízos financeiros causados pelas punições, empresários, jornalistas, artistas, atores, escritores, todos que estavam ligados às comunicações e às artes passaram, tentando interpretar os critérios da censura oficial, a aplicá-los sobre si mesmos. Transformavam-se, de certa maneira, em vítimas e agentes indiretos da repressão censória. (39) A autocensura tornou-se ainda mais freqüente no caso do teatro e cinema nacionais. E que, lutando sempre contra sérias dificuldades financeiras, os produtores acabavam dependendo de subvenções do Estado. Dificilmente um produtor, que tivesse obtido financiamento governamental para um filme ou peça, se arriscaria a trabalhar com um texto contestatório ao regime ou que tecesse críticas mais profundas em relação aos problemas sociais.

4. A Repressão

Organizou-se um amplo sistema repressivo, destinado a neutralizar líderes e formadores de opinião contrários à política do governo. A estratégia das medidas repressivas tinha caráter predominantemente ideológico. Visava afastar do convívio social, ou pelo menos silenciar, aqueles que pudessem exercer qualquer atividade conscientizadora a respeito da realidade brasileira e suas contradições, dos reais objetivos da política oficial e dos interesses que eram atendidos. Nessa linha, os mais visados foram líderes sindicais e estudantis, professores, políticos, jornalistas, artistas, militantes partidários. Além deles, sofreram punições os funcionários civis e militares, membros do governo anterior e todos aqueles que tivessem alguma forma de compromisso ideológico com o regime deposto. Juizes que concederam habeas-corpus ou absolveram os perseguidos também foram castigados. Dentre as punições, legalizadas pelos diversos atos institucionais, havia transferência para a reserva, reforma, aposentadoria, dispensa, demissão, cassação de mandatos eletivos, suspensão dos direitos políticos. Um levantamento realizado em meados dos anos 70 dava conta de que, no período 1964 a 1974, haviam sido aplicadas 4.841 punições dos tipos descritos, das quais 2.985 apenas em 1964. (40)
As sanções eram aplicadas a partir das investigações realizadas por comissões especiais, através dos Inquéritos Policial-Militares (IPMs), instituídos por decreto-lei de Castelo Branco em abril de 1964. Para a instauração de um IPM bastava uma simples suspeita ou delação, mesmo sem nenhum fundamento ou prova significativa. Tal possibilidade permitiu levar à prisão milhares de pessoas, estimando-se que tenha chegado a cerca de 50.000, apenas nos primeiros meses após o golpe. (41)
À medida que a repressão visava neutralizar lideranças, consequentemente acabou por atingir indivíduos que se destacavam por sua capacidade incomum. Realmente, entre os punidos, encontravam-se os trabalhadores mais conscientes, estudantes melhor preparados, artistas mais sensíveis, professores sérios e competentes e os intelectuais mais brilhantes. Para citar apenas alguns exemplos, na Universidade de São Paulo, dentre os inúmeros professores aposentados, figuravam nomes como: Caio Prado Jr., Fernando Henrique Cardoso, Mário Schemberg, Paul Israel Singer, Octávio Ianni, Paula Beiguelman. Esses e outros docentes haviam sido denunciados como "subversivos" por uma comissão de professores da própria USP. (42) A nomeação de novos professores, funcionários públicos e a posse de dirigentes sindicais eleitos passavam a depender de um atestado ideológico negativo, obtido pelo indicado, onde os serviços de segurança afirmava expressamente que o candidato não tinha, nem teve compromissos com atividades consideradas subversivas. (43) As pessoas visadas pela repressão não tinham mais condições de trabalhar e produzir nas suas respectivas áreas. Por essa razão silenciaram, foram silenciados ou, simplesmente, saíram do país. O Brasil perdia seus melhores cérebros, por vários anos. Além dos professores já citados, tiveram sua atividade prejudicada: um dos maiores educadores do país, Paulo Freire, líderes estudantis como José Dirceu e Wladimir Palmeira, representantes sindicais como Dante Pellacani, sacerdotes respeitados internacionalmente como Hélder Câmara, compositores como Geraldo Vandré e Taiguara, escritores do porte de Antonio Callado, teatrólogos como Oduvaldo Vianna Pilho e tantos outros.
Mais grave era a prática rotineira de torturas. Destinava-se a arrancar confissões, obter denúncias a respeito da localização de "subversivos" ou simplesmente intimidar aqueles que fossem considerados inimigos do regime. No dia seguinte ao golpe, o antigo líder comunista Gregório Bezerra, preso por cordas a um jipe, era arrastado pelas ruas de Recife, seguido por soldados comandados por um tenente-coronel. (44) Refluindo em alguns momentos, exacerbando-se em outros, a tortura foi praticada pelo menos até janeiro de 1976. Nessa ocasião, houve a morte do operário Manoel Fiel Filho, poucos meses após a morte do jornalista Wladimir Herzog, ambos submetidos a violências físicas. O clima de indignação, surgido na opinião pública, determinou que as torturas fossem praticamente abolidas nos casos relativos a crimes políticos.
Os assassinatos geralmente praticados durante ou após as torturas foram igualmente significativos. Segundo o advogado Luís Eduardo Greenhalg, defensor de presos políticos, no período de 1964 a 1981 houve 112 "desaparecidos políticos" e cerca de 400 mortos. Se, em alguns casos, a eliminação física se deu em virtude de reação armada dos eliminados, em outros a morte era realizada friamente e depois apresentada como resultado de "tentativa de fuga", "atropelamento", "resistência a tiros" ou "suicídio". As violências físicas foram praticadas por policiais civis, militares e membros das Forças Armadas que atuavam nas Delegacias de Ordem Política e Social dos estados (DOPS depois DEOPS), nos Centros de Informação da Marinha (CENIMAR), do Exército (CIEX) e Aeronáutica (CISA) e, principalmente, na OPERAÇÃO BANDEIRANTE (OBAN), depois substituída pelo Centro de Operações da Defesa Interna e Destacamento de Operações e informações do Exército (CODI-DOI depois DOI-CODI). (45)

5. Pressão Psicológica

Dissemos que para um setor da sociedade adquirir consciência das suas condições de existência, e das formas de agir para mudá-las, é necessário que disponha de uma série de informações a respeito da realidade em que vive. Além disso, deve estar em condições de avaliá-las de modo a compreender, adequadamente, seu significado. Por pressão psicológica nos referimos ao conjunto de ações que visa neutralizar essa capacidade crítica, permitindo impor, sem o obstáculo que ela criaria, uma determinada versão dos fatos a que se referem aquelas informações.
William Sargant, baseado nas pesquisas de Pavlov e em suas próprias, verificou que os seres humanos, isoladamente ou em conjunto, quando submetidos a determinadas formas de pressão, podem ser acometidos de estados de sugestionabilidade que os leva a acreditar em certas afirmações, mesmo que totalmente falsas ou infundadas. Para manter nossa terminologia diríamos que, nessas condições, o ser humano sofre uma redução de sua capacidade crítica. Dentre as formas de pressão mais comumente empregadas pelos movimentos políticos e religiosos, Sargant menciona as drogas, o ritmo de palmas, luzes, músicas e tambores, rituais que determinam cansaço e dor física ou mental, ameaças, o anseio da espera. Dentre as reações concomitantes à redução do senso crítico, o autor destaca a ansiedade, tensão nervosa, esgotamento físico e mental, medo e pânico. (46)
Essas formas de pressão, com seus efeitos, costumam estar presentes durante as grandes manifestações de massa. Nessas ocasiões, multidões inteiras se vêem envolvidas por um clima de tensão emocional intensa que, algumas vezes, produzem verdadeira histeria coletiva. O regime pós-64 foi avesso à organização de grandes concentrações. Somente as comemorações da Semana da Pátria envolviam grande número de pessoas, embora fossem realizadas de tal forma que a passividade se tornava tônica comum entre os presentes. O instrumento de pressão psicológica empregado dirigia-se noutro sentido, procurando atingir cada indivíduo isoladamente. Construiu-se um quadro em que um sem-número de ameaças gerava um clima de medo permanente e generalizado. Há temores que, normalmente, têm estado presentes em todas as sociedades, especialmente nos períodos política e economicamente mais críticos. As possibilidades de desemprego, queda nos padrões de vida, acidentes no trabalho, enfermidades são expectativas que geram ansiedade para a maioria das pessoas. Significa que as pressões mencionadas por Sargant já foram detonadas, embora sem um agente que as tenha provocado intencionalmente. Se, nesse contexto, for introduzido um novo componente atemorizador, o clima de tensão só pode exacerbar-se ainda mais. A propaganda traria esse componente, reiterando o tema das campanhas iniciadas antes do golpe, em que ameaças terríveis eram construídas em torno do "fantasma" do comunismo. Cada indivíduo era pressionado por uma carga dupla, induzido não apenas a temer o que os comunistas poderiam fazer, como também ser confundido com um deles e punido.
A propaganda da ameaça comunista foi mantida durante todo o período. Havia, inclusive, um cerimonial antigo que em todo 27 de novembro se repetia, principalmente nos quartéis. Era o ritual de homenagens aos heróis mortos durante a "Intentona" comunista de 1935. Nessas ocasiões, através de discursos de autoridades militares e civis, depois reproduzidos na imprensa, utilizava-se o fato histórico para reafirmar que os comunistas eram "traiçoeiros", "covardes", "assassinos a sangue frio". Embora amplamente divulgado, o efeito do ritual era mais incisivo sobre os militares, incutindo-lhes o temor que reforçaria sua submissão e disciplina. A vida difícil dos quartéis torna fundamental a amizade entre os companheiros de farda. Deve ser ameaçador, para um soldado, imaginar que seu amigo, desde que doutrinado por comunistas, possa tornar-se seu assassino. Pior que isso, pois como enfatizavam os oficiais, os comunistas haviam assassinado seus companheiros enquanto dormiam. Se as campanhas anticomunistas eram permanentes, em alguns momentos foram particularmente intensas. Investiu-se muito nelas no governo Castelo Branco, já que a ameaça servia não apenas para legitimar o golpe recente, como também a "operação limpeza", destinada a reprimir todos aqueles que tivessem ligações com o movimento reformista anterior. No início do governo Costa e Silva as campanhas arrefeceram momentaneamente. Com a crescente mobilização da sociedade contra o governo, voltava-se com toda carga. Em dezembro de 1968, no preâmbulo do AI-5, se alegava que "atos nitidamente subversivos.. . comprovam que os instrumentos jurídicos, que a Revolução vitoriosa outorgou à Nação, para sua defesa, desenvolvimento e bem-estar do seu povo estão servindo de meios para combatê-la e destruí-la". Em meados de 1969, a guerrilha tornara-se mais audaciosa, assaltando bancos e seqüestrando o embaixador dos Estados Unidos. O anticomunismo exacerbou-se. Os Atos Institucional n. 13 e 14, de setembro de 1969, instituíam as penas de morte, prisão perpétua e confisco para os crimes contra a Segurança Nacional. A decisão era apresentada como necessária para evitar que o país continuasse a ser perturbado por "Atos de Guerra Psicológica Adversa e de Guerra Revolucionária ou Subversiva". Eram expressões dramáticas que a Escola Superior de Guerra já adotara há algum tempo. Com a chegada ao poder do General Ernesto Geisel, a guerrilha estava praticamente dominada. A partir daí, com as propostas de "distensão", seguidas das promessas de "abertura" política do governo Figueiredo, a dramatização do perigo comunista começava a ser menos intensa, apenas reproduzindo temas dos anos anteriores. Alguns setores do governo, contrários à liberalização do regime, eram mais insistentes em manter o clima. Em outubro de 1977 o General Silvio Frota, exonerado do cargo de Ministro do Exército, acusava o governo de ter abandonado os objetivos da "Revolução" e permitir a infiltração de militantes comunistas em todos os órgãos e escalões da Administração Pública. (47) Era um remanescente daqueles que se dedicavam a descobrir comunistas infiltrados por toda parte.
As campanhas, de maneira geral, eram elaboradas em torno de alguns temas constantes, que delineavam a natureza da ameaça. Em primeiro lugar, o comunismo seria onipresente, devido à tática de infiltração, pela qual os militantes logravam ingressar em todas as instituições da sociedade e órgãos do governo. (48) A presença comunista nas escolas se manifestaria através das publicações estudantis, "um dos pontos vulneráveis à infiltração ideológica comunista que, de forma sutil e direta, aborda temas que provocam a polêmica, o descontentamento, a conduta negativa". Professores de tendência comunista procurariam ocupar postos onde havia melhores condições de aliciar adeptos, tais como os cursos de Pós-Graduação e Chefias de Departamento. A infiltração atingira, inclusive, o Movimento de Educação de Base da Igreja Católica, o Mobral, Projeto Minerva e a disciplina Educação Moral e Cívica. Quanto ao cinema, dizia-se que os simpatizantes procuravam explorar a violência, pornografia e corrupção, através de uma linha de "cinema político" "encabeçada por alguns cineastas como Glauber Rocha, Rui Guerra etc.". O teatro também seria "utilizado como poderosa arma ideológica e de dissolução dos bons costumes". Na música, a "conspiração internacional, para implantação do chamado 'socialismo' foi buscar a canção como seu principal instrumento". Na imprensa "alguns jornalistas de tendências esquerdistas costumam usar como tática a distorção das verdades.. .". Na religião, os subversivos procuravam "infiltrar-se nos vários movimentos onde a Igreja está presente".
O objetivo final, atribuído pela propaganda ao comunismo, seria a tomada do poder. Para atingir esse objetivo, adotavam uma série de táticas intermediárias. A maior parte das suas ações visava enfraquecer a sociedade, para neutralizar suas defesas contra o ataque final. Para tanto, era necessário solapar os valores morais, abalar a família, desmoralizar as instituições. Transcreviam-se repetidamente frases e afirmações atribuídas a Marx, Lenin, Kruschev, Stalin e outros líderes socialistas, procurando demonstrar a frieza maquiavélica com que os comunistas pretendiam atingir seus intentos. Dentre as mais sugestivas, atribuía-se a Mao-Tse-Tung a afirmação seguinte: "Desorganizai tudo o que é bom no país de vosso inimigo, tentai envolver os representantes das mais altas camadas dirigentes em empresas criminosas, comprometei suas posições e, depois disso, dai publicidade à sua prevaricação. Entrai, igualmente, em contato com os mais baixos e duvidosos indivíduos. Atrapalhai, por todos os meios, a ação do governo e propagai a dissensão e a discórdia entre os cidadãos. Lançai os moços contra os velhos. Introduzi cantigas de música sensual, descartai as velhas tradições. Enviai mulheres fáceis para completar o trabalho de decadência. E preciso que dissimineis espiões por toda parte". (49) Dessa estratégia de enfraquecimento da sociedade fariam parte: a disseminação do uso de drogas, propaganda do sexo, amor livre e obscenidade, criação do movimento hippie. (50)
Paralelamente, iria se realizando o aliciamento de adeptos entre religiosos, políticos, operários, camponeses, professores e, principalmente, entre jovens, cujo idealismo tornava presa fácil de doutrinação. Para tanto não hesitavam em utilizar a "lavagem cerebral", através do emprego de "persuasão, privações, castigos, punições, violências físicas (choque e eletrochoque), hipnose, drogas, sexo, neurocirurgia". (51) O resultado das ações subversivas seria igualmente terrível: "Moços que se transformam em espiões, sabotadores, agitadores, terroristas e guerrilheiros; famílias que se desfazem; associações que se submetem e desvirtuam; comunidades que se dividem; instituições que se esfacelam e nações que se entregam à desordem e à guerra civil". (52) A vitória, com a tomada do poder pelos comunistas, significaria a criação de um regime totalitário com execuções em massa, internações em campos de concentração e trabalhos forçados. Todas as formas de liberdade democrática seriam abolidas. Nenhuma religião seria admitida. (53)
Paralelamente ao temor pela ação dos comunistas, foi se criando o medo da perseguição policial. Era o resultado não apenas da repressão efetiva que, de uma maneira ou outra, grande parte da população ficou conhecendo, mas também da presença de informantes por toda parte. Os órgãos de segurança implantavam agentes oficiais nas escolas, fábricas, repartições públicas. Além disso, esses mesmos órgãos estimulavam as denúncias, anônimas ou não, a respeito de pessoas suspeitas de subversão. Essa situação criou, nas Universidades, o que Paulo Duarte denominou "pânico nos arraiais da cultura", em que professores passaram a mudar seus programas para que os "dedos-duros" não interpretassem como subversão o que era apenas esclarecimento científico. (54) Sérgio Porto, já em 1966, ironizava essa prática de denúncias dizendo que "a 'redentora', entre outras coisas, incentivou a prática do dedurismo (corruptela de dedo-durismo, isto é, a arte de apontar com o dedo um colega, um vizinho, o próximo enfim, como corrupto ou subversivo - alguns apontavam dois dedos duros, para ambas as coisas)". (55) Nos edifícios, os síndicos e zeladores eram obrigados a preencher fichas, para serem enviadas à polícia, com informações detalhadas sobre os moradores de cada apartamento, responsabilizando-se pela sua atualização, sempre que houvesse mudanças.
Em 1969 foi intensamente veiculado, em São Paulo, um documento preparado pela Central de Difusão da OBAN denominado "Decálogo". Continha dez itens na forma de conselhos, dirigidos à população, segundo os quais deveria informar imediatamente a polícia ou o quartel mais próximo sempre que: visse alguém em atitude suspeita, fosse convidado, sondado ou conversado sobre assuntos estranhos ou suspeitos, escutasse assuntos estranhos em linhas telefônicas cruzadas ou quando um morador desconhecido mudasse para seu edifício ou quarteirão. Tudo para impedir que São Paulo caísse no "abismo em que os terroristas querem lançá-lo". (56) Ao mesmo tempo, cartazes com fotografias de pessoas procuradas eram afixados em todos os locais públicos com o texto: "Terroristas procurados. Assaltaram, roubaram, mataram pais de família".
Qualquer pessoa se tornaria um suspeito desde que alguém resolvesse, por qualquer razão, denunciá-lo. Alguma afirmação mal compreendida, um livro que se possuísse, conhecer ou ser amigo de outro suspeito, mesmo sem sabê-lo, tudo poderia levar à prisão para averiguações. O jornalista Antonio Carlos Fon esteve preso na OBAN, ocasião em que conheceu três outros prisioneiros que nada haviam feito e mal sabiam porque estavam lá. "Pardal", professor, fora acusado de comunista por um aluno a quem atribuíra notas baixas. O "japonês" vendia livros na Faculdade de Economia da USP, quando a OBAN tentou prender um grupo de alunos que fugira, restando apenas ele no local. "Osvaldo" embriagara-se numa boate e acordou no xadrez sem saber por quê. Fora preso por um agente que também não lembrava por que o havia prendido. Mesmo assim, foi torturado para confessar o motivo da prisão. (57) O temor generalizado também era reforçado pelas "batidas" policiais e pela forma como se efetuavam as prisões. As "batidas" eram operações de busca e detenção em que policiais ou militares procuravam suspeitos. Cercava-se uma determinada área para realizar buscas em todas as casas e carros; as pessoas que não se identificassem ou o fizessem de forma vista como inadequada eram detidas. Certas vezes prendia-se uma ou algumas pessoas, em outras eram dezenas, centenas ou milhares de prisões. (58) Quando a suspeita sobre o detido fosse muito forte, a prisão durava dias, meses até, sem que os familiares recebessem qualquer informação sobre seu paradeiro ou razão do desaparecimento. Dessa forma, a sensação de insegurança atingia não apenas a família do preso, mas também seus vizinhos, amigos e todos aqueles que viessem a saber do ocorrido. O cartunista Henfil, retratando essa situação, criou um personagem de bistória em quadrinhos que denominou "Ubaldo o Paranóico". A fisionomia do boneco expressava pânico e desespero sempre que exposto a situações, inclusive as mais ridículas, em que pudesse transmitir a impressão de que tinha alguma opinião política ou pudesse estar envolvido em algum tipo de participação.
Todo esse quadro estimulava uma postura individualista, que a propaganda viria reforçar. Criava aversão a qualquer forma de associação ou atuação participativa. Nas conversas, as pessoas tendiam a se manter em torno de temas superficiais e secundários; era um risco avançar além daí, perante estranhos ou pessoas pouco conhecidas. Sem participar, sem informar-se e discutir sobre as questões políticas e econômicas, grande parte da população perdeu a noção de conjunto a respeito de sua realidade. Vivendo e girando em torno de seu cotidiano pessoal, impregnados de temor e ansiedade, cada cidadão não tinha como questionar, discutir e precaver-se contra as afirmações da propaganda a respeito das maravilhas do "desenvolvimento" com "segurança".
O regime implantado em 64 contribuiu, também, para a generalização de uma prática de pressão psicológica que, diferentemente da mencionada até aqui, não se dirige a um número indeterminado de pessoas, mas a indivíduos ou pequenos grupos perfeitamente identificados, além de produzir efeitos muito mais profundos nas suas vítimas. Referimo-nos à técnica vulgarizada sob a denominação "lavagem cerebral". (59)
Abstraindo os aspectos e fundamentos psicológicos que explicam o processo e abordando-o de forma meramente descritiva, podemos afirmar que consiste num conjunto de pressões, exercidas sobre determinadas pessoas, com tal intensidade, que lhes acarreta uma espécie de "desestruturação" da personalidade e acaba por induzi-las a aceitar, passivamente, determinadas orientações de comportamento. (60) Dentre as formas de pressão, mencionadas nos estudos a respeito, é possível identificar algumas das praticadas no Brasil. Em primeiro lugar, há o total afastamento do indivíduo do seu ambiente habitual que, completamente isolado, ou compondo um pequeno grupo com pessoas que lhe são estranhas, perde os pontos de referência com que se acostumou a avaliar as diversas situações, bem como o apoio psicológico do relacionamento com familiares, amigos ou conhecidos. A seguir, há uma doutrinação intensa, em que determinadas idéias são repetidas exaustivamente. Nesta fase, geralmente, são empregadas outras formas de pressão que abalam as defesas psicológicas e minam a capacidade de reflexão do envolvido. Dentre elas, o cansaço produzido por horas a fio de pregações e debates ou por exercícios físicos obrigatórios; o medo, ou mesmo pânico, resultantes de intimidações as mais diversas; as dores, resultantes de certas práticas físicas obrigatórias ou de torturas; a alternância entre aprovação e reprovação do grupo, ou do líder, por certas idéias ou comportamentos apresentados. Essas formas de pressão têm sido empregadas, há muitos anos, em alguns movimentos da Igreja Católica e outras seitas religiosas, na vida militar e, mais recentemente, no treinamento de jovens executivos pelas multinacionais.
Alguns casos merecem referências específicas, pela importância que tiveram como instrumentos do processo de controle ideológico implantado após 1964. (61) O curso da Escola Superior de Guerra era ministrado na sede da Escola, no Rio de Janeiro, onde todos os participantes passavam a viver durante um ano, em tempo integral, afastados portanto do seu meio conhecido. Numa primeira fase eram obrigados a estudar (decorar) e ouvir palestras sobre a "Doutrina de Segurança e Desenvolvimento". As palestras, inclusive, embora proferidas por conferencistas portadores de curriculum vitae bastante extensos e respeitáveis, limitavam-se à leitura de textos previamente redigidos por outros. É que se queria impedir que se alterasse uma só vírgula dos textos originais, que não podiam sequer ser discutidos criticamente. A seguir, havia debates sobre os mais importantes problemas do país, analisados sempre à luz dos conceitos da "doutrina", dentro de uma metodologia em que a disciplina era fundamental e rigorosamente observada. Finalmente, havia viagens pelo Brasil, para verificação in loco dos problemas e das providências já tomadas pelo governo. O orgulho com que os formados pela ESG ostentavam a insígnia de ouro, nas lapelas, é sugestiva dos efeitos daquela doutrinação.
Nas Forças Armadas, havia a vida afastada dos quartéis, a hierarquia rígida, a disciplina rigorosa, os castigos exemplares, o cansaço dos longos exercícios e marchas, a obrigatoriedade de enfrentar situações difíceis e perigosas, em florestas inóspitas e ambientes repletos de fumaça ou gases intoxicantes. Tudo isso acompanhado, sempre, de pregações sobre a importância do patriotismo, do respeito e obediência aos superiores, do temor e ódio que se deveria ter pelos comunistas. A insistência nesses dogmas, cuja repetição, naquelas condições, se exacerbou a partir de 1964, produziu números "fanáticos" pela "farda", além dos militares que, obnubilados pela manutenção da "ordem" e da "segurança", não hesitaram em praticar perversidades indescritíveis e crimes os mais hediondos.
Dentre todas as formas de pressão psicológica, a mais grave e danosa foi a instituída com as torturas, onde a infligência de dor acabou por se mostrar um mal menor, em relação a toda a encenação que a acompanhava, inclusive com a utilização de sofisticadas técnicas importadas. O suspeito de ser "subversivo" ou de possuir informações importantes a respeito de algum deles era preso, geralmente encapuzado, levado para local desconhecido e mantido incomunicável por dez dias, no mínimo. Dessa forma, sem saber onde estava, nem porque, não recebendo respostas às suas perguntas, já que os carcereiros permaneciam em silêncio absoluto, durante a incomunicabilidade, ao prisioneiro só restava o tormento da insegurança e da dúvida. Gradativamente, ia sendo possuído pela angústia de não saber quanto tempo ficaria naquela situação e, pior, se sairia vivo ou morto. Depois vinham as agressões físicas: tapas, pontapés, pancadas com objetos especialmente criados para a tortura, choques, afogamentos, estupros. A seguir vinha o "diálogo" com o policial "simpático e humano", que aconselhava a contar logo o que soubesse. Agora havia o temor de não saber quando recomeçaria a sessão e até quando seria possível resistir. Dos que não morreram durante as torturas, a maior parte, embora tivessem sido jovens saudáveis, cultos, conscientes, ativos e idealistas, acabaram em frangalhos, suicidando-se ou passando a viver traumatizados, medrosos, inseguros, doentes física e mentalmente. (62)
NOTAS (O controle)
1. Esse padrão de noticiário desenvolveu-se rapidamente, a partir de 1941, no rádio, com a adoção de um modelo de origem norte-americana: o "Repórter Esso" que, em 1952, foi adaptado para a televisão. A esse respeito ver: 60 anos de rádio. Propaganda, p 30 e Imagens do Brasil (vídeo).
2. BRASIL. Congresso Nacional. Simpósio Censura, p. 142.
3. A respeito das diversas medidas, na área de telecomunicações, ver: BRASIL. Instituto de Planejamento Econômico e Social. Brasil: 14 anos de revolução, pp. 63 a 66.
4. HERZ, Daniel. A história secreta da Rede Globo, pp. 121 e segs.
5. CAPARELLI, Sérgio. Comunicação de massa sem massa, p. 21.
6. BRASIL. Presidência da República. Mercado Brasileiro de Comunicação, p. 87.
7. POMPEU, Sérgio. Uma instituição nacional. Retrato do Brasil, p. 200.
8. O regime de concessão foi criado em 1932, para o rádio, e estendido para a televisão em 1952.
9. REIS, Sirlene e MARTINS, Valvênio. Os donos da voz. Retrato do Brasil, p. 46.
10. MARCONI, Paolo. A censura política na imprensa brasileira, p. 168.
11. Cf. Decreto 52.795, de 31-10-63.
12. As referências ao acordo encontram-se em: Folha de São Paulo, 13-09-70; Jornal da Tarde, 31-05-72; O Estado de São Paulo, 03-OS-73, 10-08-73 e 16-12-79.
13. Isto É, 21-12-77.
14. O Estado de São Paulo, 1S-06-77.
15. O Estado de São Paulo e Jornal do Brasil, 17-06-77.
16. BRASIL, IBGE e BIBLIEX. A nação que se salvou a si mesma.
17. Jornal da Tarde, 144>1-76.
18. MAGALHÃES, Irene Maria et alii. Seg. e Terc. ano do gov. Costa e Silva. Dados, pp. 183 e 186.
19. MARCONI, Paolo. Op. cit., p. 148.
20. Respectivamente, artigos 14, 16, 1 e 17.
21. Artigo 63.
22. Artigo 9.
23. Artigo 16. <> 24. BRASIL. Congresso Nacional. Simpósio Censura, p. 5.
25 Artigo 34
26. Artigo 54.
27. BRASIL. Congresso Nacional. Simpósio Censura, pp. 6, 7 e 253.
28. MARCONI, Paolo. Op. Cit., pp. 80, 81 e 87.
29. MARCONI. Paolo. Op. cit., p. 173.
30. MARCONI, Paolo. Op. cit., pp. 225 a 303. Esses números são incompletos; referem-se, principalmente, à censura sobre a imprensa e em alguns casos se referem a assuntos repetidos. Dessa forma, apenas autorizam a conclusão de que a ação da censura era bastante intensa.
31. MAKLOUF, Luis. A guerra da censura. Retrato do Brasil, p. 142.
32. POMPEU, Sérgio. Uma instituição nacional. Retrato do Brasil, p. 400.
33. MAKLOUF, Luiz. Op. cit., p. 144.
34. A respeito da censura sobre livros, ver: BRASIL. Congresso Nacional. Simpósio Censura, pp. 375 a 386.
35. Id., ibid., p. 277.
36. BRASIL. Congresso Nacional. Op. cit., p. 276.
37. Id., ibid., p. 113.
38. MACHADO, J.A.Pinheiro. Opinião x Censura, pp. 122 a 123.
39. A respeito da amplitude e das conseqüências da censura, ver os diversos depoimentos existentes em BRASIL. Congresso NacionaL Op. cit. e Os impasses da cultura. Visão, agosto de 1973, pp. 101 a 130.
40. KLEIN, Lúcia e FIGUEIREDO, Marcus. Legitimidade e coação no Brasil pós-64, p. 152.
41. ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil, p. 59.
42. ASSOCIAÇÃO DOS DOCENTES DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. O Livro Negro da USP, pp. 16, 17, 40 e 41
43. A respeiro da exigência dos atestados na USP, ver: ASSOCIAÇÃO DOS DOCENTES. Op. Cit. Pp. 55 e 56; para dirigentes sindicais, ver: MAGALHÃES, Irene Maria. Op. cit. P. 155
44. Os anos de luta e morte. Afinal, p. 22
45. Os anos de luta e morte. Afinal, p. 14.
46. SARGANT, William. A conquista da mente.
47. O Estado de São Paulo, 13-10-77.
48. As citações aqui indicadas, sobre a propaganda a respeito das ações comunistas, encontram-se num folheto, elaborado pela Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Educação e Cultura, intitulado Como eles agem, reproduzido em parte em O Estado de São Paulo de 31-01-74. Ver outras mensagens, no mesmo sentido, em MARCONI, Paolo. Op. cit., pp.16 a 25.
49. CAMARGO, Enjolras J. C. Estudo de Problemas Brasileiros, p. 90.
50. MARCONI, Paolo. Op. cit., pp. 14 a 20.
51. Palestra do representante do Centro de Documentação do Ministério do Exército, Folha de São Paulo de 19-11-75.
52. Idem.
53. CAMARGO, J. C. Op. cit., p. 97; MARCONI, Paolo. Op. cit., p. 15; ANDRADE, Benedicto de. Educação Moral e Cívica, p. 170.
54. ASSOCIAÇÃO DOS DOCENTES. O livro negro da USP, p. 21.
55. PRETA, Stanislaw Ponte. FEBEAPÁ 1, p. 9.
56. VASCONCELOS, Teófilo. Propaganda e contrapropaganda, pp. 61 a 63.
57. FON, Antonio Carlos. Tortura, pp. 12 e 13.
58. ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil, pp. 160 e 161.
59. Trata-se de uma expressão inadequada porque sugere a possibilidade de "lavar" o "cérebro", extirpando as idéias nele existentes, substituindo-as por outras. As inúmeras descrições contidas na literatura sobre o assunto permitem entrever que, na verdade, trata-se de uma prática que procura orientar suas vítimas a se comportarem de determinadas formas que correspondem a tendências já existentes, embora canalizando-as para determinado sentido por elas não desejado, inicialmente. Dentre as obras a respeito, destacamos: BROWN, J. A. C. Técnicas de persuasão; GOFF, K. et alii, Psicopolítica, HUNTER, E., Brainwashing; MERLOO, J. A. O rapto do espírito; PANE, Ruben Ramirez. Capítulos de psicopolítica; SARGANT, William. Op. cit.; SARGANT, William. A possessão da mente.
60. A respeito dessa "desestruturação", como efeito de torturas, sob o enfoque psicológico, ver: NAFFAH Neto, A. Poder, vida e morte na situação de tortura.
61 - Todas as informações que se seguem foram obtidas em entrevistas com pessoas que participaram dos fatos descritos e exigiram que não fossem gravados ou anotados seus depoimentos, além da promessa de mantê-las anônimas.
62. A respeito das formas de tortura, ver: ARNS, D. Paulo Evaristo. Brasil nunca mais. Sobre as consequências psicológicas, ver: NAFFAH Neto, Alfredo. Op. cit.








CONTEXTO SOCIAL, POLÍTICO E ECONÔMICO E A EDUCAÇÃO NO BRASIL

José Augusto Zaniratti
Esta pequena síntese histórica, em elaboração, tem como finalidade auxiliar o debate na Constituinte Escolar. Desta forma queremos mostrar o papel da Educação e da Escola nos diferentes contextos históricos e como ela participou do modelo de desenvolvimento econômico de cada período histórico. As datas servem apenas para referenciar os processos e os fatos ocorridos.

"fazer do seu conhecimento um instrumento eficaz de transformação" (p.313).
A este movimento de resistência ao tecnicismo e, ao mesmo tempo, de consciência da necessidade de transformação, a tecnoburocracia respondeu com medidas eficazes, das quais Bosi destaca cinco: 1) inserção, em todos os graus de ensino, de disciplinas de doutrina sócio-política sustentada por ideais neocapitalistas (OSPB; EPB), que apresentam uma Nação-Estado em plena fase melhoramento técnico e progresso social (ideologia do Brasil Grande e do Milagre Brasileiro); 2) substituição do estudo de História Geral, História do Brasil, Geografia Geral e Geografia do Brasil por uma disciplina mista, chamada Estudos sociais, com problemas metodológicos significativos, devido à amplitude programática e à indiferenciação entre as áreas de que se apropria; 3) eliminação da disciplina Filosofia dos cursos médios, que propiciava aos alunos o desenvolvimento da reflexão teórica e crítica; 4) gradual exclusão do ensino de francês nos ensinos médios e até superiores, que foi substituído por inglês, fato que acarretou a perda de um dos instrumentos de conhecimento mais importante para a área das ciências humanas; 5) implantação do vestibular unificado que, num primeiro momento, se estrutura sem redação e orienta o segundo grau na direção de uma linha informativa, em detrimento da formativa e axiológica, oportunizando também o crescimento dos cursinhos pré-universitários, multiplicadores de informações e técnicas de memorização.
Frente a todas essas medidas, Bosi observa que se desenvolve um campo de tensões entre o modo de ler a cultura em conformidade com os movimentos pragmáticos do neocapitalismo - visão de mundo dos tecnocratas - e o modo crítico, visando à desmistificação das ideologias - próprio dos estudiosos de cada área. Desta forma, cria-se a contradição entre as tendências que Bosi chama especulares e as tendências críticas. As especulares são assim chamadas porque "espelham a rede dos interesses dominantes, arrastando, portanto, consigo a força dos fatos" (p.316).
Com relação às dissidências, remetendo a reflexões de Adorno e Umberto Eco, Bosi observa muito bem que a sociedade de consumo sabe muito bem aproveitá-las, transformando as críticas em mercadorias e moda e, com isso, esvaziando o seu efeito de conscientização e de transformação do status quo. Segundo o autor, a neutralização das possíveis dissidências é um comportamento próprio das sociedades neocapitalistas, que só se valem do recurso da punição em relação a atitudes que consideram mais capazes de despertar a "consciência das contradições".
Lucidamente, Bosi conclui que o sistema tem uma certa margem de indulgência para com aquilo que não vem de encontro à sua auto-conservação econômica, motivo por que, no final dos anos 70, a liberalização de costumes e da linguagem estão dentro desta margem de tolerância2. Mas, na prática da coibição, a ausência de uma certa filosofia, embasada em uma escala de valores (afora a da auto-conservação), faz com que o sistema sofra de uma certa instabilidade e até mesmo incoerência, quando se trata de praticar a censura em vários âmbitos ou de estabelecer programas institucionais. Nestes, os discursos são permeados de falas, que pertencem a correntes antagônicas - críticas e especulares -, como se pode observar no excerto do Plano Setorial de Cultura (1975-9), citado pelo ensaísta.
Quando se volta para a cultura fora da universidade, Bosi considera que o que caracteriza a cultura extra-universitária é o seu caráter difuso, produto da mescla de toda a vida psicológica e social do povo brasileiro. Ao contrário da cultura acadêmica - feita de discursos marcados e tematizados, - na cultura descolada do circuito universitário, os símbolos e bens culturais não são objeto de análise, mas vividos e pensados. (p. 320)
Neste âmbito, encontramos a indústria cultural, cujos bens simbólicos são consumidos, sobretudo, através dos meios de comunicação de massa. Esses bens são veiculados através da televisão, rádio, histórias em quadrinho e fotonovelas, revistas femininas, tratando-se, na verdade, como observa Bosi, de uma cultura para massas. O autor ressalta que, na década de 60, não houve mudanças essenciais na circulação e produção desses bens, e podemos até dizer o mesmo sobre as décadas seguintes. Contudo - assinala Bosi - a grande diferença diz respeito à posição crítica dos intelectuais que, nos anos 60, liam Marshall MacLuhan e viam com certo entusiasmo a mass communitation, mas, a partir dos anos 70, passam a ter uma atitude crítica, razão por que se produzem muitas dissertações e teses nas universidades que denunciam a ideologia conformista da indústria cultura, veiculada por programas de televisão e histórias em quadrinhos.
Ao lado da cultura para massas, Bosi identifica uma cultura popular, cuja fecundidade se manifesta através de inúmeros fenômenos simbólicos que exprimem o coração da vida brasileira. O imaginário popular se revela no rito indígena, no can-
2 Essa margem de tolerância faz lembrar O castelo, de Kafka, cujo protagonista se insere em uma ordem tão solidamente edificada em seu absurdo, que a sua presença dissonante e perquiridora não altera o status quo, motivo por que pode ser "tolerado".
domblé, no samba-de-roda, na festa do Divino, enfim em todas as manifestações religiosas do povo. São manifestações grupais e obedecem a cânones, mas sem o poder econômico, nem tampouco a força de expansão que têm a Universidade e as empresas de comunicação.
Na reflexão sobre a cultura popular, Bosi denuncia certas tendências em rotular de residuais as manifestações chamadas folclóricas, que se baseiam em um princípio evolucionista. Segundo essa visão, tudo o que estiver sob o limiar da escrita, inclusive os hábitos rústicos e suburbanos, é visto como sobrevivência das culturas indígena, negra, cabocla, escrava e mesmo portuguesa arcaica.
Incita, então, a que se reflita sobre toda essa cultura que viveu e vive à margem da escrita e se rejeite a visão elitista que estigmatiza a cultura popular como correspondente a estados de primitivismo, atraso, subdesenvolvimento e que se recuse, ao mesmo tempo, a visão romântico-nacionalista (romântico-regionalista ou romântico-populista) que toma como valores, sempre válidos, os transmitidos pelo folclore, ignorando as relações da cultura popular com a cultura erudita e a de massa, imbricações que ocorrem também entre a cultura popular e a cultura criadora dos artistas.
Um ponto capital do texto de Bosi é a sua proposição de abordagem da cultura brasileira, cuja fundamentação terá que tomar como matéria-prima o cotidiano físico e imaginário dos homens, para dele abstrair os valores e teores. Salienta que, no caso da cultura popular, não há distinção entre a esfera puramente material e a simbólica. Implica, portanto, modos de viver, tais como costumes alimentares, vestimentas, danças, jogos, crenças, linguagem, provérbios, formas de conhecer e transmitir conhecimentos, modos de olhar, sentir, agredir, consolar... enfim, todos aqueles aspectos que, reunidos, constituem o mundo simbólico e material do cotidiano do homem rústico. De acordo com Bosi, esta indivisibilidade entre o mundo material e simbólico na cultura popular é difícil de ser apreendida pelo homem letrado que, além de não a viver subjetivamente, está acostumado a tudo classificar, bem como a recortar em tópicos a experiência popular. (p.324)
Para enfocar esta cultura popular, em que o simbólico e o material estão implicados, o autor propõe a expressão "materialismo animista", como uma filosofia subjacente a toda cultura radicalmente popular. Materialismo é a palavra que recobre o aspecto cotidiano do homem na sua ligação com o trabalho, através o uso da matéria, o trabalho com a terra ou a manipulação dos instrumentos mecânicos, enfim o lado prático da vida ou da sobrevivência. Mas este aspecto material

não é absolutamente desencantado (Bosi utiliza aqui uma expressão de Max Weber através da qual ele qualificou o universo da racionalidade burguesa). Nesse universo cotidiano, há sempre uma relação com uma força superior, construída por conceitos como de sortes, simpatias, azares, maus-olhados, pés direitos e pés esquerdos, vinculados ao uso de talismãs, fotos, fitas, figas, medalhas, santinhos, etc. - objetos que a crítica racionalista designa de "superstições".(p.324) O materialismo-animista, fundado na oposição corpo/alma, transmitiu-se e continua a se transmitir, sobretudo nas comunidades rurais, segundo Bosi, mas certamente também presente nas urbanas, sendo responsável por todo um conhecimento difundido, de século a século, a respeito dos ciclos da natureza, das partes do dia, dos ciclos biológicos da mulher, fases da vida, etc. Trata-se de um acervo da memória coletiva, comumente chamada de sabedoria popular.
Feitas essas caracterizações das culturas, o texto de Bosi desencadeia uma reflexão sobre as relações entre as diferentes culturas brasileiras, mostrando que se cruzam e estão implicadas mutuamente.
Cultura de massas e cultura erudita se relacionam visivelmente em diversos aspectos, tais como, por exemplo, a fascinação dos profissionais, de nível superior, pelos produtos da indústria cultural, veiculados em objetos mecânicos e eletrônicos, e, ao mesmo tempo, o fato de que esses recursos só se tornam possíveis, graças às pesquisas desenvolvidas no campo universitário. Numa relação inversa, a cultura de massas se apropria dos objetos simbólicos e representações da cultura erudita para transformá-los em moda e consumo, fenômeno chamado de kitsch, estudado por Abraham Moles, "que consiste em divulgar, junto a consumidores das classes altas e médias, palavras, gostos, melodias, enfim bens culturais produzidos inicialmente pela chamada cultura superior" (p.327--8).
Cultura de massa e cultura popular se relacionam através dos meios de comunicação, já que em qualquer casa de caboclo a cultura de massa ocupa suas horas de lazer, através da televisão e do rádio, as quais poderiam ser gastas com "alguma forma criativa de auto-expressão"(p.328). Ao mesmo tempo, a cultura de massa explora aspectos da vida rústica, para devolvê-los através de emissões de televisão, em alta escala, transformando a manifestação espontânea em espetáculo, tal como o que se faz no carnaval para turista ou a reportagem sobre a macumba na televisão. Todavia - assinala Bosi - a cultura de massa não consegue anular a produção cultural popular. Esta, apesar da exploração, não interrompe o seu "dinamismo lento, mas seguro e poderoso da vida arcaico-popular", que continua existindo, de modo or-
gânico, na rede familiar, na comunidade, nos grupos religiosos (p.329). Para o autor, o povo tem um filtro que rejeita o que considera impertinente e adapta ao seu universo aquilo que lhe interessa, observação relevante porque anula a idéia, muito difundida, de que o povo assimila mecanicamente tudo aquilo que é veiculado pelos meios de comunicação.
Ninguém ignora, segundo Bosi, os laços que unem a cultura erudita e cultura popular, que se manifestam, sobretudo, na criação artística, como na obra de Villa-Lobos, na literatura de Guimarães Rosa , na pintura de Portinari e em tantos outros. Segundo ele, a única relação fecunda entre o artista e a vida popular é a "relação amorosa", que ele traduz por uma empatia autêntica e profunda com a cultura popular, sem a qual o homem de cultura universitária corre o risco de "se enredar nas malhas do preconceito", na visão etnocêntrica, à européia, frente aos colonizados, ou poderá projetar suas próprias angústias e inibições na cultura do outro. (p.331) A propósito do olhar etnocêntrico em relação à cultura do outro, Bosi o exemplifica com os textos de cronistas, viajantes e catequistas que escreveram sobre o Brasil no início da colonização, os quais estão eivados de preconceitos e equívocos.
Após o olhar que se lançou sobre os aborígines, por ocasião da Independência, utilizando-o como imagem e mito de uma ideologia nacional-conservadora, o final do século XIX demonstra um interesse pelo negro e pelo sertanejo, momento em que obras como O selvagem, de Couto de Magalhães (1877), L'animisme fétichiste des nègres de Bahia, de Nina Rodrigues e Os Sertões, de Euclides da Cunha dão importante testemunho desta mudança. Contudo, ainda persiste uma série de idéias preconceituosas, tais como a idéia do caráter pré-lógico do pensamento do negro, índio, mulato ou caboclo, postulando-se também problemas produzidos pela mestiçagem. Lendo os ensaios de Silvio Romero e de João Ribeiro, percebe-se um "misto de interesse, condescendência e atribuição de inferioridade cerebral", em relação a essa parcela da população, ficando subjacente é a idéia da superioridade do branco. (p.332)
São os escritores modernistas que vão propor o entrecruzamento das culturas brasileiras, expresso, principalmente, em duas tendências: o "nacionalismo estético e crítico de Mário de Andrade" e no "antropofagismo de Oswald de Andrade". A primeira inclina-se a uma "fusão de perícia técnica supranacional com a sondagem de uma psicologia brasileira semiprimitiva, mestiça, fluida, romântica", enquanto a segunda, prega a incorporação "indiscriminada dos conteúdos e das formas internacionais pelo processo antropofágico brasileiro, que tudo devoraria e tudo fundiria no seu organismo inconsciente, entre anárquico e matriarcal". (p.333) Bosi salienta que a importância deste momento reside no faì¥Á9
ø ¿
pïbjbjýÏýÏ
Ç Ÿ¥Ÿ¥”ÿ!a¹
[1]ÿÿÿÿÿÿl $ÄÈ­HT­d­D‑2üüü€,ì¥Á9
ø ¿
pïbjbjýÏýÏ
Ç Ÿ¥Ÿ¥”ÿ!a¹
[1]ÿÿÿÿÿÿl $ÄÈ­HT­d­D‑2üüü€,o. Para o autor do ensaio, deve haver uma relação estreita entre os momentos históricos ultramodernizantes e a produção irracionalista ou , como se usa dizer hoje, contracultural, pois no final da década de 60, quando o Brasil vive um período de saturação tecnológica, o Tropicalismo repropõe a volta ao pensamento antropofágico.
O texto de Bosi convida a reflexões, ainda muito pertinentes e necessárias, a respeito das culturas brasileiras, sendo fundamentais as idéias de pluralidade e de relacionamento entre essas diferentes culturas, que não se fundem mutuamente, mas mantêm relacionamentos de tensão, troca, hibridismo e estão em constante transformação. Vale lembrar que a sociedade brasileira é também matizada por grupos de emigrantes, como os italianos e alemães que aqui chegaram no século XIX, japoneses no século XX, e outros povos estrangeiros que, radicando-se definitivamente aqui, trouxeram visões de mundo diferentes das do colonizador português e que hoje se constituem como comunidades que interagem com os demais grupos culturais, neste processo incessante de trocas, assimilações e diferenciações. Essas são reflexões que podem ser estendidas a todas as Américas, compostas de países que sofreram processos colonizadores muito semelhantes, nos quais os povos autóctones foram aniquilados ou menosprezados pelo olhar etnocêntrico dos europeus.
Com relação a um projeto educacional que contemplasse a multiplicidade cultural brasileira, de modo realmente democrático, Bosi preconiza que esse deveria penetrar de fato na riqueza da sociedade civil, promovendo tudo aquilo que na cultura erudita (universitária ou não) fosse um "dobrar-se atento à vida e à expressão popular" e, ao mesmo tempo, "uma reflexão sobre as possibilidades, ou as imposturas, veiculadas pela indústria e comércio cultural" (p.341). Tratar-se-ia, assim, de um projeto democrático-socializante, visando educar para trabalho junto ao povo, refletir sobre a tradição cultural, desenvolver valores de solidariedade. Enfim, o ensaísta propõe um projeto que se vincule à proposta de Paulo Freire: educar para a liberdade. Infelizmente, parece que ainda estamos longe da implementação de tal proposta ou de qualquer outra que se assemelhe, eis por que o texto de Alfredo Bosi permanece atual.








Período
CONTEXTO POLÍTICO E ECONÔMICO
NA EDUCAÇÃO
1500
O Homem Branco, vindo de Portugal, ocupa uma área que será chamada de Brasil;
A ocupação é efetivada do litoral para o interior, mas, de Laguna para o sul, o processo de ocupação era, principalmente, do interior para o litoral com a presença do espanhol;
Estabelece uma economia, inicialmente, baseada em ciclos, no extrativismo vegetal (Pau Brasil) e mais tarde na extração de pedras preciosas;
A participação do Brasil se dá dentro do modelo colonial mundial;
O ciclo da cana de açúcar é estabelecida numa estrutura baseada no latifúndio, na monocultura e voltada para a exportação;
A mão-de-obra era escrava e o comércio voltado para Portugal;
No RS se estabelece uma economia baseada na Estância de Charque, produto para o consumo dos escravos, portanto uma atividade considerada secundária para a economia exportadora do país;
O poder político vai se concentrando nas mãos de grandes proprietários de terras e de escravos;
Influência forte das teorias filosóficas e políticas do exterior, principalmente da Europa e EUA;
O território é bastante ampliado para oeste e sul;
Mesmo antes da chegada do homem branco no Brasil havia Educação aqui. Não havia escola, mas havia uma prática educativa;
Os filhos homens e primogênitos dos ricos que viviam no Brasil eram enviados para a Europa, - Portugal. Assim vai se formando a Elite dirigente do país;
Os religiosos, como é o caso dos Jesuítas, atuaram na educação neste período, com uma formação geral;
Isto evidencia a influência do modelo de educação europeu no Brasil e ao mesmo tempo vai constituindo a idéia de "importação de modelos";
Com o tempo poucas escolas serão construída no fim deste período. Serão escolas voltadas para os demais filhos da elite que não foram enviados para a Europa;
A maioria da população estará fora de qualquer tipo de educação por serem índios, escravos negros e mulheres;
1822
A elite brasileira, aliada a elite portuguesa no Brasil, com apoio econômico, político e militar da Inglaterra, proclamam a "Independência" do país;
A estrutura econômica e fundiária não é altera, pelo contrário, é reforçada para manutenção da recente "Independência" do país;
O Brasil assume uma dívida externa enorme, reforça se papel de exportador, agora ingressa no mercado mundial como fornecedor de matéria-prima para as industrias inglesas;
Passa a importar tudo que necessita, inclusive mão-de-obra escrava, que cresce muito;
Nasce uma "industria" de pequeno porte, voltada para a complementação da indústria européia;
O comércio interno cresce de forma significativa;
Aos poucos a monocultura do café assume um destaque importante, diminuindo o peso da cana de açúcar;
Guerras internas e externas marcam os conflitos entre a classe dominante, do país, como a Revolução Farroupilha entre 1835-1845 e na América Latina como a Guerra do Paraguai;
O uso do negro como mão-de-obra e do comércio de escravos é contestado pela Inglaterra, principalmente, na perspectiva da formação de um mercado consumido mais consistente e no barateamento da produção através da mão-de-obra assalariada;
O poder político, econômico e militar estava fundamentado nos poderes locais dos grandes senhores de terra, portanto o regionalismo era uma marca importante;
A imigração européia passa a ser uma solução para o "branqueamento" da população e ao mesmo tempo a entra de novas técnicas na agricultura;
Na Europa se vive um período importante para o capitalismo e de unificação da Alemanha e Itália, de onde chegam grande levas de imigrantes, em grande parte, analfabetos;
A imigração é localizada, principalmente, em São Paulo e Rio Grande do Sul;
A industrialização no Brasil cresce mais um pouco;
Grande influência de filosofias e posições política do exterior, tanto da classe dominante européia como o de Anarquistas e Socialistas na nascente classe operária;
O Brasil chega em 1888 na fase final do processo gradual de Abolição da Escravidão;
A República em 1889 na mudou na estrutura econômica e fundiária do país, representou apenas um passo importante para a nova configuração política da América Latina e estruturando o aparelho burocrático e político do Estado;
No Brasil, principalmente no RS, o positivismo já tem grande influência em toda a sociedade;
Cresce os conflitos entre as elites dirigentes e entre esta e os trabalhadores como mostram as Greves de 1906 e 1917;
A partir da Independência aumenta a preocupação com a construção de escolas, mas permanece o caráter excludente, elitista e dependente da Europa;
Em todo o país surgem escolas "primárias" públicas e outras escolas e faculdades privadas, como é o caso das Faculdades de Direito, Medicina e Engenharia no Rio Grande do Sul;
Aumentava de forma significativa o contigente de analfabetos e, com aparência contraditória, aumenta o número e o acesso às escolas;
A imigração, a partir de 1870, proporciona também um tipo muito particular de escola: as chamadas escolas da Comunidade. A comunidades alemãs e italianas construíam as Escolas ao lado das respectivas Igrejas, para seus filhos. É evidente que a educação neste caso era a partir da cultura e da língua vinda com os imigrantes;
Com a abolição da escravidão aumenta a demanda por escolas públicas;
A luta por escolas públicas é do início de nosso século, principalmente com os imigrantes anarquistas, que já incluíam em suas reivindicações;
O Brasil entra na década de 1920 com mais de 80% de analfabetos;
...

1930
No contexto Mundial, os EUA assumem a liderança das Grandes potências mundiais;
Inicia uma fase de concentração urbana no país, resultado do êxodo;
A concentração urbana, provocada pela política governamental, visava a formação de uma massa de trabalhadores que serviria para o processo de industrialização;
A CLT foi um instrumento importante, legalizando para a totalidade dos trabalhadores urbanos uma série de direitos conquistados por determinadas categorias como a jornada de 8 horas de trabalho;
O sindicalismo foi, em grande parte, atrelado à política governamental, através da legalização e institucionalização do Sindicato oficial e regulado pelo Estado;
O apoio à Industria foi muito significativo, mas não foi alterada a estrutura fundiária do país, tão pouco a monocultura do café para a exportação;
O combate à política local e aos regionalismos foi muito intensa;
A participação das massas trabalhadores na vida política do país era mais intensa, mas de caráter de assistência, enquanto ouvintes das lideranças populares;
O Governo divulgava suas marcas e símbolos, construindo uma imagem bem definida do Governante;
De certa forma o Brasil volta-se para si mesmo, embora tenha criado as condições para a vinda das multinacionais para dentro do país;
A política de defesa do Petróleo Brasileiro se intensifica;
Em 1956, com o Governo de JK, o Brasil busca desenvolver-se "50 anos em 5", com um conjunto de Metas baseadas na ampliação da Produção de Energia, Construção de Estradas, Construção de Brasília e investimento contra o analfabetismo;
Desta forma o Brasil preparava-se para receber ainda mais multinacionais com tecnologia de ponta que eram as Montadoras de Veículos. Opção por um meio de transporte que nos deixaria ainda mais dependente, já que não somos auto-suficientes em Petróleo;
O deslocamento da Capital Federal do Rio de Janeiro para Brasília, sonho da Elite brasileira desde o Segundo Império, viabilizaria um afastamento estratégico do centro de poder da área de maior concentração populacional, longe, portanto, da possibilidade de pressão direta sobre o centro de decisão política;
Na década de 60, o Brasil já possuía uma dívida impagável, JK decretou moratória e o país já possuía um perfil completamente diferente do ponto de vista social e econômico;
Com a Ditadura Militar no Brasil e América Latina, observamos características nacionalistas internamente e, ao mesmo tempo, uma política econômica externa voltada para atender interesses internacionais e para desenvolvimento das telecomunicações;
A crise do Petróleo em 1973 mostra a dependência do modelo econômico do Brasil e marca o fim do chamado "Milagre Econômico" do país;
Nas próximas décadas o país vai internacionalizando-se, baseado no capital externo e na mais absoluta dependência das relações econômicas internacionais;
O capital nacional assume seu papel histórico que é o de contentar-se com os restos das atividades econômicas não atendidas ou subsidiárias ao capital multinacionais;
Apesar da influência dos EUA, a matriz do modelo de educação no Brasil continua Européia;
Neste período a educação assume um contorno diferente, a preocupação passa a ampliar o acesso à educação para formação de mão-de-obra;
Cresce o processo de deformação de demandas, concentrando a educação nas áreas urbanas e secundarizando as áreas rurais, diferenciando ainda mais o mundo rural do urbano;
As escolas passam a Ter uma preocupação com a formação técnica;
Na década de 40 surgem as Escolas Técnicas, na perspectiva de preparação de mão-de-obra para a crescente industrialização do país;
Aumenta o acesso à escola, mas permanece o caráter excludente, com formação elitista e dependente da Europa;
Entre as décadas de 30 à 50 a educação é para as "massas" urbanas, que agora tem maior acesso à escola;
No início dos anos 60 a educação, com Paulo Freire, recebe uma valiosa contribuição de método e conteúdo;
A Ditadura Militar passa a usar a Educação para implantar a ideologia do "Brasil: ame-o ou deixe-o" com instrumentos como a disciplina de Moral e Cívica, OSPB e EPB nas escola de 1º, 2º e 3º graus;
Os Movimentos Populares e Sindicais, incorporaram entre suas reivindicações, acesso à educação e construção de novas escolas;
Em 1971 houve uma importante reforma na Educação com a aprovação da Lei 5692/71;
Esta nova legislação representou a possibilidade da presença pesada da iniciativa privada; (MEC-USAID);
1980
1999
A partir de 1980 entramos numa fase mais aguda de internacionalização da economia baseada no Neoliberalismo;
O perfil de empresas a partir deste período exigem uma mão-de-obra muito especializada, também resultado do avanço da tecnologia, sobretudo na informática, robótica e eletrônica;
A soberania do país passa a ser ameaçada pelos interesses transnacionais;
A economia interna passa a respeitar a lógica e a dinâmica internacional, aliado a um processo de concentração de capitais internos e externos;
O desemprego cresce assustadoramente e hoje o modelo não esta organizado para empregar nem parte dos desempregados;
A exclusão social, política e econômica é a marca mais importante e a forma que alimenta o dinâmica mundial;
Educação hoje é de responsabilidade do Estado de 7 aos 14 anos;
A política federal é de privatização de todos os níveis, desobrigando o Estado da Educação na prática;
A Educação é vista como negócio, lucrativo;
Portanto continua sendo um espaço excludente, seja pelo preço, ou pelo caráter da formação;
















OITVA CONVERSA__________________________________________



U


MA PROPOSTA HUMANIZADORA DA CULTURA E SOCIEDADE BRASILEIRA:
· CONFRONTO COM A REALIDADE
· o mundo da ciência do mundo da vida
· CARÁTER ESPECIFICO E SINGULAR DE CULTURA E SOCIEDADE BRASILEIRA
· FUNÇÃO DO ESTUDO DA CULTURA E SOCIEDADE BRASILEIRA NA UNIVERSIDADE
· UMA PARADA PARA INTERIORIZAR-SE
· NOSSO DESAFIO: A HUMANIZAÇÃO
· POR UMA UNIVERSIDADE HUMANIZADORA
· Os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Sociologia Brasileira
· CULTURA E SOCIEDADE BRASILEIRA

















UMA PROPOSTA HUMANIZADORA DA CULTURA E SOCIEDADE BRASILEIRA


Esta disciplina oferece subsídios para que o aluno possa conhecer a refletir objetiva e criticamente sobre a realidade brasileira, num contexto latino-americano, como país de terceiro mundo e no âmbito mundial. Procura ainda, estimular o aluno a participar na sociedade como agente de transformação da realidade; Focaliza os seguintes temas: educação (universidade), saúde (fome e drogas) e violência.
Numa sociedade cuja quantidade e qualidade de vida assenta em configurações cada vez mais complexas de saberes, a legitimidade da universidade só será cumprida quando as atividades se aprofundarem na abordagem humanística.
CONFRONTO COM A REALIDADE
A discussão iniciada nos itens anteriores abre-nos um campo interessante de reflexão que merece ser explorado; as respostas sobre a importância e especificidade da Cultura e Sociedade Brasileira referem-se tanto a uma abordagem especial - que nenhuma outra disciplina promoveria -, quanto aos conteúdos de nossa ciência - seu quadro teórico-conceitual. Creio ser interessante nos voltarmos exclusivamente, neste momento, para a abordagem específica da Cultura e Sociedade Brasileira ou das ciências sociais sobre a realidade humana como meio de tornarmos ainda mais precisa sua distinção em relação às demais disciplinas do nível superior e, a partir disto, explicitarmos sua importância e sua identidade. Para isto, quero começar dando um exemplo tirado de outra área.
A professora Ana Cláudia Nahas, Coordenadora da área de Educação Musical do Centro Educacional Leonardo Da Vinci, fez essa mesma pergunta, em certo momento, mas referindo-se a área de música. Qual a especificidade da Educação Musical, que lhe garante significado enquanto disciplina escolar em meio a outras disciplinas estéticas? A que conclusão ela chegou? Que a música não tem sua importância por desenvolver, dizendo de um modo geral, a sensibilidade estética dos alunos. Ora, desenvolver a sensibilidade é algo que pode ser feito pelas Artes Plásticas, pela Dança e pela Literatura. A sensibilidade para o Belo é desenvolvida, em graus diferentes, por diversas disciplinas, inclusive por outras não ligadas diretamente às artes. Mas a Música guarda uma especificidade que está relacionada ao desenvolvimento da sensibilidade auditiva. E nisso ela se difere de qualquer outra. Este exemplo é interessante porque nos serve de analogia. A história e a geografia também produzem conhecimentos sobre o mundo social. E dizer que seus olhares são distintos do olhar sociológico já virou lugar comum. Que é que tem o olhar sociológico que é diferente do olhar dessas outras disciplinas?
Uma pista para respondermos a isto está numa importante reflexão do antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira em uma aula inaugural para o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP, de 1994, e intitulada "O trabalho do antropólogo: olhar, ouvir, escrever". Ele discorreu sobre o olhar, o ouvir e o escrever como atos cognitivos, mas que se revestem de um caráter especial enquanto constitutivos do conhecimento antropológico e sociológico. O autor nos lembra que o olhar e o ouvir são disciplinados pela teoria e possuem uma intencionalidade, isto é, são dirigidos pela nossa formação em ciências sociais e, portanto, são seletivos. Nas palavras do autor, "esse esquema conceitual [nossa teoria social] - disciplinadamente aprendido durante o nosso itinerário acadêmico, daí o termo disiciplina para as matérias que estudamos -, funciona como um prisma por meio do qual a realidade observada sofre um processo de refração".
Ora, se ocorre esta domesticação do nosso olhar, do nosso ouvir e do nosso escrever pela formação disciplinada em ciências sociais, podemos afirmar que o contato dos jovens educandos com essas teorias, ainda que formatadas pela didática nì¥Á9
ø ¿
pïbjbjýÏýÏ
Ç Ÿ¥Ÿ¥”ÿ!a¹
[1]ÿÿÿÿÿÿl $ÄÈ­HT­d­D‑2üüü€,ì¥Á9
ø ¿
pïbjbjýÏýÏ
Ç Ÿ¥Ÿ¥”ÿ!a¹
[1]ÿÿÿÿÿÿl $ÄÈ­HT­d­D‑2üüü€,ontecimento que ele acredita demonstrar a importância desse tipo de conhecimento. Diz o antropólogo,"Permitam-me aqui uma anedota que apresenta um exemplo surpreendente de apercepção sociológica. Mais ou menos no final da preparação para o Certificado de etnologia, um condiscípulo que não se destinava à etnologia contou-me que lhe sucedera uma coisa estranha. Ele me disse mais ou menos o seguinte: outro dia, num ônibus, percebi de repente que não olhava para os meus companheiros de viagem como de costume; alguma coisa havia mudado em minha relação com eles, em minha maneira de me situar com relação a eles. Não havia mais "eu e os outros"; eu era um deles. Durante um longo momento me perguntei pela razão dessa transformação curiosa e repentina. De repente ela me surgiu: era o ensinamento de Mauss". Conclui Dumont: "O indivíduo de ontem sentia-se social, percebera sua personalidade como ligada à linguagem, às atitudes, aos gestos, cuja imagem era devolvida pelos vizinhos. Eis o aspecto humano essencial de um ensino de etnologia".Podemos acrescentar: eis o sentido do ensino de Cultura e Sociedade Brasileira. Mais que desvelar os chamados "problemas sociais" ou de ensinar um elenco sem fim de conceitos, o desenvolvimento da apercepção sociológica a que se refere Dumont é de fundamental importância. Para este autor, a Cultura e Sociedade Brasileira atua contra a mentalidade individualista do homem moderno. Foi com o advento da modernidade e a formação das sociedades capitalistas que a ideologia individualista se constituiu em ideologia hegemônica, fornecendo a base para as representações ainda vigentes sobre o indivíduo, as relações ou interações humanas ou a política. Somente com o devido distanciamento de nossa própria sociedade e por meio de um olhar comparativo podemos perceber que nossa visão de mundo é mais uma entre tantas outras igualmente legítimas, resultantes do fato de que outros homens, de distintos lugares e tempos, organizam-se e vivem de maneiras diferentes da nossa. Tanto quanto essa apercepção nos permite, num duplo movimento, compreender nossa própria realidade pela descoberta inusitada de aspectos e relações antes insuspeitas. E assim chegamos à compreensão do quanto há de dependência onde vemos liberdade, do quanto há de diferença onde pensamos homogeneidade e do quanto há de hierarquia quando insistimos em ver igualdade. Talvez aí esteja a grandeza do estudo e ensino da sociologia: rasgar os véus das representações sociais e compreendê-las sob uma nova ótica, elas próprias como produtos sociais.A apercepção sociológica de que trata Dumont não é fruto tão somente do conhecimento cognitivo de teorias sociais, pois se dá por meio do olhar e do ouvir como bem descreveu Roberto Cardoso de Oliveira, mas não de um olhar e um ouvir quaisquer, porém educados de um modo todo especial, como nos lembra Marta Zorzal. Um olhar e um ouvir disciplinados pelo quadro teórico-conceitual e pela experiência em campo. No entanto, não podemos esperar muita "experiência de campo" no Ensino superior, nem é nosso objetivo formar sociólogos ao fim dessa etapa do ensino universitário. Aqui, trata-se de promover o contato cognitivo do aluno com o pensar sociológico da cultura e sociedade brasileira ainda que, na medida do possível, por meio da organização de algumas possibilidades de experiência com pesquisa.A "tomada de consciência", como sugere Cristina Costa, ou o desenvolvimento da "apercepção sociológica", como afirma Dumont, só é possível pelo confronto e problematização de nossa própria realidade e pelo "espanto", no sentido filosófico, diante de realidades culturalmente diferentes da nossa. Eis um olhar que é próprio de nossa disciplina, educado "a ver os mesmos panoramas por meio de perspectivas diferentes"; compreender a realidade social passa por esse desenvolvimento. Pode-se mesmo argumentar que tais questões também podem ser desenvolvidas pelas disciplinas de história e geografia, mas este é um argumento que não se sustenta. Senão vejamos, a história e a geografia podem tratar as questões referentes à crítica social e à diversidade cultural, mas de um modo secundário ou periférico; outras vezes numa perspectiva descritiva. Não se trata de objetivos principais de suas propostas. Além do que, tradicionalmente essas disciplinas têm-se voltado para "conteúdos" exigidos principalmente pela instituição do vestibular. Por fim, existe uma distância muito grande entre as discussões temáticas - reforma agrária, exclusão social, mudança social, sexualidade, democracia, consumismo, representação política, família, direitos humanos, sindicato, gênero, violência etc - e o desenvolvimento de modos de pensar.
Não é o caso da disciplina Cultura e Sociedade Brasileira. Ela está unicamente voltada a essas discussões e, seja qual for o tema em foco, seu objetivo é sempre descortinar níveis de realidade, percepção e representação presentes nas ações humanas. Este é seu projeto desde sua fundação enquanto ciência. É por essa razão que proponho que esse também é o sentido da disciplina cultura e sociedade brasileira no nível superior, sua importância, seu objetivo. Para além da discussão se a disciplina deve ser tratada do ponto de vista conceitual ou temático, o que proponho é que seja qual for o conceito ou a problemática trabalhada em suas aulas, esses serão sempre meios para se atingir seu objetivo - a percepção sociológica. Ora, fazer a crítica ao capitalismo, por exemplo, pode ser importante para a "superação da consciência alienada" do estudante, como afirmam alguns, mas o que garante ao professor que esse estudante está realmente compreendendo a realidade a partir de um prisma novo, como uma teia multideterminada, e não apenas se enchendo de informações parciais fornecidas pelo professor? O que garante, para usar um termo pouco adequado mas de fácil compreensão, que o aluno que concorda com as idéias sobre a desigualdade social levantadas pelo professor, não esteja mesmo assim lançando mão do "senso comum" e da evidência empírica? Quero dizer: concordar ou discordar das visões apresentadas nas aulas de sociologia não implicam numa mudança qualitativa de pensamento e linguagem. É preciso que o professor de sociologia não se contente com essas manifestações e busque desenvolver uma nova atitude ou postura cognitiva nos alunos. Ainda que dotemos o ensino dessa ciência de um projeto político, ele passará necessariamente pela apropriação de uma perspectiva sobre o mundo social que será garantida na mesma medida em que nos aproximarmos do objetivo estabelecido aqui para a sociologia.
Espero, com esses pensamentos, contribuir para a construção de um sentido para a nossa disciplina no ensino terceiro grau. Num esforço de esquematização podemos afirmar que precisamente os três objetivos gerais analisados nos itens anteriores –
(1) construção da cidadania por meio da formação dos cidadãos;
(2)preparação básica para o trabalho por meio do entendimento das novas formas de organização do trabalho e da produção em tempos de globalização; (3) promoção de uma compreensão sociológica da realidade na qual estamos inseridos especialmente pelo desenvolvimento de seu modo específico de pensar - constituem a preocupação fundamental que deve nortear o ensino da disciplina de Cultura e Sociedade Brasileira e justificar a sua inclusão na grade curricular do Ensino Superior.







o mundo da ciência do mundo da vida


Talvez ainda não tenhamos tomado consciência do abismo que tende a separar cada vez mais o mundo da ciência do mundo da vida e da sociedade. O cientista não deverá esquecer que o mundo da ciência não só pressupõe o mundo da vida, mas emerge dele. E para que fazer ciência, senão a serviço do homem? Ora, o mundo da vida sempre é mais amplo, mais rico e complexo que o refletido pela ciência. Aliás, não existe a ciência. Existem muitas ciências. Através de cada uma temos uma imagem fragmentária do mundo e de nós mesmos. A especialização fragmenta o mundo, pois o especialista é aquele que "sabe tudo sobre quase nada e nada sobre o todo”.E uma visão global mais que a soma das visões que as diferentes ciências oferecem do mundo e do homem.

Independente dos movimentos históricos para a introdução do en­sino da Cultura e Sociedade Brasileira"durante dois semestres nas escolas superiores do país, poderá ser uma oportunidade para arraigar mais a ciência e o futuro profissional à nossa realidade brasileira numa perspectiva humanista. Nesta intenção, os professores desta disciplina concordam com o "marco referencial das novas “diretrizes da educação brasileira ", que "afirma o primado do homem sobre as coisas, do espírito sobre a matéria, da ética sobre a técnica, de modo que a ciência e a téc­nica estejam a serviço do homem" .

"Cultura e Sociedade Brasileira" não é uma disciplina científica, no sentido rigoroso do termo, como o é, por exemplo, a física ou a matemática. Por isso esta disciplina destina-se a ser um subsídio para as outras aulas e para a vida, não um manual a ser decorado. "Cultura e sociedade Brasileira" oferece elementos para a re­flexão e o debate, visando formar uma consciência nacional mais crítica e humanista entre os acadêmicos levando os a participar mais ativamente e de maneira mais responsável na vida e no destino da nação.

O enfoque dado à realidade brasileira em Cultura e Sociedade Brasileira não exclui outros enfoques possíveis. É um ponto de partida, não de chegada. Os pesquisadores envolvidos não se contentam em "contemplar" a realidade como é, mas pretendem repensá-la e transformá-la. Propõem um projeto que salvaguarde a eminente dignidade da pessoa humana, sua singulari­dade e transcendência. É preciso acordar a juventude brasileira en­quanto é tempo. A manipulação do homem pelo homem poderá anular sua consciência de liberdade e acomodá-lo à abúlica servi­dão. Projetos megalomaníacos poderão transformar nosso pais numa maravilhosa "cidade do homem" na qual, todavia, poderá faltar lugar para o homem ser, pensar e agir de maneira humana. Cabe à universidade brasileira assumir uma função crítica por excelência frente ao sistema no qual está inserida.
"Para mudar um país é preciso, antes de tudo, conhecê-lo"."País do futuro", "país emergente": cada nova década nos apresenta uma nova imagem de otimismo que tenta conformar o Brasil a esperar por um futuro promissor. Mas será que estamos todos de acordo com esta visão? O que o brasileiro espera do próprio futuro? O "amanhã" inspira as mais diversas previsões; e é para garimpar esta vasta riqueza que universidade preparou a disciplina ”CULTURA E SOCIEDADE BRASILEIRA", que reúne retratos e relatos que expressam as mais diversas opiniões sobre o futuro do país, um panorama intimista que pulsa com fé e descrença, otimismo e desilusão.


CARÁTER ESPECIFICO E SINGULAR DE CULTURA E SOCIEDADE BRASILEIRA


A disciplina de CULTURA E SOCIEDADE BRASILEIRA vale-se da observação científica que pode ser comum a outras disciplinas, tais como História, Política, Sociologia, Psicologia, Geografia Humana e econômica. etc., contudo, ela visa chegar a um juízo ético da realidade nacional. A disciplina de Cultura e Sociedade Brasileira não se reduz a uma Sociologia ou Economia do Brasil a uma Geografia Humana e Econômica do Brasil, mas procura estu­dar, discutir e analisar a realidade brasileira (econômica, social, política e cultural) numa visão integral axiológica em que o homem todo e todos os homens são o fim do esforço de reflexão e de transformação.
É mais uma disciplina que vem reforçar a formação humanística do educando.

Visa formar o cidadão não apenas enquanto profissional (o que é obsessivamente perseguido por alunos e professores na universi­dade brasileira), mas enquanto pessoa que tem compromisso com o exercício da cidadania dentro da comunidade brasileira na qual o desenvolvimento integral constitui ainda um desafio a ser alcançado.

A disciplina de Cultura e Sociedade Brasileira não pode alimentar a pretensão de que, por si só, poderá propiciar ao cidadão uma consciência crítica e uma visão global, objetiva e sintética da realidade BRASILEIRA, mas deve esforçar-se para fazer a sua parte, oferecendo aos discentes os ele­mentos necessários para desenvolver uma consciência crítica e ética da realidade em que vão atuar. Por isso, devemos atribuir a má­xima importância a toda disciplina que pode contribuir para visão humana e integral do homem e da sociedade. A rigor todas as disciplinas de um currículo. independente do curso, deveriam oferecer este espaço, porém, na prática, raras vezes isto acontece. O professor, principalmente das áreas mais técnicas, se limita a atender os objetivos imediatos do estudante que, na sua grande maioria, objetiva na sua graduação melhorar o seu nível de vida, não levando em conta a dimensão social de sua profissão.

Além disso, a formação histórica do homem brasileiro favoreceu o paternalismo e o individualismo em detrimento do espírito público e do patrimônio cultural. o que exige uma contribuição especial conseguir criar uma mentalidade cívica e comunitária.

Por isso, é recomendável que o universitário faça esta disciplina no início do curso, pela abertura de visão que pretende dar e pelos elementos e critérios que proorciona para o aluno situar-se melhor na escolha profissional. Com isso, a disciplina de Cultura e Sociedade Brasileira pode alcançar profundas ressonâncias em toda educação, e, quando bem mi­nistrada, pode colaborar para a universidade atingir uma de suas funções básicas que é a de estar atenta e aberta para a solução dos problemas da região geo-econômica em que se situa.


FUNÇÃO ESTUDO DA CULTURA E SOCIEDADE BRASILEIRA NA UNIVERSIDADE


A preocupação da disciplina de Cultura e Sociedade Brasileira não é somente de identificar a realidade ou partes da realidade, mas de conhecer a verdade que envolve a realidade Isto é, ajudar a desvendar a realidade da qual cada um de nós somos parte, mesmo, por vezes, sem envolver-nos o suficiente com ela.

Porém, nosso objetivo maior não é apenas conhecer o mundo sócio-econômico-político, mas conhecer e desvendar o mundo do homem, que é o agente da justiça ou injustiça, no meio social. Historicamente a universidade surgiu para responder os desafios da sociedade. [43]

Partimos do princípio de que todo homem age. E, através da ação, ele deixa transparecer seus princípios, seus valores, suas intenções, seus desejos e seus sentimentos. Assim, "o mundo torna o colorido dos olhos de cada um de nós". Pois, atrás da injustiça, sempre se esconde um homem injusto. Atrás da exploração, sempre se escon­de um explorador. Atrás da opressão, sempre se esconde um opres­sor. Atrás da ditadura, sempre se esconde um ditador. Atrás da ação humana ou desumana, sempre se esconde um homem humano ou desumano, equilibrado ou desequilibrado.

Por isso, antes de questionar os sistemas. regimes e modelos im­postos ao povo, devemos questionar a nós mesmos, pois as macro-ditaduras políticas, econômicas e sociais começam nas microditaduras dentro de nós mesmos, dentro da família, da escola, da universidade. Ali se ensaia o futuro da sociedade. As grandes violações dos direitos humanos, através de sistemas e regimes de força, co­meçam nas pequenas e diárias lesões de egoísmo e mentira contra os nossos próximos mais próximos. Neste sentido, o apelo do bispo Dom Hélder Câmara também ratifica esta posição ao afirmar:
"Não adianta pensar em reformas sócio-econômicas, de estruturas externas, enquanto não houver mudanças profundas em nossas es­truturas interiores". [44]Como afirmam os existencialistas: “Toda responsabilidade cabe ao homem, pois somente ele é o artífice principal de seu êxito ou de seu fracasso”.

Disso concluímos que nossa crise não é política, nem econômica, nem energética... é, sobretudo, a crise do homem. E o "homem só é verdadeiramente homem, na medida em que, senhor de suas ações e juiz do valor destas, é autor do seu progresso, em confor­midade com a sua natureza.
Antes de questionar os sistemas, por mais desumanos que sejam, devemos seguir o exemplo do filósofo Heidegger que se perguntou inicialmente pelo sentido do existir, não como uma resposta defini­tiva, mas como um abrir caminhos. Para isso, Dom Hélder Câmara dá a receita:
''Quem não rasgar, de alto a baixo, a carapaça do egoísmo e não sair de si, ao encontro do irmão, jamais terá verdadeiros encontros com alguém e jamais chegará a autênticos diálogos".[45]

Perguntar pelo sentido do mundo e das coisas exige perguntar pelo sentido fundamental do ser do homem. Pois o homem é uma realidade que se faz existindo (ec-sistindo), com a capacidade de assumir o próprio poder ser e de sair de si mesmo para lançar-se, transcender-se. Assumindo a si mesmo, o homem torna-se também uma presença mais autêntica como "ser-com-os-outros" e "ser no mundo (Dasein) e não apenas um simples "estar-no-mundo". E neste processo que "o homem torna possível a história, não como ciência, mas como acontecimento".

Aplicando isto a nossa realidade, podemos verificar que as nossas universidades primam, ou pelo menos correm o risco de despejarem na sociedade bons técnicos, ótimos engenheiros, arquitetos, economistas, administradores, mas homens vazios. E ai nos parece necessário perguntar: cabe à escola e à universidade formar homens ou técnicos? "Por que e para que vou à universidade?",
"Se for apenas para a conquista de um título, de prestígio social, de um diploma pro­fissional necessário para aumentar os rendimentos. estaríamos muito longe do espírito que deve animar uma universidade humanista e comprometida com a sociedade.Há, por isso, um risco muito grande de diplomarmos máquinas pensan­tes, calculistas,insensíveis,frias. sem coração e sem uma resposta para o próprio existir".

Talvez, quando perguntarmos pelo sentido da vida e o sentido da sociedade, seja necessário perguntar também pelo sentido da uni­versidade. E quem sabe,ì¥Á9
ø ¿
pïbjbjýÏýÏ
Ç Ÿ¥Ÿ¥”ÿ!a¹
[1]ÿÿÿÿÿÿl $ÄÈ­HT­d­D‑2üüü€,ì¥Á9
ø ¿
pïbjbjýÏýÏ
Ç Ÿ¥Ÿ¥”ÿ!a¹
[1]ÿÿÿÿÿÿl $ÄÈ­HT­d­D‑2üüü€, sim, de homens em primeiro lugar, com uma pos­terior complementação técnica. Antes da capacitação profissional, precisamos aprender a investir na natureza humana, isto é, no ho­mem como homem. No seu equilíbrio biológico, físico, espiritual, moral, afetivo, psicológico, cultural social, etc. A natureza do homem, como constituição íntima do ser animal e racional, impõe uma série de necessidades que precisam ser supridas ou atendidas.
Disso decorre que, quanto mais necessidades naturais forem menos atendidas, maior será o desequilíbrio humano. O homem é um todo e como tal deve ser pensado, tratado, educado e formado. Este equilíbrio do todo é que imprime sentido à vida e às coisas.[46]






UMA PARADA PARA INTERIORIZAR-SE



Em virtude da acelerada crise econômica, dependência, inflação, alto custo de vida política econômica concentradora, a vida tornou-se apertada para a maioria. E o povo já não tem tempo, pois precisa lutar, e, por vezes, desesperadamente, para sobreviver. A lei da vida é correr, trabalhar, fazer, produzir, faturar. Assim, a cons­tante desvalorização dos salários e a constante majoração dos pro­dutos de consumo, somadas ao egoísmo, à ganância e à rotina, afas­tam cada vez mais os homens, tornando os ilustres desconhecidos que' diariamente se acotovelam e se pecham, cada um ocupado e preocupado com o., seu mundo de interesses. Esta livre concorrência, cobiça e concentração de recursos nas mãos de cada vez menos gente, traduzida pela lei do mais vivo e dos mais fortes, torna a nossa vida difícil, e até insuportável. É o que filósofo existencia­lista J. P. Sartre traduz muito bem com a expressão: "O inferno são os outros". . ,E o inferno é você, sou eu. O seu inferno sou eu na medida em que deixo de olha-lo como amigo, como pessoa que tem os mesmos direitos e passo a olhá-lo como alguém do qual posso tirar proveito. Como alguém que posso explorar. Como al­guém que posso usar, e quando não me serve mais, jogo fora, mar­ginalizo, pisoteio.
(O vazio interior, a solidão a náusea, o desespero e o suicídio) de que fala J. P. Sartre são um sintoma evidente do desequilíbrio humano. Um sintoma evidente de que a sociedade investe muito, mas pouco no homem como homem. Nisto consiste a crise de va­lores.
Por isso, neste mundo de homens-fantasmas, de ilustres desco­nhecidos, talvez o maior desconhecido seja eu mesmo, na medida em' que encontro tempo para tudo, mas não encontro tempo para mim mesmo.
Quem sou? O que penso de mim mesmo? O que sei de mim mes­mo? Lembro que certa vez um professor solicitou, para uma turma de 6º série, a seguinte tarefa, por escrito: "Escrevo .tudo o que você sabe sobre o çolega que senta ao seu lado". Terminada esta primeira tarefa, o professor revelou a segunda "Escreva tudo o que você sabe sobre você". A experiência demonstrou que na pri­meira pergunta os alunos escreveram com ânimo e inspiração. Po­rém, na segunda pergunta, o lápis parou e mais de 60% dos 40 alunos não escreveram nada, pois não sabiam nada de si. A mesma experiência repetida com outras turmas revelou 'o mesmo resultado., E se esta experiência fosse feita com os universitários?

Faz parte do nosso sistema e da nossa estrutura social que o in­divíduo saiba tudo sobre uma determinada área (especialização); mas saiba muito pouco ou quase nada de si. Que ele domine uma área de conhecimento como especialista, mas não domine a si próprio e seja um ilustre ignorante do seu mundo interior.
"O desenvolvimento levou à especialização, gerando o "Fachi­diot", o homem que sabe tudo sobre quase nada e nada sobre o todo. O homem, ele mesmo, tornou-se fragmentado, quebrado". [47]
Com isso corremos o risco de não pensarmos e, quando pensamos, corremos O, risco de, pensarmos para os outros e como os outros. Assim, perdemos a nossa identidade. E uma das características do homem atual é exatamente a perda de identidade. Quem ganha ,mais uma vez com isso é o sistema, a classe dominante' e a socie­dade consumista
''Sem tempo para nada, vivemos tensos, ocupados, preocupados, agitados, insatisfeitos, com os nervos a flor da pele. Nossas antenas estão sempre ligadas, atentas, preocupadas com tudo, para tudo e sobre tudo. No fim do dia, estamos entregues e exaustos e,muitas vezes, sem forças para parar, olhar para trás e, sobretudo, olhar para dentro de nós mesmos. Como diz o filósofo J.Ortega y Gasset, “ o homem deveria diariamente aprender a desligar-se de tudo e de todos e ter a coragem de "ensimesmar-se", isto é, entrar dentro de si mesmo e no mais íntimo do seu "eu” desencadear um processo de auto-avaliação. Isto,. sem dúvida, abriria nossos olhos sobre nós mesmos e sobre nossa omissão com a realidade exterior. Como não estamos habituados a isso, facilmente somos dominados pelos sistemas opressores e engolidos pelos interesses hedonistas de uma sociedade materialista e consumista.
Quem sabe, as aulas de Cultura e Sociedade Brasileira possam ser esta parada semanal, 'onde nada seja mais importante do que o “eu “de cada um. Onde, através da leitura, do.diálogo, doquestionamento, da análise crítica o acadêmico encontre um clima e um ambiente favorável para “ensimes­mar-se" (interiorizar-se).
· Interiorizar-se, para repensar a vida, seus valores, seus princí­pios, sua maneira de ser, pensar e agir.
· Interiorizar-se para identificar ,as causas dos seus conflitos, das suas dúvidas, da sua crise e descobrir, com os outros, a maneira de libertar-se delas.
· Interiorizar-se, para conhecer melhor a si, suas capacidades e aptidões.
· Interiorizar-se, para conscientizar-se sobre o fato de que antes de corrigir o mundo das coisas é preciso corrigir o mundo dos homens; e, antes de corrigir o mundo dos homens, é preciso corrigir a si mesmo, fonte geradora de todos os males, problemas, desequilíbrios e escravidões.

Com esta visão humanizadora do homem e da realidade, quem sabe, compreenderemos melhor também os grandes problemas bra­sileiros, como petróleo, carvão, xisto, álcool, energia nuclear,ener­gia elétrica, energia solar, biogás, agricultura, pecuária, siderurgia, saúde, habitação, transporte; pesca, etc., objeto de estudo em Cultura e Sociedade Brasileira.


NOSSO DESAFIO: A HUMANIZAÇÃO


Como militantes universitários, nosso desafio é transformar o mundo homi­nizado num mundo mais humanizado. Para isso, precisamos tomar consciência de que o homem, em grande parte, não é outra coisa senão aquilo que ele pensa de si e faz. Portanto, o futuro do homem é o próprio homem. E a liberdade deste homem é todo o espaço criador de escolhas, opções, decisões e, sobretudo, de dis­ponibilidade que existe entre ele e o mundo exterior. E esta dis­ponibilidade fraterna de servir, de participar e de assumir as cir­cunstâncias temporais de cada momento histórico que torna a vida possível e as pessoas realizadas. Esta fraternidade, baseada na lei do amor, exige, por sua vez, igualdade de direitos e de deveres. E isto é profundamente libertador, pois cria condições de vida onde não há vida e melhores condições de vida junto àqueles que não têm voz e vez.

A nós, universitários, pelo fato de representarmos uma minoria cultural neste país de semiletrados, cabe a tarefa de sermos porta ­vozes da libertação interior, ou seja de todo e qualquer egoísmo, e a libertação interior, ou seja, das diferentes formas de escravidão que ferem a dignidade humana.

Enquanto nos propomos a organizar nosso mundo interior como sujeitos, deve cuidar para não rebaixar o outro à humilhante condição de objeto, usando-o para interesses próprios. Isto destruiria toda a dimensão de fraternidade.

Esta dimensão de individualismo e egocentrismo, peculiares nas relações dos homens materialistas e consumistas, transforma o ho­mem em lobo do próprio homem. Concretamente, isto é expresso pela ganância, pelo ódio, pela dominação, pela exploração, pelas violências e violações dos direitos mais elementares da pessoa hu­mana. Assim, o relacionamento entre os homens transforma-se num campo de batalha, onde o outro não pode ser eliminado, senão um a menos que temos para explorar. Mas também não podemos deixá-lo crescer muito, sob o risco de perdermos a nossa posição de opressor para oprimido, de explorador para explorado.

Concretamente, isto se expressa também pela escravidão econômica, em que o homem é medido e avaliado pelo que produz e não pelo que é. Isto se expressa pelo abuso de poder, em que uma minoria domina a maioria e se outorga o direito de deixar o povo na mais absoluta miséria. A autoridade só é justa quando estiver a serviço. Também se expressa pelas téc­nicas psicológicas para atemorizar, perseguir, reprimir, cassar e matar, ou então pelas técnicas de alienar, ludibriar. enganar e desviar a atenção do povo através dos poderosos veículos de comunicação.

Este fascínio pela verdade, esta paixão pela justiça e este anseio pela fraternidade, deveria ser a filosofia norteadora de todo univer­sitário através de Cultura e Sociedade Brasileira.



POR UMA UNIVERSIDADE HUMANIZADORA


Assim como o mundo é o que somos, da mesma forma a universidade ref1ete o que somos ou melhor. a universidade é o que somos. Portanto, é também tarefa de cada um de nós transformar a universidade no grande laboratório do desenvolvimento perma­nente e integral do homem:
· Onde,o universo das idéias,colocadas sobre mesa seja comprado, discutido, analisado, na busca incessante da verdade, sempre num respeito profundo pela individualidade e a dignidade da pessoa.
· Onde jamais o econômico se separa do humano,
· Onde as angústias, os conflitos, as interrogações existenciais do homem sejam discutidas e analisadas, sem esquecer, porém, que as propostas libertadoras devem estender-se também à realidade social.
· Onde o espírito evangélico da liberdade e caridade orienta toda a cultura e toda e todas as ciências numa constante perspectiva de libertação interna e externa.
· Onde o espírito crítico seja mais importante que os métodos e as técnicas didático pedagógico, ou que a pura e simples transmissão de conhecimento.
· Onde o ser mais seja mais importante do que a ânsia de pos­suir mais.
· Onde a transformação das estruturas sociais e econômicas vigen­tes seja uma preocupação e uma prática constantes.
· Onde a formação humana seja mais importante do que a forma­ção técnica, mesmo que o curso seja técnico. "A busca da qualidade deve ser o aspecto central".

"O aperfeiçoamento dos métodos administrativos, a excelência aca­dêmica no ensino e pesquisa, o aprofundamento do sentido e da responsabilidade comunitária, como expressão do com­promisso com a justiça e fraternidade, constituem as áreas fun­damentais.

"Trata-se de uma missão global que atinge o homem todo em si­tuação... num compromisso com a realidade em todas as suas facetas". Como defende Itami Campos é professor de Política da Evangélica – Faculdades Integradas e autor de Coronelismo em Goiás e O Legislativo em Goiás.[48]


Mas uma sociedade que exagera e quase exclusivamente se fun­damenta no ter no consumismo, que aceita sem se questionar, que uns 'poucos tenham tudo e em superabundância, enquanto outros passam privações insuportáveis, esta sociedade está em profunda crise e em discordância com os valores humanistas que são prin­cípios fundamentais também de uma universidade.
O retorno a uma certa frugalidade e austeridade é condição in­dispensável para salvar nossa civilização, rica em conforto e pobre em humanidade.

Desde seu aparecimento, a universidade sempre teve a missão histórica de salvar e preservar o que a humanidade tem de mais profundo e sagrado em seus valores humanos.

A transformação, a mudança, não se realiza por decreto nem com simples protestos e agitações, mas com o testemunho, o com­promisso individual e coletivo em função do bem comum.

Em momento nenhum quero menosprezar o valor do social, do econômico, do cojiforto oferecido pela técnica. O problema é apenas de justa medida. a grande missão da universidade é a de preparar o 'homo serviens' - homem que sabe servir.

Não se trata do servir escravo, mas do servir livre e generoso, na dimensão da fraternidade igualdade e justiça.

Para diplomar, preparar cientistas e técnicos, literatos e artistas, profissionais habilitados, para isto basta uma universidade.

Para diplomar, preparar cientistas e técnicos, literatos e artistas, profissionais habilitados que tenham o profundo sentido humanista do servir, para isto se justifica uma universidade tenha a disciplina de cultura e sociedade brasileira.

Estes aspectos de humanização da universidade também apare­cem com destaque na obra do Prof. Urbano Zilles, Diretor do Ins­tituto de Filosofia da PUCRS, quando afirma que vivemos
"Numa grande ilusão quando se tenta reduzir todos os grandes problemas hodiernos do homem, da universidade e da sociedade a meras questões econômicas,jurídicas, quantitativo-matemáticas,ou estatístico-pedagógicas. Não negamos, em momento algum, a importância destes enfoques. Mas n-o se deve esquecer que são enfoques parciais e fragmentários. A crise existencial global da vida e do mundo, capaz de dar sentido e significação não só às próprias ciências, mas a todo agir e ser do homem”.
Assim, somos chamados a construir um "mundo em que todos os homens, sem exceção de raça, religião ou nacionalidade, possam viver uma vida plenamente humana, livre de servidões que lhe vêm dos homens e de uma natureza mal domada, um mundo em que a liberdade não seja uma palavra vá e que o pobre Lázaro possa sentar-se à mesa do rico"
Somos chamados a assumir a nossa posição de co-criadores, o que "revela audácia e humildade do criador. Temos que aprender, com o criador, como criar e não como destruir. A destruição não é digna do criador e é absurda no criador".
Se tudo isto está sendo cumprido e atendido, ótimo. Então aproveitemos as aulas de Cultura e Sociedade Brasileira para manter esta unidade, harmonia e este equilíbrio através do diálogo. Caso contrário, Cultura e Sociedade Brasileira está aí para abrir o jogo e colocar as cartas na mesa, buscando, sempre através do diálogo, uma visão objetiva do homem e da realidade
Insistimos no diálogo, que, na pluralidade de ideologias, vem a ser o termômetro do equilíbrio e da maturidade humana. Isto é tão importante que Heidegger chega a afirmar que a palavra é a casa do ser. Portanto, dialogando, entramos nas profundezas do outro, o habitamos e somos habitados, como fundamento de um e de outro. "O diálogo passa a ser então a recíproca revelação do que há de mais íntimo em cada um de nós, na constante investigação da verdade. Querer a verdade é estar continuamente a caminho.É Estar aberto a tudo que nos cerca", afirma D. Cláudio Hummes.
Dialogando, confrontamos teorias, doutrinas, idéias, ideologias. Dialogando, desvendamos a realidade Homem e a realidade Mun­do, o que implica em fundamentação teórica, leitura, embasamen­to empírico; implica em questionamento, argumentação, análise crítica, dedução, conclusão, etc.
Dialogando, elaboramos uma nova idéia de homem e de socie­dade, quem sabe mais profunda e mais verdadeira.

Bibliografia
AGUIAR, Neuma. Tempo de Transiormação no Nordeste. Petrópolis, Vozes, 1980.
ALVES, Márcio Moreira. A Força do Povo: Democracia Participativa em Lages. 3º ed., São Paulo, Brasiliense, 1981.
ASSELIN, Victor. Grilagem: Corrupção e Violência em Terras do Carajás. Petrópolis, Vozes, 1982.
ASSMANN, Hugo et alii. A Trilateral. Nova Fase do Capitalismo Mundial. Petrópolis, Vozes, 1979.
AVELINE, Carlos. De Baixo para Cima - A Utopia no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1984.
BASBAUM, Leôncio. Alienação e Humanismo. 4ª ed., São Paulo, Global, 1981.
BELOTTI Elena Giannini. Educar para a Submissão. 2ª ed., Petrópolis, Vozes, 1979.
BIGO, Pierre e ÁVILA, Fernando Bastos de. Fé Cristã e Compromisso Social. São Paulo, Paulinas, 1982.
BOFF, Clodovis. Deus e o Homem no Inferno Verde. Petrópolis, Vozes, 1980.
______________Como Trabalhar com o Povo. Petrópolis, Vozes, 1984.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação. 4ª ed., São Paulo, Brasiliense, 1981.
______________O que é o Método Paulo Freire. 2ª ed., São Paulo, Brasiliense, 1981.
BRUM, Argemiro J. O Desenvolvimento Econômico Brasileiro. Petrópolis, Vozes, 1982.
______________Por que o Brasil Foi ao Fundo. Petrópolis, Vozes, 1983.
______________O Brasil no FMI. Petrópolis, Vozes, 1984.
BURSZTYN, Marcel. O Poder dos Colonos - Planejamento e Clientelismo no Nordeste. Petrópolis, Vozes, 1984.
CAFIERO, Carlo. O Capital, uma Leitura Popular. 3ª ed., São Paulo, Póllis, 1983.
CAMARGO, Enjolras Jose' de Castro. Estudos de Problemas Brasileiros. 3ª ed., São Paulo, Atlas, 1979.
CARDOSO, Fernando Henrique e MULLER, Geraldo. Amazônia, Expansão do Capitalismo. 2ª ed., São Paulo, Brasiliense, 1978.
CATANI, Afrânio Mendes. O que é Capitalismo. 5º ed., São Paulo, Brasiliense, 1981.
CEDEC - Sindicatos em época de Crise. Petrópolis, Vozes, 1984.
CECCON, Claudius et alii. A Vida na Escola e a Escola da Vida. Petrópolis, Vozes, 1982.
CHALOULT, Yves. Estado, Acumulação e Colonialismo Interno. Petrópolis, Vozes, 1978.
COTA, Raymundo Garcia. Carajás: a Invasão Desarmada. Petrópolis, Vozes, 1984.
DOWBOR, Ladislau. A Formação de Capitalismo Dependente no Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1982.
FERRARINI, Sebastião Antônio. O Transertanismo - Sofrimento e Miséria do Nordestino na Amazônia. Petrópolis, Vozes, 1979.
FIGUEIREDO, Osmar Salles de. O Brasil: Passado e Presente. São Paulo, E.P.U., 1979.
FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 3ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra.
___________Educação como Prática da Liberdade. 13ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981.
___________Ação Cultural para a Liberdade. 5ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981.
___________Pedagogia do Oprimido. 94 ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981.
FREIRE, Paulo et alii. Vivendo e Aprendendo. 4ª ed., São Paulo, Brasiliense, 1981.
GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da América Latina. loa. ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980.
GRACIANI, Maria Stela Santos. O Ensino Superior no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1982.
GUARESCHI, Pedrinho A. Comunicação e Poder: a Presença e o Papel dos Meios de Comunicação de Massa Estrangeiros na América Latina. 2~ ed., Petrópolis, 1981.
___________Sociologia Crítica - Alternativas e Mudanças. Porto Alegre, Mundo Jovem, 1984.
GUIMARÃES, Sônia. Como se Faz a Indústria do Vestibular. Petrópolis, Vozes, 1984.
IANNI, Octavio. Colonização e Contra-Reforma Agrária na Amazônia. Petrópolis, Vozes, 1979.
IBASE. Cara jás: O Brasil Hipoteca seu Futuro. Rio de Janeiro, Achiamé, 1983.
JOÃO PAULO II. Carta Encíclica LABOREM EXERCENS. Petrópolis, Vozes, 1981.
LIMA, Ruben de Azevedo. Como se Faz um Presidente da República. Petrópolis, Vozes, 1984.
LINHART, Robert. O açúcar e a Fome. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980.
MESTERS, Carlos. Seis Dias nos Porões da Humanidade. 4ª ed., Petrópolis, Vozes, 1980
NETO, Miranda. O Dilema da Amazônia. Petrópolis, Vozes, 1979.
____________Os Lucros da Fome. Rio de Janeiro, Achiamé, 1982.
NIDELCOFF, Maria Tereza. Uma Escola para o Povo. loa. ed., São Paulo, Brasiliense, 1981
OLIVEIRA, Francisco de. Elegia para uma Re(li)gião. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977.
OLIVEN, Rubem George. Urbanização e Mudança Social no Brasil. 3ª ed., Petrópolis, Vozes,. 1984.
PACHECO, Mário Victor de Assis. Racismo, Machismo e Planejamento Familiar. 2ª ed., Petrópolis, Vozes, 1981.
PAULO VI. Carta Encíclica POPULORUM PROGRESSIO, publicação da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 1967.
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Economia Brasileira, uma Introdução Crítica. São Paulo, Brasiliense, 1982
PINTO, Lúcio Flávio. Carajás, o Ataque ao Coração da Amazônia. Rio de Janeiro, Marco Zero e Studio Alfa, 1982.
SALES, Tereza. Agreste, Agrestes. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.
SAMPAIO, Plínio. Capital Estrangeiro e Agricultura no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1980.
SINGER, Paul. Economia Política e Urbanização. 7ª ed., São Paulo, Brasiliense, 1980.
SOBRINHO, Antônio Estevam de Lima. Fome, Agricultura e Política no Brasil. A Chantagem Alimentar. Petrópolis, Vozes, 1981.
VALVERDE, Orlando e FREITAS, Tácito Lívio Reis de. O Problema Florestal da Amazônia Brasileira. Petrópolis, Vozes, 1980.
ZILLES, Urbano. Função Humanizadora da Universidade. Caxias do Sul, Universidade de Caxias do Sul, 1978.
WERNECK, Vera Rudge. A Ideologia na Educação. Petrópolis, vozes, 1982.
DOCUMENTOS DA CNBB. Exigências Cristãs de uma Ordem Política. 9~ ed., São Paulo, Paulinas, 1981.
____________Valores Básicos da Vida e da Família. 2ª ed., São Paulo, Paulinas, 1980.
ESTUDOS DA CNBB. Igreja e Política, Subsídios Teológicos. 3ª ed., São Paulo, Paulinas, 1977.
DOCUMENTOS DA CNBB. Nordeste: Desafio à Missão da Igreja no Brasil. São Paulo, Paulinas, 1984.










nova conversa_____________________________________





Os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Sociologia Brasileira e Estudo da Sociedade Brasileira
CIDADANIA E EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA
PERSPECTIVAS DE UMA EDUCAÇÃO CIDADÃ
A ÉTICA E MORAL
MORAL: SÃO OS HÁBITOS QUE VENCERAM
ÉTICA E CIDADANIA
O PROJETO DE MORALIZAÇÃO E SUA APARÊNCIA ÉTICA
PROJETOS DE TRANSFORMAÇÃO: ÉTICA E EDUCAÇÃO


















Os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Sociologia Brasileira
As mudanças propostas pela LDB de 1996 e pelos PCNs implicam um profundo reordenamento político-pedagógico. O que significa a construção e implantação de um projeto pedagógico (organização curricular, orientação metodológica, organização administrativa, recursos etc.) que se paute efetivamente pelos seguintes princípios: Flexibilidade, Autonomia, Identidade, Diversidade, Interdisciplinaridade e Contextualização. Fundamentado nestes princípios, o objetivo do Ensino Médio e Terceiro Grau está expresso no vínculo dessa etapa da educação escolar "com o mundo do trabalho e a prática social". A orientação é para dirigirmos nossos programas, atividades, projetos e currículos para a "preparação básica para o trabalho" e para o "exercício da cidadania", que seriam os dois grandes eixos norteadores que definem o novo sentido para o ensino médio e superior. Essas orientações estariam norteadas pelos quatro pilares da educação como propõe a UNESCO: o aprender a conhecer, o aprender a fazer, o aprender a conviver e o aprender a ser. A reforma educacional brasileira, conforme está escrito nos PCNs, reinterpreta esses princípios afirmando a estética da sensibilidade, a política da igualdade e a ética da identidade. "A estética da sensibilidade, que supera a padronização e estimula a criatividade e o espírito inventivo, está presente no aprender a conhecer e no aprender a fazer, como dois momentos da mesma experiência humana, superando-se a falsa divisão entre teoria e prática. A política da igualdade, que consagra o Estado de Direito e a democracia, está corporificada no aprender a conviver, na construção de uma sociedade solidária através da ação cooperativa e não-individualista. A ética da identidade, exigida pelo desafio de uma educação voltada para a constituição de identidades responsáveis e solidárias, comprometidas com a inserção em seu tempo e em seu espaço, pressupõe o aprender a ser, objetivo máximo da ação que educa" (PCN ).
Ora, é evidente a contribuição da sociologia no que tange à compreensão das práticas sociais, à preparação básica para o trabalho e ao exercício da cidadania ou, ainda, para o desenvolvimento de uma estética da sensibilidade, uma política da igualdade e uma ética da identidade. Exatamente devido a essa compreensão, a LDB, em seu artigo 36, estabelece que "ao final do ensino médio o educando demonstre (...) domínio dos conhecimentos de filosofia e sociologia necessários ao exercício da cidadania"; também a resolução nº 3/98, em seu artigo 10, inciso i, parágrafo 2º, diz que "as propostas pedagógicas das escolas deverão assegurar tratamento interdisciplinar e contextualizado para (...) conhecimentos de filosofia e sociologia necessários ao exercício da cidadania"; por fim, podemos acrescentar, os PCNs (Ensino Médio, volume 4, na página 11) orientam que "o objetivo foi afirmar que conhecimentos dessas (...) disciplinas são indispensáveis à formação básica do cidadão, seja no que diz respeito aos principais conceitos e métodos com que operam, seja no que diz respeito a situações concretas do cotidiano social". As orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais e da LDB de 1996 são, sem dúvida alguma, fonte de importantes reflexões. E definem de modo claro a possível contribuição da sociologia enquanto disiciplina do nível médio, bem como fornecem um programa de estudos completo. No entanto, concordamos com Gilson T. Leite que, mais que uma questão legal, a implantação da sociologia e a re-implantação da filosofia no ensino médio significa um salto de qualidade nos projetos pedagógicos de nossas escolas. Além de uma exigência legal ou do problema efetivo da qualificação profissional e da preparação básica para o trabalho, impõe-se, atualmente, o problema da cidadania. Sem dúvida, o momento atual da sociedade brasileira é o de consolidação de um novo modelo político e econômico, herança de um difícil processo de transição para a democracia. Em que pesem todas as críticas possíveis, é imprescindível que a escola assuma seu papel neste processo, preparando as crianças e os jovens para o exercício consciente e responsável da vida democrática e minorando os efeitos sociais de toda uma geração educada para a passividade e o embotamento do pensamento crítico e comprometido.
A cidadania foi portadora de vários e diferentes significados desde o surgimento e formação das cidades-estado gregas e, mais recentemente, das sociedades modernas e democráticas, especialmente a partir das Revoluções Burguesas. A noção de cidadania está diretamente relacionada à noção de pertença a uma nação ou um grupo e à participação numa instância pública de decisão. Portanto, se considerarmos como cidadania o direito à participação social de modo consciente, veremos que a sociologia pode fornecer elementos fundamentais para uma participação efetiva de todas as pessoas no sentido de garantir a construção da cidadania que é, necessariamente, uma construção coletiva. O ensino da sociologia deve fornecer, então, condições para um aprendizado que permita uma interferência consciente na sociedade por parte de todos os seus cidadãos a fim de que sejam garantidas as mudanças necessárias à superação dos desafios atuais de nossa sociedade. Entretanto, podemos afirmar que o Brasil não possui uma história democrática, nem estabilidade institucional, o que dificulta sua consolidação enquanto democracia, ao contrário do que vemos em outros países. Para que isso ocorra, além de exigências político-institucionais é de fundamental importância a introdução, nas instituições escolares, de um tipo de reflexão e pesquisa que se paute no conhecimento das ciências sociais e que oriente a formação de nossos alunos para o fortalecimento da democracia enquanto valor e para sua construção a partir da vida cotidiana.


CULTURA E SOCIEDADE BRASILEIRA
CIDADANIA E EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA
Danilo Di Manno de Almeida

Existiria alguma relação entre as extintas disciplinas Estudos dos Problemas Brasileiros (EPB),Educação Moral e Cívica (EMC) ou mesmo Organização Social e Política do Brasil (OSPB) e a mais recente Ética e Cidadania (EC)? Esta pergunta é importante porque devemos estar sempre atentos às metamorfoses do poder político e das políticas educacionais que o seguem. Há simples continuidade entre Ética e Cidadania e OSPB/EMC ou trata-se aí de ruptura? Se a alternativa é ruptura, a questão é: que grau de ruptura? Quero arriscar duas hipóteses. Em primeiro lugar, que a disciplina EC traz nela, simultaneamente, a continuidade e a ruptura com EPB e EMC e, em segundo lugar, que tanto a idéia de continuísmo como a de ruptura com os ideais das extintas disciplinas não poderão ser encontradas na simples nomenclatura do novo título, mas em decisões ético-políticas que antecedem a decisão de mudar o título e que acompanham a execução da disciplina.

‘PERSPECTIVAS DE UMA EDUCAÇÃO CIDADÃ

Inicialmente, sabemos que há argumentos para as duas possibilidades. Quanto ao continuísmo, há, sem dúvida, uma expectativa de que EC tenha os mesmos efeitos que OSPB e EMC, quer dizer, desmobilizar politicamente os que se ocupam dos assuntos (instituições, docentes e alunos), por meio de longas e complicadas discussões éticas (veremos mais à frente que o mais apropriado seria dizer discussões moralizantes). Quanto ao argumento da ruptura, é preciso render tributo às lutas empreendidas pelos movimentos políticos (de trabalha-dores, sem terra, lideranças intelectuais e políticas, artistas, para citar alguns), pois a disciplina EC traz as marcas de significativas conquistas ético-políticas e educacionais. Neste caso, a memória da pressão que essas manifestações e práticas exerceram e continuam a exercer sobre os poderes e as ideologias estabelecidos serviria para mostrar a ilusão daqueles que pensam que EC resulta de uma concessão espontânea ou é fruto de progressivas políticas educacionais dos “dominantes”.
Qualquer que seja a idéia – de continuísmo ou de ruptura –, a passagem das antigas OSPB/EMC à atual EC não é paralela à passagem do regime ditatorial à chamada democracia atual no Brasil. Nada é cristalino aqui, visto que a disciplina EC assumiu várias “figuras”, podendo ser caracterizada de várias maneiras, pelo menos: (a) marca renovada e continuada de um projeto político-educacional antigo (b) emblema de uma luta e de uma conquista contra o continuísmo de projetos opressivos e ditatoriais da sociedade brasileira; (c) signo de uma “moral bem comportada” própria à economia e à política neoliberais; (d) símbolo de uma “modernização” das instituições educacionais que encontram na tecnologia, de um lado, e na ética, de outro, grandes trunfos de suas estratégias mercadológicas.

A ÉTICA E MORAL

Há muita divergência quanto à conceituação dos termos “ética” e “moral”, de maneira que uma acaba recobrindo o campo da outra. Assim, questões sobre o “bem”, o “mal”, o“comportamento”, o “correto”, o “verdadeiro” aparecem ora atribuídas às discussões éticas, ora às discussões morais. Podemos separar ética e moral? Vou partir da idéia de que a separação não só é possível, mas que é fundamental distinguir ética de moral, se quisermos garantir o exercício crítico e transformador da disciplina Ética e Cidadania.

Alguns motivos por que a distinção é realmente fundamental:

Antes da moral, a ética – Em primeiro lugar, pode-se afirmar a anterioridade da ética em relação à moral, como propõe o filósofo Paul Ricoeur. Com isso, a ética fica ligada à esfera do desejo ( desejo de ser e o esforço para existir), reservando à moral o espaço da lei, das normas. A ética é definida como uma perspectiva que “ visa a verdadeira vida com e para com o outro nas instituições justas” .1 Este dado é importante porque permite estreitar as relações entre ética e liberdade, colocando esta última no ponto de partida da ética. A liberdade diz respeito à posição e não à sua possessão por uma pessoa. A ética serve para descrever a pessoa em seu movimento de tomada de posse da liberdade. Ricoeur põe em destaque a opção humana de percorrer esse trajeto de liberdade. Posso construir a liberdade no momento em que desenho seu “rosto”, através das obras e de minhas ações. Cada um de nós está posicionado entre um poder-ser e um ser-dado, entre um fazer e um fato.2 A ética é entendida,então, como uma “odisséia da liberdade”, pelo qualcada um de nós se “atualiza” num processo aberto e sem fim de conquista da liberdade.
A moral aparece num segundo momento. Ela se explica somente por causa da violência. E vai se caracterizar pelos imperativos da Lei, pelas normas e pela obrigação. É como se, diante do desejo positivo da ética, fosse colocada a in-terdição negativa da moral.
Em Ricoeur, a ética continua sendo decisiva porque se trata de estabelecer regras de convivência entre os seres humanos, estabelecendo normas e obrigações mútuas por meio de instituições justas, sem perder do horizonte o princípio ético da liberdade. Por outro lado as discussões sobre os valores, as normas e as obrigações têm como pano de fundo a liberdade ética, que apela incessantemente para que os valores sejam bons, as normasjustas, as obrigações eqüitativas.

A ética que nega a moral opressora – Um segundo motivo por que é fundamental distinguir ética de moral está dado por E. Dussel. Para este autor, a Moral pertence à ordem das condutas, ações, das normas em vigor,estabelecidas, dominantes e hegemônicas. De fato, o que vale dizer “a totalidade prática de relações reais, históricas e concretas de sociedades realmente existentes”. Assim, existe, por exemplo, uma moral asteca, grega, brasileira, européia.
Os princípios morais têm como característica uma certa unanimidade, pois são “normas, projetos ou valores em vigor, sempre aceitos por todos”.
Quanto à ética, esta tem como caraterística a independência à “totalidade prática” identificadora da moral. Ao contrário das morais, que são numerosas (sistemas históricos,de culturas, de classes sociais, de etnias, morais setoriais),
relativas, históricas e transcendentais, a ética é “una e absoluta”. Princípios éticos, como, por exemplo, “liberta o oprimido!”, “são válidos por todas as épocas” (para “toda situação histórica possível”); são princípios que não perderam seu caráter histórico “concretos e, entretanto, não relativos”.
Através desses princípios, a ética vai de encontro à moral vigente, exige, obriga e norma ativiza a negação da conduta opressiva. Em outros termos, “ela nega a validade da norma moral que justifica a opressão”.A importância dessa visão de ética é a de enfrentar a moral, questionando-a a partir de princípios éticos de libertação histórica, econômica, política etc. A ética anuncia uma libertação humana contra a dominação histórica por que passam os povos; deixa-nos em estado de alerta contra a unanimidade dos costumes e a aceitação geral não questionadora de valores hegemônicos e dominantes.

O abuso da ética –– A diferenciação entre ética e moral serve-nos para pôr em destaque um “abuso” 6 nos termos ética e moral. De fato, discursos denominados “éticos” são fachada para a eternização de valores hegemônicos identificados à “ditadura do grande capital”. Trata-se da “ditadura da grande burguesia” que “determina as principais características do Estado ditatorial”,7 explicando não somente seu advento, mas seu sucesso contínuo, depois de o “regime autoritário” ter passado.
A “inflação” do termo ética não livra sequer a disciplina Ética e Cidadania de estar sendo veiculada “sem crítica”, acolhendo no interior dela essa “maré montante de palavras vazias que encobrem práticas perfeitamente imorais e opostas à ética”. Como disciplina que aparece com a “abertura” política do Brasil e é estimulada num clima político-econômico neoliberal,ela não está livre de incorporar e de dar continuidade à “ditadura do grande capital”. Assim, fica a possibilidade de ela servir
de fachada para encobrir, por trás dos belos propósitos educacionais do governo e das instituições de ensino, um projeto de continuidade de um mesmo modelo que abusa não somente dos termos, mas dos cidadãos brasileiros.

O abuso do termo ética/moral é de “segundo grau” e
denota outro ainda mais anti-ético e mortal, que é o abuso
de corpos empobrecidos e vitimados graças a um regime
ditatorial político-econômico que orienta as políticas educa-cionais
do país.
A força heurística da ética – Um último motivo para a distinção se deve à própria nomenclatura da disciplina em questão “Ética e cidadania” – não se trata de “Moral e Cidadania”.
Por isso é importante que estejam bem demarcados os limites e os benefícios da primeira nomenclatura. O que acabo de expor sobre a importância da distinção entre ética e cidadania já sugere que não basta mencionar a expressão-chave “Ética e Cidadania” para que luzes se acendam sobre essa disciplina. Permanece aí um problema que se decide não na nomenclatura, mas nas intenções e na execução mesma da disciplina, quer dizer, numa política educacional que a concebe e na práxis educativa que se instaura a partir dessa política. Não há por que estranhar que alguns esperem desta disciplina a “restauração” dos bons costumes, o ensino
de boas maneiras de relacionamento humano, regras de conduta cívica. Em outras palavras, espera-se que EC atualize EPB, que atualizava EMC. Neste caso, EC ficaria presa às possibilidades dadas pela moral hegemônica.
No entanto, a meu ver, a disciplina cumpre sua função ética à medida que, em primeiro lugar, começa pelas distinções fundamentais entre “ética” e “moral”, para se diferenciar de todo projeto de moralização ou – o que dá no mesmo – de consagração de valores estabelecidos. Se a disciplina se limita a “consertar” ou a “reformar” o estado estabelecido das coisas, lançará mão de sua liberdade criativa. Em segundo lugar, é necessário um espírito crítico relativo às políticas de implementação da disciplina que consiste em questionar os interesses de sua criação e de sua manutenção.
Quanto à sua criação, não há como apagar a imagem de seus antepassados – seja pela continuidade seja pela ruptura em relação às disciplinas que fizeram as vezes da“moralidade”, como EPB, por exemplo. É sintomática a esperança de que EC desempenhe o mesmo papel daquelas.
Quanto à sua manutenção, a questão diz respeito à investigação dos motivos de sua proliferação e de sua importante referência em regimes ditos democráticos. Enfim, manter a distinção entre ética e moral é importante para que se coloque em evidência a força heurística da palavra “ética”, quer dizer, a sua força de descoberta na
invenção e na resolução de problemas postos nas situações morais em que vivemos.

II. MORAL: SÃO OS HÁBITOS QUE VENCERAM

Se, de fato, é importante diferenciar ética e moral, como conceituá-las? Da ética já tivemos várias indicações.
Pretendo aqui colocar os dois termos numa relação mais direta, reconhecendo, simultaneamente, algumas razões da confusão e os benefícios da distinção.
Ethos e mores – Esclarece alguma coisa o fato de saber que mores é a tradução em língua latina da palavra grega ethos? Morale é aquilo que é relativo aos costumes. No ponto de concordância entre ethos e mores (costumes) estão dadas, em parte, alguns motivos para a distinção.
Vamos, rapidamente, começar pela ética. O grego tem duas maneiras de grafar a palavra “ethos”. O éthos (com épsilon inicial) refere-se ao comportamento que resulta de uma repetição constante dos mesmos atos – é a partir daí
que se pode opor o habitual ao natural (physis). Neste caso, o hábito é uma disposição permanente para agir de uma certa maneira, o que vai aproximar éthos de hexis (hábito), que tem o significado de possessão estável. Guardemos este ponto, crucial para o que segue.
O êthos (com inicial eta) designa, por sua vez, a morada, a casa do homem; há um sentido de lugar, de estada permanente e habitual, de um abrigo protetor. A referência física da palavra indica justamente que, a partir do éthos, o espaço do mundo torna-se habitável para o homem. O domínio da physis, que é o reino da necessidade, é rompido pela abertura do espaço humano do êthos, no qual irão se
inscrever os costumes, os hábitos, as normas e os interditos, os valores e as ações”.
Sem entrar nas complicações a que a discussão pode nos convidar, notemos, em especial, a relação entre a ética e os hábitos ou costumes. Efetivamente, a partir da tradução latina de “ethos”, pode-se afirmar que a ética e a moral têm “origem na mesma realidade humana” dos costumes. Se o ethos pode ser considerado como uma certa forma de hábito (hexis) ou costume, isto significa que a distinção entre um dos sentidos de ethos e mores é, sem dúvida, muito tênue.

Os latinos traduziram ethos por mores (costumes) porque, de fato, aquilo que se repete constantemente acaba por ser dominar e caracterizar qualquer coisa, estabelecendo-se, por aí, a relação entre ethos e caráter.
O ethos indica uma maneira (constante) de habitar porque se trata de um habitar que pode ser caracterizado por uma mesma e repetida maneira. Ora, o ethos não é a moral no sentido que a entendemos hoje, ou seja, um conjunto de normas, valores etc. O ethos designa, antes, o lugar onde esses costumes tomam forma; revela a maneira como uma pessoa ou uma coletividade se acostuma a viver ali. De um ponto de vista da subjetividade, a ética indica a capacidade humana de produzir hábitos, de estabelecer costumes, de se acostumar a algum lugar.
O que são os hábitos? São aqueles traços repetitivos de nossas ações ou de nosso modo de estar num certo lugar. Por serem repetitivos, são chamados de hábitos e indicam uma certa característica nossa – um caráter. Deste modo, tiremos a conclusão: moral são os hábitos ou costumes que venceram.
São os hábitos ou costumes que alcançaram unanimidade, aceitação coletiva, que identificam determinados grupos e suas ações. Assim, o ethos produz os hábitos. Dentre os hábitos produzidos, instituídos há aqueles que serão objeto de um consenso, de uma aceitação geral – por meio do convencimento, da força, da violência, da tradição (não importa aqui). Os hábitos que venceram passaram a dominar.

Para expor isso de maneira ilustrativa (com a finalidadede explicar, não denotando necessariamente uma seqüênciatemporal), tem-se:

ETHOS HÁBITOS MORAL



HÁBITOS QUE VENCERAM

Isso tudo nos leva a uma constatação bem simples, mas fundamental para que a disciplina EC não seja um lugar acadêmico reprodutor de valores estabelecidos pela moralidade vigente. Podemos eleger o termo ética como privilegiado para enfatizar a força heurística de invenção de novos hábitos e intervenção nos hábitos vencedores; da possibilidade de instituir novos hábitos, vem aquela de criar outros costumes e visualizar as relações humanas não necessariamente na perspectiva da relação “vencedores/vencidos”.
Viver eticamente seria – para fazer alusão a Descartes em seu Discurso do método – viver “morais provisórias”, contra a idéia da necessidade de uma Moral única, conservadora dos valores supremos da humanidade e coisas assim. Com efeito, por que novos hábitos teriam de se impor e se tornar vencedores, morais absolutas, verdades intransponíveis? Ora, a história da humanidade tem sido história de dominação, de imposição de valores exclusivistas. A perspectiva de uma
vida ética, quer dizer, na liberdade de produção e intervenção nos hábitos vigentes, é fruto mais da imaginação ética. É pouco provável que ela consiga lugar “ao sol”, mas é pouco provável também que a Moral “reine absolutamente” enquanto a imaginação não for eliminada pela violência moralizante da sociedade.
Por causa da imaginação, os hábitos vigentes não são tomados como imutáveis e desde sempre instituídos – muito menos “naturais”, quer dizer, segundo a natureza humana.
A imaginação põe em evidência o caráter dissimulador das morais dominantes, seu aspecto circunstancial, histórico e condicionado. Assim, os grandes discursos, feitos em nome da ética e de acordo com seus vícios de dominação e de opressão moralizante, aparecem como pano de fundo da história moral do mundo.
Contudo, se EC é a oportunidade de dar lugar à imaginação, é também o lugar de conservar as imagens consagradas de uma moral imutável. Disto não escapa a disciplina nem nós que a estudamos e investigamos o campo.
Se isso acontece com a ética, o que ocorre com a “cidadania”?

III. ÉTICA E CIDADANIA

De acordo com o que vimos acima, a cidadania vai ser “localizada” no campo dos hábitos. A cidadania é originada do termo grego pólis (Cidade). Assim, a cidadania denota a condição habitacional dos cidadãos, os seus costumes, a maneira de se posicionar na Cidade. Denota uma geografia dos corpos, como veremos. A pólis é o lugar em que os hábitos entram em conflito... Falar de cidadania é falar do lugar dos hábitos: lugar em que hábitos vencedores se impõem como os únicos possíveis e tentam massacrar e eliminar a insurgência de outros hábitos. É falar também do lugar onde novos hábitos querem se impor, porque novas decisões éticas estão sendo tomadas a todo momento. A Moral dominante recusa-se a ser transformada e assistir indiferentemente à introdução de outros hábitos e, por aí, a possibilidade de surgimento de outras moralidades. Do ponto de vista ético, talvez seja mais próprio dizer “morais dominantes” ou “morais em estado de dominação”, pois são muitos os hábitos que vencem: hábitos econômicos, hábitos sociais, hábitos educacionais, hábitos trabalhistas, hábitos de lazer etc. Os hábitos têm um caráter de coletividade e, por isso, fazem ver o cara(cter) dessas comunidades. Por este motivo, quando falamos em “cidadania”, não falamos de uma evidência, pois aqueles que querem manter as “morais em vigor” exercem a cidadania; de igual modo, a luta por novos hábitos é também exercício da cidadania. A “cidadania” não é um termo neutro.
Se podemos fazer da cidadania um símbolo de luta contra as morais dominantes, então, terá de sê-lo ao preço de vinculá-lá à ética e dizer cidadania ética, quer dizer, voltada para a instituição de novos hábitos, de novas possibilidades.
Visto que maneiras diferentes de habitar são possíveis, a cidadania traduz um espaço de conflito de hábitos e, portanto, convive com a violência (nível moral, para Ricoeur).
Não que a cidadania pertença à moral, ocorre apenas que ele tem sido apropriada ultimamente como tema privilegiado das “morais dominantes”. Da mesma forma que a ética é usada e abusada, assim o é a cidadania. O tema da cidadania
por ele mesmo não é símbolo de transformação. Vai
depender das decisões políticas e éticas para que seu uso
não caia no vazio das palavras-fetiços.

Mas, estaria a ética livre de um discurso de dominação? Por que excluí-la daí? Porque à ética cabe ativar a cidadania, mostrando o seu uso moralizante. A ética é usada aqui como um termo-heurístico que tem a capacidade de resignificar as coisas e de criar novos hábitos. Por isso, se ocorre à ética tomar a forma dominadora, é porque ela já caiu nas garras das “morais dominantes” e de ética não tem senão a
aparência. Aparência ética.
Aqui nós voltamos ao ponto de partida. Qual a aparência ética da disciplina Ética e Cidadania. O que ela reflete das antigas EPB/EMC/OSPB?

IV. O PROJETO DE MORALIZAÇÃO E SUA APARÊNCIA ÉTICA

Voltemos aos problemas iniciais: há motivos para dizer que EC é uma continuação das extintas EPB/EMC/OSPB, da mesma forma, para afirmar que ela pode representar uma ruptura. A idéia de um continuísmo é mais “natural”, esperada; enquanto a argumentação em favor da possibilidade deruptura entre EC e EPB/EMC/OSPB exige um grande esforço teórico e a clareza das decisões político-educacionais.
As metamorfoses do continuísmo – Vou mostrar breve-mente que há razões suficientes para afirmar o continuísmo entre EPB e EC, através de um só exemplo.
Um lembrete histórico: a EPB tornou-se disciplina obrigatória nos cursos superiores do Brasil a partir do final da década de 60 (Decreto-Lei nº 869, de 12/9/69), com o objetivo de restaurar a EMC. A disciplina EC começou a aparecer nos currículos das universidades a partir da década de 90. O contexto do país mudou, houve re configuração política, mas permanece uma base comum, ou melhor, um projetocomum de “moralização”, quer dizer, de preservação de modelo e de fins bem claros.Para exemplificar o continuísmo, vou destacar de um livro da época 13 a questão da Segurança Nacional. O autor diz: “Para a consecução ou manutenção dos Objetivos Nacionais é necessário que o Estado proporcione à Nação certo grau de garantia, através de ações políticas, econômicas, psicossociais e militares, contra antagonismos existentes ouem potencial”.14 Objetivava-se combater as idéias marxistas, sendo os antagonistas na ocasião os comunistas, vistos como promotores da extinção do Estado e que, por isso, podiam ser identificados pela “prática da subversão” e de “insurreições“. Mas havia outros objetivos a ser alcançados pela
disciplina EPB, a saber: evitar a especialização (por meio de uma visão mais ampla baseada numa “pedagogia integral”) e favorecer a “formação do caráter”. O papel fundamental de EPB era, portanto, promover uma “educação integral ”baseada no “reconhecimento de todos os valores humanos e no respeito à hierarquia desses valores”.
E é justamente ao Estado que se quer assegurar as vantagens da concentração do poder político como nota essencial de sua existência. Do ponto de vista daqueles que pensavam em favor deste Estado, não há por que chamar o período de “ditadura militar”; no máximo se concede “regime autoritário”, sendo que a autoridade é louvada. Com efeito, acreditava- se que todo esse empreendimento, em acordo com a república democrática, era marcado por uma abertura do processo político a todos os cidadãos “iguais em direitos, e partícipes na formação e funcionamento do poder do Estado”.
Transição democrática? – Dizem: “o mundo mudou, o Brasil deixou a ditadura e passou à democracia”. Do ponto de vista mundial, crê-se que passamos por transições institucionais (pluralismo político, princípio geral do direito, economia
de mercado) e transição cultural (mudança de mentalidades, atitudes, valores e relações sociais). Contra o que lutava a situação no Brasil da ditadura? Contra a idéia de uma abolição do Estado. Todas as estratégias empregadas durante o“regime ditatorial” para evitar a abolição do Estado levaram a política econômica brasileira a abraçar o Mercado. Aqui, em especial, não houve transição. Houve, sim, aperfeiçoa-mentodo capitalismo, que foi abraçado de maneira ainda mais cerrada. Continuamos na “ditadura do grande capital”.
Estamos aprendendo, a duras penas, que a marca de nosso tempo é o domínio do Mercado. Domínio do Mercado e diminuição do papel intervencionista do Estado na sociedade, é isto que caracteriza o neoliberalismo. Ora, o que, por causa de sua aparência aterrorizante de insurreição, o comunismo não conseguiu, o Mercado realizou – pela sedução de suas promessas. Resulta daí: o que EPB executava no Estado contra a sua subversão, EC pode estar executando numa sociedade regulada pelo Mercado. Assim, se EPB atentava para a preservação do Estado através da Segurança Na-cional, EC pode estar servindo para assegurar a vitória do Mercado, visto que seus objetivos mais gerais podem estar limitados a assegurar que cada cidadão trabalhe na melhora deste modelo. A preocupação com desenvolvimento do caráter, com progressão nas maneiras de administrar as divergências humanas que surgem dentro deste modelo, descarta qualquer incentivo de trabalhar pela sua transformação. Razão por que EC pode gerar e estimular a proliferação
do “politicamente correto”, que é, também, economicamente correto, quer dizer, economicamente de acordo com o modelo existente. Modelo que se anuncia único.
Quais são as intenções mais profundas? Melhorar o modelo existente (marca de uma moral neoliberal, hegemônica e totalitária)? Defender simplesmente a participação democrática sem modificação desses hábitos dominantes não é garantir a cidadania, mas pressupor esta e não outra cidade (democrática). Exercer a cidadania pode ser definido como participar democraticamente da polis, portanto daquilo que já-está dado, discutir a partir daí.

V. PROJETOS DE TRANSFORMAÇÃO: ÉTICA E EDUCAÇÃO

Espero ter mostrado a importância da distinção entre ética e moral. É por este viés que o potencial da ética pode ativar a disciplina EC, fazendo desta um espaço de construção de idéias que sejam elas mesmas testemunhos do exercício de uma cidadania ética. É a ocasião de mudar os hábitos de pensar sempre da mesma maneira as mesmas coisas e instituir outros hábitos: pensar a partir de um não-dado, inventar hipoteticamente outras inserções cidadãs. Por isso, a cidadania ética pode levar à decisão da não-inserção e ser caracterizada pelo rompimento com esse modelo econômico- político e pela recusa a participar dele, por causa do de-sacordo com suas estruturas injustas. Assim, a cidadania não parte obrigatoriamente de um já-dado, mas apresenta novas possibilidades de um ainda-não-dado, cidadania como utopia, exercício de uma imaginação cidadã. A ética tem, neste caso, uma tarefa de reconstituição semântica, ou seja, resignificação ética das palavras que adquiriram sentido moral – inclusive a expressão “ética e cidadania”.
Aqui o papel de uma disciplina como a EC na escola é crucial, decisivo. A este aspecto, é interessante o lugar que A. Barrere e D. Martucelli destinam à escola.20 Através deseus discursos, a escola ocupa duas posições decisivas: lugar de transmissão de valores morais e palcos de promessas éticas.
O que os autores vêem como complementares, eu veria como alternativas. Se há algo para transmitir, não precisam ser os valores, mas sim nossa possibilidade de recriar os hábitos (e não os valores – Nietzsche), de inventar novas soluções para os problemas morais vividos. Descobrir possibilidades de instaurar outros hábitos que não são exatamente aqueles sedimentados na cultura.

A Uma ética para o corpo – É nesse contexto de imaginação ética, imaginação cidadã, resignificação semântica e instauração de novos hábitos que o tema do corpo ganha mais força. A imaginação aqui não terá um caráter científico, simbólico, material, mas será imaginação corporal. Por que o corpo? Porque o corpo é o que mais nos aproxima de uma sensibilização ética, necessária para que as discussões éticas
ganhem a dimensão terrena, freqüentemente ausente. Não um corpo que aparece resignificado nos discursos moralizantes (proibições, interditos, preso no processo de simbolização),mas um corpo que resignifica discursos éticos contra discursos moralizantes. Uma ética para o corpo é a resignificação da ética pelo corpo. Uma ética segundo o corpo.
Uma ética seguindo os corpos. O corpo faz a ética, melhor, o corpo é o lugar da ética. A disciplina EC é criada pelos corpos e para os corpos. Aética decide-se no corpo, porque é o corpo que cria hábitos. A ética é um trabalho dos corpos, para os corpos. O corpo ama seus hábitos: muitas vezes elimina outros corpos para preservar seus hábitos – trata-se da violência moral, resultante da violência corporal. Nossa luta ética é para que o amor pelo corpo não decaia na idolatria do corpo-próprio (corpolatria); que o amor pelo “meu” corpo não resulte na destruição de“outros” corpos. Por isso, o corpo precisa também libertar-se de seus hábitos, para que comece a viver junto de outros corpos, visualizando novas possibilidades habituais: novos hábitos educacionais, políticos, sociais, econômicos, políticos. Estudar ética é, radicalmente falando,estudar os hábitos dos corpos.

No estudo de EC encontramos o corpo. Não encontramos um tema, mas outro corpo. Ao estudar os hábitos humanos, deparamo-nos com corpos. Aprendemos aos poucos a conhecer os corpos por meio de seus hábitos, por meio de seus conflitos. Hábitos em conflitos? Hábitos corporais em conflito! Conflitos de “cidadanias” são conflitos entre corpos.
Eis o significado dos conflitos da cidadania, dos conflitos dos corpos: são diferentes formas de habitar; de instituir hábitos, de herdá-los, de tentar renová-los, de buscar reinventá-los.
Assim, habitar poderia ser a forma verbal dos hábitos: habitar, instituir hábitos.
O caráter transformador da ética encontra-se na trans-formação dos hábitos. A educação incide sobre os hábitos e não sobre os corpos. E a mudança de hábitos não surge somente por meio da reelaboração de hábitos vencedores, quer dizer, da moral. A mudança de hábitos surge por meio do choque sentido no encontro com outros hábitos corporais, outras maneiras do corpo habitar. Mudar de hábitos:não pensar o corpo em função da Cidade ( já-dada, econômico politicamente estruturada), mas pensar a Cidade (não-dada) em função dos corpos e, mais exatamente, da geografia atual dos corpos. O que significa fazer a imaginação ética passear pela cidade para que os sonhos não sejam elucubrações da mente, mas gestos apaixonados de corpos que foram afetados por outros hábitos dos corpos, inimagináveis antes. Afetar-se pelos corpos que não comem, não bebem e, quando bebem, ficam doentes, violentados, maltratados, indigentes embora tendo amigos, corpos privados das danças de amor pela falta de espaço, privacidade e insalubridade. E tantos outros hábitos...

A TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE

Se queremos contribuir na transformação da sociedade e se a disciplina EC pode colaborar, não será por meio de receituários moralistas e grandes discussões sobre os costumes hereditários que atingiremos alguma coisa. Será pelo enfrentamento chocante dos hábitos... de uma elite, de abastados, de beneficiados pelo sistema econômico-político e educacional vigentes diante de outros hábitos. É um começo apenas, um ensaio para a percepção dos outros corpos, fora das redes disciplinares do ensino.
A conservação social e a moralização da sociedade representam uma resistência habitual contra os corpos: a recusa de que a discussão sobre o espaço citadino comece pelo corpo e não pelos valores morais predominantes (liberdade, autonomia, direitos, valores cívicos, etc.). Resulta daí um esquecimento crucial e mortal para toda educação de
novos hábitos: ignorância de uma geografia dos corpos.
Seria preciso, então, começar por mapear o lugar dos corpos na Cidade: identificar aqueles lugares onde se localizam os corpos sofridos, onde se aglomeram os corpos abastados; seguir os movimentos constantes dos corpos violentos e dos violentados; encontrar meios perspicazes para detectar a dissimulação da violência dos corpos, seus centros de irradiação; pôr em evidência os espaços que calam sobre o corpo... entre eles, a escola. Tão importante quanto a resignificação ética dos hábitos, é a explicitação dessa geografia.
A partir dela, poderíamos concluir que não há Cidade, cidadania... há sim Cidades, cidadanias, porque há corpos... hábitos diferentes de viver, de habitar na Cidade.
A explicitação da geografia dos corpos – a desigualdade de seus hábitos – é condição inicial para que a educação seja ética. Há corpos que têm hábitos educacionais bem definidos (freqüentam universidades, projetam outros hábitos em função deste); hábitos comestíveis (comem várias refeições por dia); hábitos econômicos (advindos dos recursos financeiros); hábitos habitacionais (dormem em camas agradáveis, protegidos do frio). A hierarquia entre os corpos significa que há corpos que têm hábitos de não freqüentar centros universitários, de não comer todos os dias e todas as refeições e que habitam lugares que outros corpos jamais habitarão.
Pensar os problemas morais (hábitos que venceram) a partir dos corpos é pensar a urgência na discussão ética; é projetar de maneira diferente as relações cidadãs e as relações educacionais. Exige-se transformar a maneira de ver da Cidade e as considerações éticas sobre a cidadania. A educação é transformadora quando a ética o é, quer dizer, quando o corpo se põe a revolucionar os hábitos e interferir
politicamente. Neste caso, trata-se de exercer sua cidadania e buscar alterações geográficas e novos hábitos: propor uma nova geografia e novos hábitos para o corpo. Uma ética para o corpo não tem a pretensão de fornecer um programa políticode realocação de corpos nas estruturas sociais vigentes.
Ela tem como alvo imaginar outras “morais” porque imagina outros “hábitos”. Outros hábitos educacionais. Educar os hábitos. Educar para o amor, encontrar o ponto mais alto da vida é o amor pelos corpos sofridos... Amar o corpo próximo como a teu próprio corpo. É um gesto ético mínimo e fundamental para que as potencialidades
do corpo e, por isso da ética, comecem a sentir o prazer de habitar de maneira diferente os espaços geográficos das Cidades. A Cidadania começa no corpo e só tem sentido se for ela também uma cidadania para os corpos sofridos.
Em função do seu caráter de transformação educacional, terá que mostrar por que os corpos sofridos e corpos abastados precisam reorganizar a cidade. Se os sofridos precisam começar a viver, os abastados poderiam – ainda que em função do amor ao próprio corpo – procurar alterar as coisas com vistas à sua sobrevivência. Chegamos ao momentoem que a geografia atual dos corpos começa a matar a todos e não só aos corpos sofridos! Exercer a cidadania é isso: corpos em luta constante para instaurar novos hábitos, corpos querendo preservar os mesmos hábitos de sempre.
Neste caso, todos são cidadãos. A exclusão diz respeito aos benefícios da cidadania e não ao seu exercício. Eis-nos di-ante de vícios corporais que impedem colocar a cidadania como problema do corpo, porque não se pretende que o corpo seja um problema para a cidadania.
Uma ética para o corpo é um canto em sua homenagem, mas não para o corpo em geral. É uma ética para aqueles corpos que não gozam os mesmos hábitos prazerosos de poucos corpos abastados. É uma ética para corpos que não habitam a Cidade de maneira paritária não pude-ram ainda desfrutar o prazer de habitar na terra. Uma ética para os corpos sofridos (empobrecidos, pobres, vítimas de organizações opressoras das cidades, mutilados no prazer).
Transformar a geografia atual dos corpos, sabendo que não há meios imediatos de eliminar os conflitos: os hábitos vencedores – a moral – continuarão a se impor. Contudo, há meios de relativizar os hábitos atualmente vencedores. Uma vez que os hábitos são instituídos pelos corpos, mudar os hábitos não é uma decisão moral, mas uma decisão corporal.
Apesar das resistências habituais predominantes, vencedoras
(morais) é possível transformar aquilo que tomou forma um dia. Um belo encontro entre corpos, num espaço educacional, pode ser a ocasião de começar a sonhar assim.

São sonhos dos corpos que mudam os mundos, que instituem hábitos, outras formas de existência. São os sonhos dos corpos que resistirão às morais. E, por meio de outros hábitos, poderão imaginar mundos não vividos, geografias não demarcadas e cidadanias ainda não discutidas.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR CONSULTADA

BARRERE, Anne, MARTUCELLI, Danilo. A escola entre a agonia moral e a renova-ção ética. In: Educação e sociedade, ano XXII, outubro 2001, nº 76, p. 258-77.
BIRZEA, César. A educação num mundo em transição: entre o pós-comunismo e o pós-modernismo. In: ALBALA-BERTRAND, Luis (org.). Cidadania e educação: rumo a uma prática educativa. Trad. Mônica Saddy Martins. Campinas, Papirus; Brasília,
UNESCO, 1999, p. 73-85.
DUSSEL, Enrique. Éthique de la libération. In: L’univers philosophique. Sous la dir.d’André Jacob. 2ème éd. Paris, PUF, 1991, p. 149-154.
IANNI, Octavio, A ditadura do grande capital. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1981.
IMBERT, Francis. A questão da ética no campo educativo. Trad. Guilherme J. F.
Teixeira. Petrópolis, Vozes, 2001.
LOPES, F. Leme. Estudos dos problemas brasileiros (org). Rio de Janeiro, Renes, 1971.
RICOEUR, Paul. O si-mesmo como um outro. Trad. Lucy Moreira Cesar. Campinas,
Papirus, 1991.
ROMANO, Roberto. Contra o abuso da ética e da moral. In: Educação e sociedade,ano XXII, outubro 2001, nº 76, p. 94-105.
VAZ, Henrique de Lima. Escritos de filosofia: Ética e cultura. 2. ed. São Paulo,
Loyola, 1993.




[1] Cf. , para uma análise mais detida, PIAGT, Jean: Seis Estudos de Psicologia cap.I.
[2] Cf., para uma analise mais detida, id., caps I e II
[3] PIAGET, Jean: A Construção Real na criança, p 330
[4] PIAGET, Jean: Seis Estudos de piscologia, p.15
[5] Id.,p15
[6] NUTTIN, Joseph: Estrutura da Personalidade, p.181
[7] Tomamos conhecimento do Artigo de Cerqueira Filho: Conciliação e Violência na história do Brasil
[8] BAUDELOT, Christian, Roger, Escola Capitalista, p.281
[9] SCANTIMBURGO, de João, Tratado Geral do Brasil, p.365
[10] FAGUNDES, Batista João. Organização Social e Política Brasileira, p.85
[11] Id.,p.90
[12] Id.,p.92
[13] Cf.,para uma análise mais detida CUEVA, Agustina cecpção Marxista das Classes Sociais, em debate e Crítica n3 p.84
[14] id.,ibid.
[15] Id.,ibid.
[16] Id.,p88
[17] LENIN, V. Uma grande Iniciativa, apud CUEVA, Agustín:op.cit.,p.87
[18] CUEVA, Agustín:op.cit.,p 94
[19] ALTHUSSER, Louis: Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado, p.9
[20] Id.p.21
[21] Id.Ibid.
[22] POULANTZAS, Nicos:Poder Político e Classes Sociais
[23] Id.,ibid.
[24] O conceito de ideologia aquiexpresso, por ser mera operação mental, diferencia-se radicalmente da teoria da ideologia em geral de Althusser, para quem esta é uma realidade existente. A teoria de Althusser sobre a questão é criticada por Mirian I.Cardoso, em seu livro Ideologia do desenvolvimento – Brasil:JK/JQ.
[25] Cf.,para uma análise mais detida, Cardoso, Mirian L.Ideologia do Desenvolvimento- Brasil:JK/JQ.cap.2,p.53
[26] ALTHUSSER, Louis, op.cit.p.69
[27] SAVIANI, Demerval: Educação Brasileira: Estruturas e Sistemas,p.70
[28] id.,pp 70-71
[29] POULANTZAS,Nicos: Podr Político e Classes Sociais, vol II, p36
[30] id.p.39
[31] id.p.31
[32] id.p.33
[33] id.pp. 40-41
[34] Id., p 211
[35] ALTHUSSER, Louis:op.cit.,22
[36] Id.,p.67
[37] BAUDELOT, Christian e ESTABLET, Roger: op.cit.,p222
[38] Id.,p 275
[39] SANTOS, Rubens Ribeiro dos, Compêndio de Educação Moral e Cívica, pp.11-22


[42] Monografia: Patricia Bueno
[43] BREVE HISTÓRIA- GÊNESE E CAMINHOS - A universidade brasileira surgiu tardiamente, na primeira metade do século XX, pela união de escolas superiores isoladas criadas por necessidades práticas do governo, por carências sentidas pela sociedade ou como resultado de avaliação sobre um potencial existente em uma ou outra área.
Foi também nesse período que as conferências tidas como "lições públicas" começaram a ser oferecidas pela Universidade de São Paulo, caracterizando a tomada de consciência da instituição para essa necessidade de difundir o conhecimento ali acumulado.
De qualquer modo, esses fatos colocam as universidades brasileiras, desde o início de sua história, muito próximas das comunidades que lhes deram origem.
MOVIMENTOS SOCIAIS - No fim dos anos 50, início dos anos 60, os estudantes universitários brasileiros, organizados na União Nacional dos Estudantes - UNE, empreenderam movimentos culturais e políticos reconhecidos como fundamentais para a formação das lideranças intelectuais de que carecia o país. Estavam assim definidas as áreas de atuação extensionista, antes mesmo que o conceito fosse formalmente definido.
O fortalecimento da sociedade civil, principalmente nos setores comprometidos com as classes populares, em oposição ao enfraquecimento da sociedade política ocorrido na década de 80, em especial nos seus últimos anos, possibilita pensar a elaboração de uma nova concepção de universidade, baseada na redefinição das práticas de ensino, pesquisa e extensão até então vigentes.
NOVA CONCEPÇÃO - Do assistencialismo passou-se ao questionamento das ações desenvolvidas pela extensão; de função inerente à universidade, a extensão começou a ser percebida como um processo que articula o ensino e a pesquisa, organizando e assessorando os movimentos sociais que estavam surgindo.
A institucionalização passava a ser perseguida, só que em sua dimensão processual, envolvendo toda a universidade - e não mais através de programas concebidos fora do espaço acadêmico. Pelo ensino se encontrariam formas de atender à maioria da população, através de um processo de educação superior crítica, com o uso de meios de educação de massa que preparassem para a cidadania, com competência técnica e política.
[44] Câmara, He1der. Revolução Dentro da Paz, p. 37.
[45] Câmara, Helder. comunicação, Juventude, Participação. Palestra de Abertura do 10º congresso da ucBc, Florianópolis, 1981.
[46] Albert Camus, Prêmio Nobel de Literatura em 1957 e testemu­nha de nossa era, se pergunta: "Se a vida não tem sentido, como vive-la dignamente?"
[47] Zilles, Urbano. Função Humanizadora da Universidade. Universidade de caxias do Sul 1978, p. 54.
[48] “ Houve um momento na política brasileira em que quase todos os candidatos apresentavam-se com experiência a partir da militância estudantil. Experiência encontrada tanto na história de vida de político progressista como na de conservador. Hoje, poucos são os políticos que tiveram tal iniciação política. Que houve? Mudou a política ou mudou a escola? Sem dúvida, as mudanças que ocorreram no processo educacional brasileiro refletiram-se na política.
A família e a escola têm uma importância fundamental no que a ciência política chama de socialização política, ou seja, o processo de incorporação de valores, de formação de identidade social do indivíduo. Isso nada tem a ver com socialismo ou coisas do gênero. Conforme estudiosos da psicologia, a adolescência é um período decisivo na formação do indivíduo, é quando se delineiam as qualidades fundamentais da pessoa adulta. Mais enfaticamente, estudos mostram que na adolescência, dependendo da orientação, define-se se a política será ou não um elemento central da vida adulta.
Para o sistema político, é de capital importância a forma como os indivíduos incorporam os valores, têm percepção da política e participam da política. Esse processo de educação política fundamenta e realimenta os princípios do sistema político, tornando-se suporte da formação do cidadão e do recrutamento político.
É esse processo responsável pela vitalidade e sustentação da representação e renovação política, pela presença de novos atores, bem como pela incorporação de idéias novas.
Pois bem, a escola, a partir das reformas implementadas pelo regime militar, tornou-se conservadora. No primeiro momento, a fim de expurgar os comunistas, tornou-se obrigatória a participação, ou pelo menos o comparecimento às eleições para os grêmios estudantis e centros acadêmicos, punindo-se com suspensão o não-comparecimento. Em seguida, através do DL 477, foram afastadas as lideranças estudantis e mesmo professores considerados subversivos. O tal decreto, colocando nas mãos dos dirigentes dos estabelecimentos de ensino o direito de aplicar as penalidades, faz com que muitos usem o DL 477 como recurso de poder próprio, punindo tanto agitadores e insatisfeitos como seus inimigos pessoais. Os grêmios estudantis passam ao controle das direções, que nomeiam professores para coordenar o movimento estudantil e programar suas atividades.
Além disso, foram introduzidas alterações curriculares – Organização Social e Política do Brasil (OSPB), Moral e Cívica e Educação Política Brasileira (EPB). Elas foram incluídas não como promotoras de um processo de politização dos alunos, mas como forma de doutrinação, não sendo permitida a discussão de idéias, estas eram impostas. Daí, certa resistência e mesmo rejeição que passou a haver em relação a essas disciplinas. Assim, a injunção de legislação autoritária e de práticas inibidoras de atividades vai provocar um fechamento do espaço político na escola. Os grêmios e centros acadêmicos, controlados, perderam vitalidade, e os alunos deixaram de ter experiência política.
A redemocratização do início dos anos 80 não significou, para o sistema de ensino, a retomada do debate e da discussão de idéias. Retiraram-se as disciplinas impostas e ficou o vazio. O pior é que não houve um ganho em qualidade de ensino. Burocratizou-se a escola, enquadrou-se o ensino, jogou-se mais cedo nas costas dos adolescentes a responsabilidade de se profissionalizar e de ganhar a vida. A escola e a família passaram a valorizar demais o vestibular, não percebendo que ele é um equívoco e que sua existência decorre da insuficiência de vagas no ensino superior. E que não representa ganho nenhum na vida dos jovens.
Além disso, como produto de uma insuficiente socialização, a política perde não somente em quadros e em idéias, perde muito mais pela apatia, indiferença e pela percepção equivocada de que a política é o reino da trapaça e que todo político é um embusteiro. Não se percebe que a cidadania e a democratização são tecidas pelo diálogo e pelo confronto de idéias na família, na escola, na vida. “

[JPS1]
Vinte e cinco séculos depois, o eco intocado desta voz pura soa aos nossos ouvidos: - "E nós, que vivíamos a seu lado, não tínhamos com­preendido quem era este justo de quem fala o provérbio, e sem o qual não há aldeia, nem cidade, nem a terra inteira que possa substituir" (Alexan­dre Soljenitsyne, em "A Casa de Matriona"). Do filósofo grego do 59 século antes de Cristo, ao prêmio Nobel russo dos nossos dias, a afirma­ção implícita é a mesma: a imantação da vontade humana para o Bem, para a Justiça, para o direito, sua subordinação livre ao Dever, tudo isto não é o fruto de um condicionamento ou de uma soma de circunstancias efêmeras e aleatórias, esta imantação da vontade humana para o bemé a face visível que toma o Instituto Moral, a mais profunda, mais grave e mais específica de nossas tendências essenciais.
- A que visa, assim, a Educação Moral?
- Visa à decantação do Instituto Moral de um ser livre, à sua formação consciente e crítica, ao seu aperfeiçoamento no convívio com os outros, através do crescimento humano progressivo da criança, do adolescente e do jovem até a idade adulta.
Esta é a tarefa imensa da Educação Moral.


[JPS2]